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Política criminal para o enfrentamento do crime organizado e corrupção no Brasil:

Agenda 14/11/2018 às 20:40

O artigo propõe uma política criminal para o combate ao crime organizado e à corrupção no país, sob visão integradora, entre os protagonistas do sistema de justiça criminal, com um modelo de gestão por indicadores de resultado e informações criminológicas.

A assunção de um novo governo e a reestruturação do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a ser comandado pelo juiz federal Sérgio Moro no próximo ano, aparecem como rara oportunidade para implementar-se uma política de combate ao crime organizado e à corrupção no país.

Uma política adequada e consistente nesse âmbito criminal representaria um notável incremento no sentimento coletivo de pertencimento e de igualdade política e social, contribuindo para infundir na população maior confiança no sistema de justiça criminal.

Um pressuposto do programa é a articulação entre criminologia (o estudo científico do crime, do criminoso e do sistema punitivo), a política criminal (as opções para o enfrentamento da criminalidade) e o direito penal (a chamada dogmática penal – regras e princípios de aplicação, tipos e penas), a se desenvolver por etapas, a seu tempo e modo.

Um programa estratégico deve focalizar todas as espécies dessa forma de delinquência e conter diretrizes estruturantes e permanentes, com metas claras e sistemática de acompanhamento de resultados.

A necessidade de envolver, nesse planejamento estratégico, todos os protagonistas do sistema de justiça criminal (Polícias, Ministério Público, Judiciário, sistema prisional), dotando-os de um sistema de gestão por indicadores de resultado adequados à tomada de decisão em cada nível de atuação, parece essencial.

A criação de um centro de investigações sobre o crime organizado no país, responsável pelo estudo empírico sobre a delinquência organizada, que concentrasse informações de todo o sistema de justiça criminal e os centros de pesquisas universitários, representaria decisivo passo para a referida articulação, permitindo que os Conselhos Nacional de Justiça e do Ministério Público, possam, a partir desse conhecimento científico, fixar as diretrizes e metas em cada âmbito de atuação.

Mas, à parte essas ações estruturantes, outras de curto e médio prazo podem ser adotadas para prevenir e reprimir a corrupção e o desvio de recursos públicos.

Um dos maiores desafios, nesse setor, é a integração entre as diversas instâncias encarregadas da investigação criminal. Uma coordenação nacional de informações criminais em sistema unificado, reunindo os órgãos especializados das polícias civil e federal e do MP (GAECOs), é condição essencial para uma atuação racional, célere, econômica, integrada e uniforme em todo o país.

A criação de novas varas especializadas para julgamento de processos do crime organizado, recomendadas pelo Conselho Nacional de Justiça, é uma das medidas a serem encarecidas, como também o fortalecimento dos órgãos especializados de investigação das polícias e do Ministério Público.

No plano legislativo, deve-se tipificar o crime de enriquecimento ilícito; recalibrar as penas dos crimes contra a Administração Pública e a ordem tributária, agravar a pena dos crimes de corrupção ativa e passiva, em caso de a vantagem indevida ter sido paga ou recebida; eliminar a prescrição retroativa para crimes contra o erário e estabelecer perda automática das funções públicas como efeito da condenação do funcionário por crimes contra a Administração Pública e a ordem tributária.

No plano processual, a indisponibilização e confisco de bens, instrumentos e produtos de crimes contra o erário, mesmo que transferidos a terceiro; na eliminação do sigilo bancário e fiscal e na extensão do instituto da colaboração premiada em investigações de crimes contra o erário, de lavagem de dinheiro e contra a ordem tributária, são medidas indispensáveis.

No âmbito constitucional, afigura-se urgente a restrição do foro especial por prerrogativa de função apenas aos chefes dos poderes, ao Procurador-Geral da República, aos Ministros dos Tribunais Superiores e aos Governadores de Estado, e, no nível dos estados, apenas aos membros da Magistratura e do Ministério Público que atuem em segundo grau de jurisdição.

Além dessa emenda constitucional, outra haveria de ser a que diz respeito à possibilidade de execução da pena após condenação em segundo grau de jurisdição. Lei processual deveria fixar, com clareza, o momento e a autoridade competente para determinar o início do cumprimento da pena.

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Duas outras inovações legislativas haveriam de ser contempladas. Agente público investido de mandato popular ou outro servidor público deve ser automaticamente afastado das funções com a instauração de processo criminal, por crime cometido no exercício de função pública e, se condenado, ser destituído e privado de exercer qualquer outra função pública definitivamente.

A atuação de empresas e empresários como motor da corrupção em índices alarmantes, como se constatou nos casos do mensalão, da lava jato e em tantos outros, torna necessário ampliar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, sem prejuízo da de seus integrantes, como ocorre nos Estados Unidos e Europa, com sanções de multa, suspensão de atividades até a de extinção de suas atividades.

Mas nenhuma dessas ou outras propostas surtirão o efeito desejado se não houver por parte dos legisladores e aplicadores da lei uma forte conscientização acerca de seu real papel, como agentes políticos capazes de transformar as estruturas sociais.

A restauração do sentimento coletivo de pertencimento e de igualdade política e social dependerá da justificação ética das medidas adotadas.

E, no Brasil da corrupção - em que diversos políticos de alta patente estão condenados, entre eles dois ex-governadores, ministros e até um ex-presidente da República – nada pode ser mais justificável do ponto de vista ético que combater com determinação os crimes que produzem desigualdade, geram marginalidade, pobreza, delinquência, sentimento de injustiça, impotência; que sangram o dinheiro da saúde, da educação e da segurança pública, afetando sensivelmente os mais necessitados.

Saber que as regras do jogo são respeitadas por todos, ou impostas à observância pelo Judiciário, é a mais elementar expressão do Estado de Direito. Ter a convicção de que os pesados tributos que pagamos, para prover os serviços públicos essenciais, não serão desviados, é o que mobiliza o consenso necessário no foro competente.

A criação de uma política pública adequada para o setor, portanto, apresenta-se como paradigmática, representando a ruptura com o passado, de governos lenientes ou acumpliciados com a delinquência organizada.

Mais do que isso, representa clara decisão política no sentido de restaurar as bases da esfera pública em que o cidadão sinta-se representado pela classe política; e, de outro lado, que o sistema de justiça criminal esteja dotado de todos os meios e instrumentos necessários para assegurar seus direitos fundamentais.

Sobre o autor
Mauro Viveiros

Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, Mestre em Direito pela UNESP e Doutor em Direito Constitucional pela Universidad Complutense de Madrid. Professor dos Cursos de Especialização da Escola Superior do Ministério Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIVEIROS, Mauro. Política criminal para o enfrentamento do crime organizado e corrupção no Brasil:: a rara oportunidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5614, 14 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70100. Acesso em: 28 abr. 2024.

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