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A necessidade de definição de garantias para que a advocacia-geral da união exerca o mister constitucional de advocacia de estado

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Agenda 08/11/2018 às 14:17

A Advocacia-Geral da União é uma instituição típica de Estado e defendemos que a ela compete exercer advocacia de Estado. Assim, a AGU e seus membros devem ser destinatários de garantias necessárias para exercer esse mister.

INTRODUÇÃO.

A confusão sobre Estado, governo e Administração Pública, concorre para prejudicar o desenvolvimento de um país uma vez que possuem conceitos e atribuições distintas e, em razão dessas características, merecem tratamento jurídico específico.

Os poderes do governo e da Administração Pública devem ser limitados a fim de proteger o Estado. O crescimento excessivo desses poderes conduz à tirania. Assim, o princípio dos freios e contrapesos não deve se limitar a definir a separação dos poderes mas fundamentar a criação de instrumentos que permitam equilíbrio na distribuição de poderes dentro do Estado.

Nesse quadro, a Advocacia-Geral da União, instituição típica de Estado, é incompatível com o exercício de advocacia de governo e, assim, deve exercer advocacia de Estado. Para tanto, é necessário que ela seja destinatária de garantias fundamentadas no princípio de freios e contrapesos.

Essas garantias, ainda que não estejam textualmente escritas no artigo 131 da Constituição Federal, decorrem do fato que a Advocacia-Geral da União é Função Essencial à Justiça. Essas garantias, contudo, não são as mesmas atribuídas ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mas à Advocacia, que se subdivide em advocacia privada e advocacia pública.  Assim, a advocacia privada e advocacia pública, espécies do gênero Advocacia, gozam de garantias constitucionais em comum.

Nesse quadro, o objeto deste trabalho é demonstrar que a Advocacia-Geral da União é instituição de Estado, a quem compete o exercício de advocacia de Estado e que a ela e seus membros aplicam-se deveres, direitos e garantias comuns com a advocacia privada.


ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCEITOS.

O conceito mais sucinto de Estado é definido como uma nação politicamente organizada[1]. Ocorre que essa definição, além de simples, oculta a complexidade das estruturas de poder de um Estado ocidental contemporâneo.

Em um Estado, além das estruturas básicas de nação e organização política, atuam como estruturas de poder o governo e a Administração Pública. Enquanto aquele é ocupado por agentes políticos este é composto por agentes técnicos. Os agentes políticos chefiam órgãos constitucionalmente descritos como pertencentes à própria estrutura do Estado. Os agentes técnicos, por sua vez, atuam em níveis hierárquicos inferiores. Confira-se os ensinamentos de José Afonso da Silva:

“O Estado, como estrutura social, carece de vontade real e própria. Manifesta-se por seus órgãos que não exprimem senão vontade exclusivamente humana. Os órgãos do Estado são supremos (constitucionais) ou dependentes (administrativos). Aqueles são os a quem incumbe o exercício do poder político, cujo conjunto se denomina governo ou órgãos governamentais. Os outros estão em plano hierárquico inferior, cujo conjunto forma a Administração Pública, considerados de natureza administrativa. Enquanto os primeiros constituem objeto do Direito Constitucional, os segundos são regidos pelas normas do Direito Administrativo. E aí se acha o cerne da diferenciação entre os dois ramos do Direito. ”[2]

Assim, é fundamental elucidar o que é Estado, governo e a Administração Pública. Para este trabalho, entendemos ser pertinente adentrar na análise que Luiz Philippe de Orleans e Bragança faz sobre o tema:

“Uma sociedade não consegue ingressar com fundamentos sólidos na rota do desenvolvimento caso não entenda a distinção entre governo e Estado. (...)

Ora, as universidades públicas são instituições de Estado, bem como o Ministério Público e a Previdência Social. Claro, há uma gestão dos organismos de Estado exercida pelo governo que, por um período determinado, ocupa essa gestão. Mas, enquanto o governo gerencia a coisa pública e é temporário, o Estado está acima dele – e é permanente.

