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Função social e uso nocivo da propriedade no condomínio edilício:

a possibilidade de exclusão do condômino antissocial

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Agenda 07/01/2019 às 17:30

3 A PROPRIEDADE HORIZONTAL E OS DEVERES DOS CONDÔMINOS EDILÍCIOS OBEDECENDO O DIREITO DE VIZINHANÇA

A função social da propriedade, conforme demonstrado, é princípio integrante ao direito de propriedade, portanto devendo também ser aplicado na propriedade horizontal. Assim como a função social da propriedade, o direito de vizinhança também é intrínseco ao direito de propriedade, bem como o direito vicinal tem finalidade semelhante, conforme escrevem Farias e Rosenvald[79]: “[...] os direitos de vizinhança são criados por lei, inerentes ao próprio direito de propriedade, sem a finalidade de incrementar a utilidade de um prédio, mas com o fito de assegurar a convivência amistosa entre vizinhos”.

Quanto à propriedade horizontal, verificar-se-á que foi necessária sua criação com o crescimento da sociedade e da aglomeração populacional nas grandes áreas urbanas. 

Para tanto imprescindível o estudo acerca da organização dessa forma de propriedade sob o aspecto do direito de vizinhança com maior enfoque ao uso nocivo da propriedade. 

Já adentrando o conteúdo do condomínio, a convenção condominial, o regulamento interno e as assembleias são os meios pelos quais o condomínio edilício tem para manter a ordem social, bem como a forma para aplicação das multas para descumprimento dos deveres elencados no Código Civil e, ainda, aplicar multas a outras infrações que podem ser ventiladas na elaboração da convenção e demais documentos para manter a paz na sociedade condominial.

O direito vicinal regula o uso das unidades autônomas juntamente com as regras impostas pela convenção condominial, regulamento interno dos condomínios e deliberações das assembleias gerais para que se possa ter uma boa convivência em sociedade.

A aplicação de multas nem sempre é a única saída, podendo o condômino incomodado buscar, conforme se extrai dos direitos de vizinhança, da tutela judicial para sanar os problemas causados. O que se busca com toda organização de condomínio e com todas as regras condominiais é assegurar o bem estar social, conforme vejamos.

3.1 Base Legislativa do Condomínio em Edifícios

Esboçando conteúdo legislativo acerca da propriedade horizontal, Lopes[80] escreve que na idade média já se tinha conhecimento de um sistema de propriedade semelhante ao condomínio, entretanto assevera:

Contudo, os poucos diplomas legais que passaram a referir-se ao instituto não cuidaram de regulá-lo convenientemente. Assim, por exemplo, o Código de Napoleão dispunha, em um único artigo, sobre a matéria (art. 664) e o Código português de 1867, em seu art. 2.335, só se referia aos encargos de reparação e conserto. A razão dessa lacuna ressalta clara: inexistiam, à época, causas socioeconômicas a exigirem tratamento legislativo mais minucioso.

Nesse mesmo viés, vê-se que diante da necessidade da criação de moradias surgiu a propriedade horizontal[81], uma vez que, desde a Idade Média, se tem problemas com a ocupação dos espaços nas cidades, necessitando, portanto, que fossem criadas as habitações em planos horizontais, as quais se tratavam de casas superpostas em andares.[82]

Há uma gama de elementos para explicar a necessidade de organização das cidades, bem como o surgimento da propriedade horizontal, conforme se extrai do conhecimento de Rizzardo[83]:

Desenvolveu-se esta mentalidade especial de condomínio após a Primeira guerra Mundial, nos países de maior densidade populacional. Muitos condisseram o desequilíbrio entre a oferta e a procura de imóveis residenciais comuns como a causa do surgimento do condomínio em planos horizontais, que se fez sentir em face das destruições de cidades inteiras. Depois da Segunda Guerra Mundial teria se acentuado o problema. A urgência de novas construções, para atender a demanda de moradias, deu origem a este tipo de construção. No entanto, há uma causa mais remota, encontrada nas consequências da Revolução Industrial, como o acentuado crescimento das cidades, em face da industrialização que se expandiu. Induvidosamente, este fator histórico desencadeou novas formas de concentrar as populações urbanas, sem exigir a ocupação de grandes espaços territoriais. 

Soares[84] acrescenta que “O condomínio edilício   fruto do avanço das relações socioeconômicas em decorrência do fenômeno sociológico da urbanização e concentração da população, surgindo inicialmente nas cidades europeias após a primeira guerra mundial”. 

Consoante o exposto, Franco[85] aduz acerca do desenvolvimento das cidades que levou ao entendimento da necessidade de uma melhor divisão do solo:

Trata-se de condomínio especial tamb m chamado de „propriedade horizontal‟, que, em princípio, se destina a solucionar o problema habitacional nas grandes cidades através da aquisição da casa própria a preço menor, em razão do maior aproveitamento do terreno, assim como atenuar, entre outros, os problemas urbanos da segurança, transporte, entrega de correspondência policiamento, escolarização etc.

