5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em face do exposto, é possível afirmar, que a existência, para o acusado, do direito de mentir tanto na fase policial, como em juízo, não é unanimidade no cenário brasileiro.
Com efeito, é assegurado ao réu, inclusive constitucionalmente (art. 5º, LXIII, CF/88), o direito de permanecer calado, recusando-se a responder as perguntas que lhes forem feitas sobre os fatos pelos quais está sendo acusado. Tal conduta não poderá, ainda, ser interpretada como confissão ficta ou em prejuízo da defesa, devendo ser considerada, pelo magistrado, como mera ausência de resposta.
Entretanto, tendo em vista ausência de tipificação no ordenamento jurídico brasileiro do crime de perjúrio, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, há se de perceber que, diferentemente das testemunhas, o réu não detém o dever de proferir a verdade, em virtude de sua garantia constitucional a não se incriminar. Portanto, se o acusado vier a mentir em interrogatório, não responderá por falso testemunho (art. 342 do Código Penal), tendo em vista que estará apenas exercendo seu direito à ampla defesa.
Cumpre esclarecer que o entendimento de que o réu poderá mentir em juízo, reconhecido inclusive pelo STF, diz respeito apenas aos questionamentos acerca dos fatos a si imputados, pois sabe-se, também, que a autodefesa não é um direito absoluto.
Isto porque, por exemplo, se o réu, no interrogatório, imputar falsamente o crime a pessoa inocente, deverá responder pelo delito de denunciação caluniosa, tipificado no art. 399 do Código Penal.
Da mesma maneira, deverá responder pelos delitos de uso de documento falso e falsa identidade (arts. 304 e 307 do Código Penal, respectivamente) o agente que, para não se auto incriminar, apresentar um documento falso ou atribuir a si uma identidade que não é sua (HC 92763, RE 640139 RG e REsp 1.362.524-MG).
Portanto, neste trabalho, é adotado o posicionamento de que a ampla defesa assegurada ao réu, no processo criminal, garante também o direito de mentir sobre a realidade dos fatos que a si forem imputados, face à inexistência do crime de perjúrio no ordenamento jurídico brasileiro. Quanto ao uso de falso documento ou falsa identidade, por se tratar de condutas devidamente tipificadas no Código Penal, responderá o acusado se vier a praticá-las, pois o seu direito à autodefesa e não autoincriminação não é absoluto.
REFERÊNCIAS
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