Entre governo e Estado há ainda outro componente da máquina pública, a burocracia. Forma-se então uma espécie de trindade, a qual faz um país avançar ou permanecer no atraso. ”[3]

Para Bragança, a confusão entre Estado e governo é perniciosa para o desenvolvimento de um país, afinal, é imprescindível separar a gestão política temporária das permanentes instituições de Estado. O gestor político, que naturalmente é atraído pela sua manutenção no poder, não deve utilizar as estruturas permanentes do Estado para satisfazer suas pretensões pessoais ou partidárias. Repise-se: Estado é perene. Governo é temporário. Bragança ainda aponta a burocracia como um terceiro componente da máquina pública.

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Nesse quadro, passa-se à análise dos conceitos de Estado, burocracia e governo para Bragança. Sobre Estado, o autor adota a conceituação de Max Weber. A saber:

“No conceito que se tornou clássico no Ocidente, desenvolvido pelo jurista e economista alemão Max Weber (*1864 - †1920), um dos criadores da Sociologia, Estado é a instituição que concentra uma sociedade, dentro de um território específico (pátria), e detém os poderes de legislar e reprimir.

(...) Estado, no caso, se refere a todos os agentes políticos, às instituições públicas, aos seus princípios e leis de regimento sintetizados, na maioria dos casos, em uma Constituição; ele inclui o governo e a burocracia que regem um povo num determinado território. ”[4]

Em relação à burocracia, Bragança define como o conjunto de técnicos que administram as inúmeras áreas do Estado. Em nossa opinião, o conceito de burocracia apresentado por Bragança é congruente, ou no mínimo próximo, com o conceito de Administração Pública. Veja-se:

“A burocracia é constituída de técnicos que administram as diversas áreas do Estado. Esses técnicos, na maioria dos casos, não são eleitos – e, alguns cargos, são nomeados pelo governo para dirigir algumas áreas-chave para implementação de projetos do governo. Os técnicos de carreira profissional não têm mandato e podem perdurar por vários governos. No entanto, (...) a burocracia pode exercer poder igual ou maior que o governo. Por isso que diversos países optam por uma constituição que dá poderes ao governo de limitar o poder da burocracia, e vice-versa. É um jogo de forças essencial ao equilíbrio de forças públicas que agem dentro do Estado. ” [5]

O conceito de governo adotado pelo autor não carece de maiores esclarecimentos. Bragança, contudo, relembra o alerta de que o governo é temporário enquanto que o Estado é permanente. Confira-se:

“(...) o termo ‘governo’ se refere ao agente político eleito para administrar as instituições do Estado durante determinado período. Observe que o governo é transitório, ao passo que Estado é atemporal. ” [6]

Fixados os conceitos, passa-se a demonstrar a importância da delimitação do governo e da burocracia para o Estado.


A IMPORTÂNCIA DA LIMITAÇÃO DO GOVERNO E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ALCANCE DO PRINCÍPIO DOS FREIOS E CONTRAPESOS.

O princípio dos freios e contrapesos é recorrentemente denominado no Brasil como sinônimo de princípio da separação dos poderes, alçado à norma constitucional pela redação do artigo 2° da Constituição Federal atual[7].

Ocorre que esse princípio não deve estar restrito apenas à separação dos Poderes da República. O princípio dos freios e contrapesos deve ir além pois seu significado é mais amplo: a finalidade desse princípio é a definição de medidas que distribuam o poder dentro de um Estado.

Assim, a fim de evitar iniciativas tirânicas, é imprescindível que instrumentos de freios e contrapesos sejam criados para limitar a ação do governo e da burocracia sobre instituições de Estado. Para tanto é necessário que elas gozem de proteções normativas para que não sejam cooptadas por governantes do momento ou por burocratas que apenas defendem a expansão da força da burocracia.

Nesse contexto, Bragança destaca que a burocracia que não encontre limites no ordenamento jurídico de um país pode assumir características totalitárias, utilizando-se de instituições de Estado para, em nome da eficiência e do controle, adotar medidas e definir conceitos sem que suas decisões sofram análise dos representantes do povo. No tocante ao governo, ressalta que a tendência natural é buscar a concentração de poder para sua manutenção e até perpetuação no cargo. Em suas palavras:

“(...) caso não sejam estabelecidos limites para sua atuação, a burocracia pode tornar-se totalitária, mitigando qualquer influência do povo em nome da eficiência e do controle. Por outro lado, torna-la sujeita à supervisão de representantes eleitos também é um problema grave. Um governo com planos totalitaristas pode se aproveitar desse viés natural da burocracia e aparelhá-la para empurrar a sua agenda de poder sem passar por validações que outrora limitariam a ambos, tanto o governo como o aparelho burocrático de gestão das instituições de Estado.