E Diniz120 acrescenta ao continuar os ensinamentos e a necessidade de regulamentação do conteúdo em relação ao crescimento das construções de condomínios edilícios nas cidades que:

Devido ao rápido crescimento da propriedade horizontal, nos centros urbanos, necessário se fez atualizar o regime condominial dos prédios de vários andares que não correspondia às exigências da vida moderna para evitar abusos, definindo, com precisão, os direitos e deveres dos incorporadores, construtores e adquirentes das unidades. Surgiu, então, a Lei n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964, com as alterações da Lei n. 4.864, de 29 de novembro de 1965, para atender a todos os reclamos.

Nessa senda, tem-se que a propriedade horizontal é fruto do desenvolvimento da realidade urbana, sendo necessário racionalizar os espaços, uma vez que se tem uma exploração de um mesmo solo por mais de um proprietário.121

Diniz[86] também aduz que antes da legislação específica do condomínio criada em 1964:

Foi com o Decreto n. 5.181/28, modificado pelo Decreto-lei n. 5.234/43 e pela Lei n. 285/48, que se regulamentou, entre nós, o condomínio em edifícios de apartamentos, cujas unidades autônomas, podem ser destinadas a fins residenciais, profissionais ou comerciais. 

Em continuidade acerca da apresentação da matéria na legislação vigente e por qual nome ficaria conhecido o novo instituto, Rizzardo[87] assevera:

Daí denominar-se horizontal o condomínio quando se apresenta como uma propriedade exclusiva e autônoma das unidades que o compõe, conjugada com um condomínio do terreno e das partes comuns do prédio. É conhecido, tamb m, como „condomínio edilício‟, expressão adotada pelo Código Civil de 2002, por corresponder à forma de construção própria da cidade, cujas leis emanas dos edis, ou daqueles que legislam sobre a cidade

Quanto à nomenclatura do condomínio, Meirelles124 demonstra que antes de ser chamado de “condomínio edilício” pelo atual Código Civil houve muitos nomes pelos quais o condomínio ficou conhecido que se entendia de igual forma como se entende atualmente, conforme a seguir:

O condomínio edilício, antes chamado de condomínio de apartamentos, também denominado condomínio por andares, condomínios por planos, ou condomínio horizontal, é modalidade específica da compropriedade em edifícios de um ou mais pavimentos, construídos como unidades autônomas destinadas a residência, comércio, ou qualquer outra atividade humana (Código Civil, arts. 1.331 a 1.358). (grifo do autor)

Acrescenta Pereira125 conteúdo acerca da nomenclatura e do tratamento dispensado pelo Código Civil:

O Código Civil de 2002 trata do condomínio especial dos edifícios coletivos nos arts. 1.331 a 1.358, sob o título de „Do Condomínio Edilício‟, denominação que criticamos durante toda a fase de elaboração do Projeto do Código, sem sucesso. Cabe o registro, aliás, que esta espécie de condomínio sempre recebeu denominações as mais variadas: „propriedade horizontal‟ (por se ter originado da divisão dos prédios por planos horizontais, expressão, aliás, que granjeou muito da preferência dos autores iberoamericanos ; „condomínio especial‟; „condomínio de edifícios divididos por planos horizontais‟ e „co-propriedade de prédio de apartamentos‟, entre muitas outras.

Diante da necessidade de entendimento da temática, a Lei 4.591 de 1964 criou o condomínio especial trazendo em si a conceituação de tal conteúdo, e para demonstrar isso Avvad[88] escreve:

O denominado condomínio especial foi introduzido no ordenamento jurídico, oficialmente, através da denominada Lei do Condomínio e Incorporações, e está conceituando, no seu art. 1º, como: ‘As edificações ou conjunto de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma e unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não-residenciais’. Para complementar a definição foi estipulado no §2º desse mesmo art. 1º que: „A cada unidade caberá, como parte inseparável, umas fração ideal do terreno e coisas comuns [...]’. (grifo do autor).

Ademais, ainda acerca da legislação específica da propriedade horizontal, Farias e Rosenvald demonstram que o condomínio especial em edifícios era disciplinado pela Lei n. 4.591/64, entretanto, atualmente, o condomínio é enfrentado pelo Código Civil de 2002 a partir do artigo 1.331 até o 1.358 com a titulação de condomínio edilício.[89]

Quanto às legislações Rizzardo[90] diz que a mat ria est  “[...] disciplinada pelo Código Civil de 2002, que, além de tornar mais explícito o regramento, atualizou a redação das normas e supriu alguns vazios que ainda se faziam sentir, adotando soluções j  assentadas pela doutrina e jurisprudência”.