(...) há uma propensão natural de todo governo de concentrar e de se perpetuar no poder. Também há uma tendência de toda burocracia a se expandir. A independência de poderes dentro da estrutura do Estado é capaz de criar limites dessas forças, que agindo sem controle, se tornam maléficas. ” [8]

Nesse quadro, tanto a expansão da burocracia quanto a tendência de um governo se perpetuar devem obstadas por mecanismos de freios e contrapesos. Pois, é fundamental que se encontre equilíbrio na distribuição de poderes dentro do Estado. Cumpre transcrever o alerta de Bragança:

“A estrutura de Estado e os poderes que aufere aos governos e à burocracia são a chave para a estabilidade e o sucesso político de uma nação. Muito poder aos governos e à burocracia torna a sociedade sujeita a ser escrava do Estado e minguar na mediocridade. Pouco poder para o governo e para a burocracia, por sua vez, restringe de ações que possam proteger a sociedade em questões de soberania, por exemplo. ” [9]

Assim, é imprescindível que as instituições típicas de Estado sejam protegidas por normas dessa natureza. No tópico a seguir, passa-se à analisar se a Advocacia-Geral da União é instituição de Estado e se há mecanismos de freios e contrapesos que a protegem..


A ADVOCACIA PÚBLICA É FUNÇÃO ESSENCIAL À JUSTIÇA. ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO É INSTITUIÇÃO DE ESTADO.

O capítulo IV da Constituição Federal dispõe sobre as funções essenciais à Justiça e atribui essa qualidade ao ministério público, à advocacia pública, à advocacia liberal e à defensoria pública. Tal qualificação apenas concretiza no texto constitucional um fato observável do cotidiano dos tribunais: a atuação mediata dos membros dessas instituições é zelar pela correta atuação do Poder Judiciário.

A Advocacia-Geral da União – AGU tem assento constitucional e sua finalidade está descrita no caput e parágrafos do artigo 131 da Constituição Federal. Confira-se:

“Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

§ 1º A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

§ 2º O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

§ 3º Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei."

A missão constitucional da AGU é representar judicialmente ou extrajudicialmente o Estado brasileiro. Para tanto, a organização interna da AGU, que se divide, a grosso modo, na Procuradoria-Geral da União, Procuradoria-Geral Federal, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Procuradoria-Geral do Banco Central, reflete a estruturação da Administração Pública do Estado brasileiro (União, Autarquias e Fundações, Fazenda Nacional e Banco Central).

Em suma, compete à AGU defender juridicamente o Estado brasileiro. Para cumprir esse mister é necessário que seja uma instituição de Estado tal como são as Forças Armadas, que tem por missão a defesa militar do Estado brasileiro.

Nesse quadro, não é lícito que a AGU defenda o governo, que pela sua própria natureza é transitório e possui ideologia partidária. À AGU compete atuar em defesa do Estado brasileiro e, portanto, deve exercer advocacia de Estado[10], colocando o Brasil acima de quaisquer idiossincrasias. Tanto é assim que não existe óbice para que a advocacia pública, por exemplo, representando judicialmente o Estado, ajuíze ação civil pública contra o chefe de governo do referido Estado que provoque gravíssimos danos ao patrimônio público. Como poderia a Advocacia Pública representar o Estado em juízo e buscar a reparação por esses danos caso o exercício da Advocacia Pública possuísse natureza jurídica de advocacia de governo? O compromisso da Advocacia Pública é com o Estado e não poderia ser diferente.

A AGU, como instituição típica de Estado, então, deveria ser objeto de normas, fundamentadas no princípio dos freios e contrapesos, destinadas à proteção contra a burocracia e o governo. Infelizmente, não é o que ocorre.


NECESSIDADE DE GARANTIAS QUE ATUEM COMO FREIOS E CONTRAPESOS PARA QUE A ADVOCACIA PÚBLICA FEDERAL SEJA RESGUARDADA E POSSA EXERCER SEU MISTER DE ADVOCACIA DE ESTADO.

O artigo 131 da Constituição de 1988 nada disse sobre as garantias a serem atribuídas à Advocacia-Geral da União. Essa omissão não significa, contudo, que a AGU e os advogados públicos federais não gozem dessas garantias. A interpretação das normas constitucionais deve ser feita em seu conjunto e o fato de a Advocacia Pública estar topograficamente inserida nas Funções Essenciais à Justiça não é significativa.

Como Função Essencial à Justiça, é inquestionável que o mister da AGU é de imensa responsabilidade. Nesse quadro, a Constituição Federal atribui poderes correspondentes e necessários para o cumprimento desse dever. Trata-se de hipótese de aplicação da teoria dos poderes implícitos que, em breves palavras, afirma que a Constituição concede, ainda que implicitamente, os meios necessários para que um órgão ou instituição cumpra o seu dever constitucional.

Nesse contexto, é possível afirmar que existem duas categorias distintas de Funções Essenciais à Justiça, cada qual com garantias próprias e necessárias para o cumprimento do seu dever. Tal distinção ficou mais evidente após a Emenda Constitucional n° 80 de 2014.

O primeiro grupo pode ser identificado pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. Essas instituições gozam de autonomia funcional, administrativa e orçamentária e são protegidas pelos princípios da: a) unidade; b) indivisibilidade, c) independência funcional. É certo que existem outras garantias específicas e próprias, mas as prerrogativas acima enumeradas são comuns às duas instituições e as distingue do outro grupo de Funções Essenciais à Justiça.

O segundo grupo é da Advocacia. No artigo 133 da Constituição Federal, afirma-se que o advogado é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei[11]. A Lei 8.906/94, por sua vez, concretiza essa regra constitucional e acrescenta todo um rol de garantias, em especial a isenção técnica e independência funcional[12].

Neste momento fica claro o motivo de o legislador constituinte originário não ter explicitado quais garantias seriam dadas à Advocacia Pública Federal. Como a AGU ainda não havia sido criada[13] e como anteriormente a defesa do Estado brasileiro em Juízo era feito pelo Ministério Público, era necessário, antes de definir as garantias, determinar se a AGU seria uma Procuratura Constitucional[14] ou verdadeira espécie do gênero Advocacia. O legislador ordinário, no entanto, continuou inerte. A Lei Complementar 73/93 e as legislações subsequentes não enfrentaram o tema.

Em que pese os valorosos argumentos em contrário, conforme já afirmado anteriormente, entendemos que a AGU exerce advocacia de Estado e, como tal, exerce a Advocacia. Em outras palavras, o mister da AGU, de representar judicial ou extrajudicialmente o Estado brasileiro e de realizar as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, são atividades típicas da Advocacia[15]. Não há dúvidas, ressalte-se, que o exercício da advocacia pública possui diferenças do exercício da advocacia liberal, de forma que ao advogado público federal é imposto todo um conjunto de regras e princípios específicos. Essas diferenças, entretanto, são úteis para especificar as atividades do gênero Advocacia.

Assim, à AGU e aos advogados públicos federais, aplicam-se a independência funcional, isenção técnica e, nos limites da lei, inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão. Deve-se aplicar também, no que não entre em conflito com a legislação específica, a Lei 8.906/94. Todo esse conjunto de prerrogativas, no entanto, dependem de autonomia, que é implícita do exercício da advocacia liberal mas deve ser explicitada para o bom cumprimento da advocacia pública. Sem autonomia, a Advocacia Pública Federal corre o risco de sofrer pressões políticas e ver colocadas em risco a independência e isenção.

Em resumo, a AGU é uma Função Essencial à Justiça do gênero Advocacia e, como tal, a ela e seus membros aplicam-se deveres, direitos e garantias, dentre outros, que são comuns com a advocacia privada, uma vez que ambas se enquadram na mesma categoria de Função Essencial à Justiça.

Sobre o autor
Rafael Vasconcelos Fontes

Procurador Federal

Informações sobre o texto

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