E nas questões em que o Código Civil de 2002, em vigor atualmente, for omisso, aplicar-se-á a Lei 4.591 de 1964 com as alterações trazidas pela Lei n. 4.864 de novembro de 1965.129

Outrossim, corroborando o afirmado, Farias e Rosenvald[91] trazem importante aspecto acerca da possibilidade de aplicação da Lei 4.591 em caso de omissão do Código Civil: 

Agora, o condomínio em edificações é enfrentado pelo novo Código Civil, nos arts. 1.331 a 1.358, sob o título de Condomínio Edilício. Derroga-se assim o disposto nos arts. 1º a 27 da Lei n. 4.591/64, eis que a lei posterior regulou inteiramente a matéria versada na lei anterior (art. 2º, § 1º, da LICC). Não se pode apelar à regra da especialidade, pois a sistemática geral cuida de idêntica matéria, direcionada aos mesmos atores jurídicos, porém, é possível a aplicação subsidiária das normas anteriores naquilo que o Código Civil for omisso e que não conflite com a principiologia vigente. (grifo do autor).

Em contrapartida ao entendimento supra, Avvad entende que os dispositivos da legislação de 1964 não continuam em vigor a partir do momento em que o Código Civil passa a regular inteiramente a matéria, tendo este revogado tacitamente a Lei n. 4.591.[92]

Consoante o conhecimento da legislação que aborda o Condomínio, impende conhecimento de que a propriedade horizontal é organização especial que envolve co-titularidade trazendo nela partes comuns e unidades autônomas.[93]

A característica da propriedade horizontal é a fusão da existência de partes de uso comum, juntamente com a existência de uso individual[94], conforme traz Rizzardo: 

Aí está a característica básica: a propriedade exclusiva sobre a quota-ideal, e a propriedade conjunta, ou copropriedade nas áreas e equipamentos comuns, a qual não pode se destacar do direito exclusivo sobre a unidade. Tanto que a unidade autônoma pode ser alienada independentemente dos demais condôminos. Não, porém, as partes comuns, que permanecem no condomínio. 

O Código Civil de 2002[95] dispõe: “Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos”.

Criticando o enunciado do artigo disposto, Pereira135 ensina que:

Embora haja assentado o conceito de condomínio edilício na conjunção perpétua e inseparável da propriedade exclusiva e da copropriedade, o caput do art. 1.331 tem enunciado pouco feliz, quando declara que nas edificações „pode haver‟ partes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos. A redação é inadequada, porque ao dizer que „pode haver‟, insinua o preceito a proposiç o contr ria  „n o pode haver‟). Mas isso seria a negação do condomínio edilício, que não sobrevive se deixarem de coexistir as partes comuns com as de uso exclusivo.

Portanto, condomínio edilício é a união de unidades privadas juntamente com partes comuns, diferenciando-se, assim, do condomínio geral, no qual se tem unicamente o regime da propriedade comum restando ausente a propriedade individual.[96] 

E concordando com a crítica ao enunciado do artigo 1.331 do Código Civil e com o entendimento de que as partes individuais não se dissociam das comuns no condomínio edilício, segue entendimento de Nader[97]:

No condomínio edilício cada condômino possui a titularidade exclusiva de unidade, formada por apartamento, sala, loja, sobreloja ou garagem e exerce a copropriedade, ao lado dos demais consortes, sobre as partes comuns. A propriedade condominial se caracteriza, assim, pela duplicidade de domínio: um particular e outro comum. E um não pode existir sem o outro. Isto é, não é possível ser proprietário de unidade autônoma, sem o concomitante domínio de fração das partes comuns. Nem o contrário

Entendido que o condomínio edilício é a fusão de unidades autônomas com partes comuns, tem-se a constituição de uma estrutura peculiar formada por uma série de regramentos que devem observar as questões privadas e as partes dos demais coproprietários, sendo necessária uma organização específica para esse tipo de direito.[98]

Portanto,     a     propriedade     horizontal,     para     Diniz[99],  é caracterizada “juridicamente pela justaposiç o de propriedades distintas e exclusivas ao lado do condomínio de partes do edifício, forçosamente comuns  CC, art. 1.331 ”. 

Conforme Franco e Gondo140 “Em suma,   a pluralidade de unidades privadas  e n o de propriet rios  que d  origem à propriedade horizontal”.

3.2 Organização do Condomínio Edilício, uso Nocivo da Propriedade e Principais Deveres dos Condôminos em Observância ao Direito de Vizinhança

Para adentrar o conteúdo específico deste trabalho, necessário conhecimento da organização do condomínio em edifícios, bem como a legislação que o sustenta. Para tanto, tem-se que o condomínio edilício, nomenclatura usada pelo Código Civil de 2002, institui-se e regula-se pela convenção de condomínio, bem como tem o regramento de condutas dos condôminos. O regimento interno serve para dar ordem à utilização dos bens comuns e a assembleia geral é órgão deliberativo para decisões de qualquer natureza, sendo, inclusive, utilizada para alterar a convenção condominial.

3.2.1 Convenção Condominial

Cumpre saber que o condomínio edilício é decorrente de três atos, sendo eles a instituição, a convenção de condomínio e o regimento interno. Para tanto, a instituição é ato inicial sendo a partir dela o nascimento do condomínio. Já a convenção de condomínio e o regimento interno são advindos de um condomínio já instituído e existente, tendo eles a função de disciplinar a existência e regular o bom funcionamento deste.[100]

Para tanto, segue concepção de Diniz[101] acerca da instituição do condomínio edilício disciplinada pelo Código Civil:

Pelo novo diploma, ter-se-á a instituição do condomínio edilício por ato inter vivos ou causa mortis, registrado no Cartório Imobiliário (Lei n. 6.015/73, art. 167, I n. 17), que contenha: a) a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas umas das outras e das partes comuns; b) a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; e c) o fim a que as unidades se destinam, seja ele residencial e/ou comercial, evitando, com isso, desvio de uso. (grifo do autor).

A legislação 4.591/64[102] em seu artigo 7º tratava a instituição do condomínio de maneira diversa, conforme segue:

Art. 7º O condomínio por unidades autônomas instituir-se-á por ato entre vivos ou por testamento, com inscrição obrigatória no Registro de Imóvel, dêle constando; a individualização de cada unidade, sua identificação e discriminação, bem como a fração ideal sôbre o terreno e partes comuns, atribuída a cada unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade.

Enquanto a instituição da propriedade horizontal se dá de tal forma, a constituição só se dá por meio da convenção condominial, sendo esta a maneira de regular o condomínio trazido pelo Código Civil de 2002[103] nos artigos 1.333 a 1.334, trazendo em seu bojo a disciplina das relações internas condominiais e os direitos e deveres dos condôminos. 

Nesse sentido, Franco e Gondo145 definem que a convenção condominial é:

[...] uma autêntica lei interna da comunidade, destinada a regrar o comportamento não dos condôminos apenas, mas de todas as pessoas que ocupem o edifício, na qualidade de seus sucessores, prepostos, inquilinos, comodatários, etc. Ao traçar as normas de utilização do edifício, nas suas partes privativas e nas de uso comum, a convenção visa resguardar, em proveito de todos, o patrimônio condominial e a moralidade do ambiente, num sistema de normas que, mais rigorosamente do que as de direito de vizinhança, objetivam garantir a todos os ocupantes das unidades autônomas sossego, tranquilidade e segurança.

Ainda, conforme Farias e Rosenvald146, tem-se que após a instituição do condomínio é chegada a hora de disciplinar as relações internas dos condôminos por meio da convenção de condomínio que:

Trata-se de norma interna na qual são estipulados os direitos e deveres recíprocos dos condôminos. Seria uma espécie de constituição privada dos comproprietários, haja vista a sua força cogente, apta a pautar comportamentos individuais reguladores de convivência geral. Pessoas com diversa formação cultural e nível social heterogêneo deverão se submeter a padrões mínimos de civilidade. 

O condomínio edilício encontrou na convenç o condominial “A solução ideal preconizada é, pois, a conciliação da liberdade de iniciativa com a regulamentação legal, a convenção livre dos condôminos, com a determinação de padrões legais mínimos”.147

Consoante isso, asseveram Maluf e Marques148:

As convenções são atos negociais firmados entre particulares que disciplinam condutas de caráter privado, regras que podem ser modificadas pelos condôminos, tendo caráter eminentemente negocial; não disciplinam, nem poderiam disciplinar ou transigir sobre normas de direito indisponível.

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A força da convenção condominial vem interpretada nas palavras de

Rizzardo149 quando descreve que “Al m de car ter contratual, é a convenção um ato normativo, que se impõe a todos quantos ocupam o edifício. Tem força cogente, suprimindo lacunas da lei e atingindo, inclusive, aqueles que penetram esporadicamente no pr dio”.

Seguindo o entendimento de que a convenção do condomínio vai além do caráter contratual Pereira150 aduz: “[...] encontra guarida a convenção do condomínio, como um ato-regra, que se define como a manifestação de vontade dotada de força obrigatória e apta a pautar um comportamento individual”.

Corroborando a interpretação da convenção como ato-regra, Farias e Rosenvald151 entendem que a convenção condominial se constitui um ato-regra, visando alcançar não só os contratantes, mas também os futuros condôminos, conforme segue:

Enfim, a convenção não pode ser vista como um contrato, à medida que a sua força coercitiva ultrapassa as pessoas que assinaram o instrumento de sua constituição. No direito real do condomínio edilício, não prevalece o acordo de partes, mas a sujeição de uma comunidade ao regime próprio instituído pela convenção. 

Ainda nesse sentido, Moran[104] escreve: 

A Convenção de Condomínio [...], é ato-regra, ato constitutivo de um direito estatutário e, portanto, cria normas de conduta para o grupo social constituído pelo condomínio, ditando regras de comportamentos, assegurando direitos e impondo deveres.

E reforça Diniz dizendo que a convenção condominial é ato-regra que visa aplicabilidade não só aos que já integram a comunidade condominial, mas também aqueles que se encontrem na condição de ocupantes. [105]

Ademais, artigo 1.333 do Código Civil traz os requisitos da convenção de condomínio para que ela seja existente e válida, conforme se extrai de Fachin154:

Fixa a lei requisitos mínimos para a existência e validade da constituição, diferenciando a eficácia interna e a oposição erga omnes. Por isso, a convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, imediatamente, cogente, quer de modo direto, para os titulares de direito sobre as unidades, quer de modo reflexo, para quantos sobre elas tenham posse ou detenção. [...] Nada obstante, para ser oponível contra terceiros, a convenção de condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis. (grifo do autor).

Afirmando a necessidade de registro da convenção para que seja oponível contra terceiros, Aghiarian[106] aduz:

[...] Não haverá convenção para terceiros, enquanto não houver sido submetida a registro junto ao RI da situação do imóvel, assim como averbadas as posteriores e eventuais alterações (parágrafo único do artigo. 1.332 do CCB), considerando-se aprovada, tão logo reúna assinaturas de proprietários representantes de mais de 2/3 das frações ideiais, que se quantificam, sendo válido que somente deles reúna, o somatório exigido pela lei. Por outro lado, os condôminos, ou aqueles submetidos a essa condição, não se eximirão das obrigações comuns sob argumento de inexistir registro, ou mesmo convenção. 

Entretanto, mesmo que a convenção de condomínio aprovada não seja registrada, ela será eficaz para regular as relações entre os condôminos, conforme se depreende do enunciado da Súmula n. 260 do STJ.[107] 

Além dos requisitos trazidos pelo artigo 1.333, do Código Civil, o artigo 1.334, do Código Civil traz matérias que serão obrigatoriamente abordadas pela convenção de condomínio, estando elas elencadas nos cinco incisos do artigo, quais sejam: 

[...] a cota proporcional e o modo de pagamento das taxas de condomínio; a forma de administração; a estruturação da Assembléia geral; as sanções que asseguram as regras de convivência e o regimento interno, a ser elaborado na própria convenção ou em instrumento apartado.[108] 

Ademais das cláusulas elencadas poderá ser incluída matéria de interesse das partes, conforme consta no enunciado do artigo 1334 do Código Civil.[109] E conforme se depreende do conhecimento de Farias e Rosenvald159 de que “[...] o conteúdo mínimo para a convenção condominial é apenas a sua fração obrigatória. Aos condôminos é autorizada a inclusão de outras disposições, que exorbitem as previsões do artigo 1.334 do Código Civil”. 

Nesse diapasão, Gomes[110] escreveu:

Seu conte do varia, sendo obrigatória a discriminaç o das partes comuns e privativas, seu destino e o modo de usar as coisas e serviços comuns. A mat ria relativa aos encargos comuns e à arrecadaç o das contribuições tamb m deve constar da regulamentaç o, assim como as normas concernentes à administraç o do condomínio, aos serviços necess rios ao funcionamento do edifício, e aos de- veres dos condôminos. Entre nós tem conte do obrigatório. Pode ser completada por um regimento interno aprovado pela assembleia dos condôminos ou estatuído contratualmente.

Consoante isso,  artuce escreve que “A convenção expressará, ainda, as sanções a que estão sujeitos os condôminos ou os possuidores (art. 1.334, inc. IV, do CC), sem prejuízo de outras sanções já estabelecidas em lei [...]”.[111]

Para tanto, reforça o caráter punitivo da convenção Azevedo162 quando escreve:

As sanções que devem ser aplicadas nesse convívio condominial ganham, também, importância na Convenção, pois ela regulamenta direitos e obrigações que necessitam ser observados. O descumprimento obrigacionais entre os vizinhos condôminos deve ser punido para que possam todos viver em harmonia, nesse espaço coletivo.

Ademais, nesse mesmo sentido, tem-se que é importante pensar que a convenção será vigente para todos, devendo ser pensada para além do tempo de sua elaboração, conforme escreve Carvalho[112]: “É preciso lembrar que a Convenç o deve ser redigida visando não só ao momento presente, mas também ao futuro, a fim de que não viva o condomínio a, com frequência, mudar ou tentar mudar os termos aprovados”.

Conforme o disposto pelo Código Civil a convenção é a norma disciplinadora das relações condominiais, para tanto Pereira[113] interpreta que a convenção: 

[...] cria a normação de conduta para um agrupamento social reduzido, ditando regras de comportamento, assegurando direitos e impondo deveres. No tocante a estes últimos, cumpre notar que o regulamento de um edifício estatui restrições à liberdade de ação de cada um, em benefício da coletividade, e estabelece regras proibitivas e imperativas, a que todos se sujeitam. Daí a necessidade da aprovação por quorum especial, pois não pode existir norma de origem convencional, restritiva de direitos individuais, sem a anuência geral ou para a qual não se imponham condições especiais de votação.

E diante da imposição de regras comportamentais com descrição de deveres, importante referir o que escreve Fachin165 na interpretação do artigo 1.334: 

Deverá a convenção disciplinar o modo por meio do qual serão convocadas as assembleias gerais dos condomínios, além do prazo de tais convocações. Devem estar expressas na convenção as sanções a que estarão sujeitos os condôminos e os possuidores na hipótese de descumprimento das disposições nela contidas. Por certo, é necessária uma adequada disciplina da utilização de áreas comuns, de modo a assegurar a utilização racional pelos condôminos, bem assim da utilização das unidades autônomas segundo as finalidades do edifício, sem prejuízo dos demais cotitulares. Para assegurar o cumprimento dessas regras, tem o condomínio o instrumento da imposição de sanções pecuniárias, que deverão estar expressas na convenção, de modo a permitir sua aplicação. 

Ainda que a convenção condominial seja regra maior no âmbito do condomínio e que a esta cabe criar direitos e deveres aos seus obrigados, importante salientar que deverá sempre observar a legislação, não podendo impor limitações à vida condominial e prejudicar o bem-estar social, sendo o que se depreende de Farias e Rosenvald[114]

Obtempere-se que a convenção condominial não poderá criar restrições indevidas aos condôminos, pois as limitações só se justificam quando correspondem à aplicação do princípio genérico que atende ao bem comum e impede o mau uso da propriedade nas relações de vizinhança, por ofensa à saúde, à segurança e ao sossego dos demais condôminos (art. 1.277 do CC). Ou seja: a convenção condominial é lei interna a ser observada por todos, mas as suas disposições devem guardar um mínimo de bom senso, sob pena de restrição à garantia fundamental do direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF). 

A convenção de condomínio está subordinada a legislação vigente, devendo esta sempre obedecer à função social da propriedade e do contrato, conforme se extrai do parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil.[115] 

Corroborando o exposto, as palavras de Moran se fazem importantes quando trazem que “Cabe à Convenç o de Condomínio dispor supletivamente, revigorando a força vinculante dos deveres impostos pela lei aos condôminos no seio do condomínio”.168

Por fim, a convenção de condomínio é a principal norma reguladora dos prédios, estando, portanto, hierarquicamente acima de qualquer outra, seja o regulamento interno ou as decisões assembleares e até mesmo as resoluções do conselho consultivo. Qualquer outra normatização advinda do condomínio só terá eficácia jurídica se estiver em consonância com a convenção, sendo, então, normas infraconvencionais.[116]

3.2.2 Regimento Interno

Mesmo que o Regimento interno não seja elemento indispensável para a constituição do condomínio em edifícios, é imprescindível a elaboração, aprovação e que ele seja colocado em prática para especificar matérias de organização condominial, conforme se depreende de Fachin[117] “O regimento interno, previsto no inciso V do art. 1.334, traduz a especificação das matérias de organização condominial, poderes e deveres”.

Nas palavras de Franco e Gondo[118] “[...] o regimento interno é, na hierarquia das normas estatutárias do condomínio, um minus em relação à convenção [...]”. (grifo do autor).

O regulamento interno poderá ser instituído na convenção de condomínio como parte de seu texto ou então em momento posterior com a formalidade e quórum estabelecidos na própria convenção, o qual tem o condão de disciplinar a maneira que os condôminos e demais compossuidores utilizarão as áreas comuns e também as unidades autônomas.[119]

Tem-se que o regimento interno não deve se sujeitar à mesma rigidez imposta para alteração de conteúdo que se sujeita a convenção condominial, dispensando-se quórum especial e aplicando somente a maioria simples (salvo disposição contrária expressa na convenção), sendo esse o entendimento dos artigos1.352 e 1.353 do Código Civil. [120]

O Enunciado n. 248 do Conselho de Justiça Federal[121] traz as formalidades e quórum para alteração do regimento interno, conforme se extrai do escrito por Farias e Rosenvald[122]

Encaminha-se o Enunciado n. 248 do Conselho de Justiça Federal: O quórum para alteração do regimento interno do condomínio edilício pode ser livremente fixado na convenção. O mesmo não se verifica na convenção condominial, demandando a sua alteração o quórum de 2/3 dos votos dos condôminos (art.1.351, CC). (grifo do autor).

Consoante entendimento de que o regulamento é um acessório da Convenção Condominial, Diniz[123] aduz:

[...] o regimento interno, que é o conjunto de normas que complementam as disposições da Convenção, minudenciando questões alusivas aos interesses condominiais, p. ex., as sobre responsabilidade civil do condomínio por danos causados pelos condôminos a terceiros (CC, art. 1.334, I a V e § 1º). 

Para tanto, Venosa177 ratifica o entendimento de que o regulamento interno é acessório à convenção quando escreve:

O regimento está para convenção como o regulamento administrativo está para a lei. Deve completar a convenção, regulamentá-la, sem com ela conflitar. Ocorrendo conflito, deve prevalecer a convenção. Trata-se, pois, de instrumento complementar, uma terceira fase do condomínio, sucessivo à instituição e convenção. Ao regulamento é conveniente que se releguem normas disciplinadoras de uso e funcionamento circunstancial do edifício. 

Franco[124] ao mencionar decisão do Juiz de Direito de Guanabara, Dr. José Rodrigues Lema, demonstra que:  

A finalidade dos Regimentos Internos nos edifícios em condomínio é conciliar os interesses em choque dentro dos limites da lei. O Regimento não é instrumento destinado a abusar do direito, como o seria na hipótese de se admitir uma limitação que só prejudica a quem sofre, sem apresentar o mínimo de benefício a qualquer dos condôminos.

Finalmente, tem-se que a matéria abordada no regimento é a de uso normal da propriedade no dia a dia condominial e entende-se como sendo um manual de boas maneiras imposto a todos os proprietários e possuidores do condomínio edilício, os quais devem obedecê-lo para manter uma vida harmoniosa e saudável com a comunidade condominial.179

3.2.3 Assembleia Geral

A assembleia geral de moradores condominiais é de suma importância para a vida condominial, como se depreende do ensinamento de Venosa[125]:

A assembleia dos condôminos representa o poder legislativo do instituto condominial. É órgão deliberativo do condomínio para o qual devem ser convocados todos os condôminos. A falta de convocação geral idônea sujeita a assembleia à nulidade: „A assembleia não poderá deliberar se todos os condôminos não forem convocados para a reunião’ (art. 1.3554). (grifo do autor).

Nesse mesmo rumo,  uggiero escreve que “a assembleia, como órg o deliberante do condomínio, reveste-se de profundo significado jurídico”.[126]

Aduzindo acerca do poder da assembleia condominial Lôbo[127] escreve que:

A assembleia dos condôminos é órgão máximo do condomínio. Algumas matérias são de sua competência exclusiva. Outras a ela chegam em virtude de sua inclusão no ato de convenção. A assembleia é, também, órgão revisor e recursal dos atos da administração do condomínio. O modo de convocação da assembleia é regulado na convenção de condomínio. 

Nas palavras de Penteado, “A Assembleia Geral dos condôminos   órg o consultivo e deliberativo, composto pelos condôminos, a que se equiparam os promiss rios compradores”.[128]

Explicitando quanto à assembleia geral e seu contexto normativo, aduz Avvad[129]:

Órgão da maior importância da administração do condomínio, a assembleia geral estava regida pela Lei nº 4.591, de 1964, nos arts. 24 a 27. Nesse aspecto o condomínio foi e continua sendo tratado, na lei, como se fosse uma sociedade de patrimônio, em que os sócios decidem, em assembleias, como gerir seus interesses comuns. As assembleias podem ser ordinárias e extraordinárias.

Diante da mudança da legislação que geria os condomínios, Avvad[130] explicita as formalidades e demonstra que a assembleia é o órgão responsável pela alteração da convenção condominial e do regimento interno:

O Novo Código tratou das assembleias, praticamente, do mesmo modo que se achava na lei revogada, mas fê-lo dentro do capítulo dedicado à administração, sendo que o art. 1.350 e seus §§ 1º e 2º cuidaram da convocação e competência da assembleia geral ordinária, forma de convocação e o suprimento judicial em caso de omissão. Os demais artigos que cuidam da matéria, que são os arts. 1.351 a 1.355, estabelecem a forma de contagem dos votos e o quórum exigido pra algumas questões submetidas à votação. Dentre essas, o art. 1.351 fixa em 2/3 dos votos dos condôminos o quórum para alteração dos atos constitutivos do condomínio e do regimento interno e de unanimidade para a mudança da destinação do edifício e, até mesmo, de uma simples unidade imobiliária. (grifo do autor).

A assembleia ordinária ocorre uma vez por ano obrigatoriamente para que sejam expostas questões referentes às contas do condomínio e demais deliberações importantes, conforme se extrai de Aghiarian[131]:

A cada ano será convocada a assembleia geral ordinária dos condôminos, pelo síndico segundo o procedimento disposto na convenção como prevê o artigo 1.350 e parágrafos do CCB, ou na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno. Se o síndico não convocar a assembleia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo ou ainda, por fim, qualquer um, se a assembleia não se reunir, mediante provocação e decisão de juiz de direito.

Confirmando a obrigatoriedade e as formalidades impostas à assembleia geral ordinária, Pereira[132] Aduz:

A Assembleia-Geral Ordinária reúne-se, anualmente, na forma, no lugar e na oportunidade prevista na Convenção, mas não pode deixar de se reunir porque a lei o determina. Não pode haver um condomínio sem Assembleia-Geral, e não é lícito à Convenção dispensá-la. É obrigatória.

Portanto, a assembleia geral ordinária anual tem de ser realizada obrigatoriamente, não podendo haver cláusulas que a dispensem na convenção condominial e, ainda, a omissão do síndico em não convocá-la caracteriza descumprimento de dever legal, tendo em vista a necessidade de serem apresentadas anualmente a prestação de contas e os orçamentos referentes às despesas condominiais.[133]

Já quanto às assembleias extraordinárias, demonstra Avvad189, que estas têm maior escopo para deliberação:

As assembleias extraordinárias serão convocadas pelo síndico, pelo Conselho ou pelos condôminos que representem um quarto, no mínimo, do condomínio, sempre que houver interesse, cuja competência é a mais ampla, desde que o assunto conste expressamente do edital de convocação. 

Ademais, nas palavras de Scavone Jr.[134]:

As assembleias também podem ser extraordinárias (Código Civil, art. 1.355), destinadas a deliberar sobre assuntos de interesse dos condôminos, como, por exemplo, a realização de obras, a necessária aprovação da contratação de uma administradora para auxiliar o síndico (Código Civil, art. 1.348, § 2º), a aplicação de multa a condômino que descumpre reiteradamente seus deveres (Código Civil, art. 1.337) etc.

Ainda, na assembleia extraordinária pode ser discutido qualquer assunto mesmo que não conste na ordem do dia e pode ser proposta por qualquer condômino, desde que reconhecida a urgência da matéria a ser deliberada e, diante da necessidade de discussão a respeito da temática, é possível a dispensa das formalidades em favor do interesse da comunidade condominial podendo, inclusive, ser tomadas todas as medidas cabíveis na defesa do patrimônio coletivo.[135]

Sendo assim, a assembleia geral extraordinária será reunida sempre que houver necessidade e conveniência.192

Usa-se com frequência a express o de que a “Assembleia   soberana”, porém esta só será soberana quando obedece as formalidades da legislação, respeita o direito dos condôminos e atinge apenas os limites que lhe são competentes.193

Visando a organização condominial, Franco194 demonstra que:

Para serem válidas, as deliberações têm de ajustar-se às normas internas e à lei comum. Destinadas como são a regular a convivência dos habitantes do edifício, as normas internas do condomínio, nelas incluída a Convenção, devem balizar-se na legislação comum e no objetivo de resguardar os direitos e deveres dos condôminos.

Como forma de regramento da vida condominial, Fachin195 traz o exemplo de que a assembleia é competente para deliberar acerca de deveres dos condôminos, mesmo que não conste a sanção da conduta disforme na convenção, conforme se extrai:

A aplicação da multa, não prevista na convenção, a condômino que causa perturbação ao sossego ou à segurança dos demais, conforme dispõe o art. 1.336, deve ser decidida em assembleia, por dois terços dos condôminos: trata-se de outro exemplo em que se pode fazer necessária a convocação de assembleia extraordinária, uma vez que não seria razoável impor aos prejudicados pela conduta irregular de um dos condôminos que tolerassem os danos ou perturbações até o momento em que se prevê a realização de assembleia ordinária. 

Enfim, a assembleia geral é o órgão deliberativo hierarquicamente superior instituído na propriedade horizontal que possui poder de comando organizacional [136] e “O resultado da assembleia, em tese, vincula a todos, mesmo os que não compareceram e votaram”197, sendo necessário a redação de atas registrando todas as decisões tomadas, devendo ser dada ciência destas a todos os que se fizeram presentes ou não na reunião, no prazo de até oito dias posterior a data de realização, conforme estabelecido pela Lei 4.591/64, ou em prazo fixado pela convenção condominial, formalidade necessária para validar a reunião assemblear.[137]

3.2.4 Direito de Vizinhança: o uso nocivo da propriedade condominial diante da falta de obediência aos deveres dos condôminos

Na propriedade horizontal se pode usar, fruir e gozar das unidades autônomas, porque se tem direito privado sobre elas. Entretanto, em razão da especialidade do condomínio em edifícios, se fazem mais imperiosas as regras gerais de convivência estabelecidas nas convenções condominiais e nos regimentos internos em obediência direta ao direito de vizinhança.[138]

Para tanto, iniciando o conteúdo do direito de vizinhança são imprescindíveis as palavras de Pontes de Miranda200:

Sempre que o exercício do direito de propriedade do imóvel se contacta com o exercício do direito de outrem, chocando-se com êsse, e pois – regularmente – podendo ser proibida a incursão por aquêle, nasce aos legisladores o problema de técnica jurídica consistente em se ajustarem os interesses. A solução há de ser meio no sentido de se limitarem, por um lado, a faculdade de exercício (núcleo positivo da propriedade) e, por outro, a de exclusão (núcleo negativo). Daí nascem direitos e deveres de vizinhança. 

Nesse sentido, imperante os ensinamentos de Farias e Rosenvald[139]:

Nos direitos de vizinhança a norma jurídica limita a extensão das faculdades de usar, gozar por parte dos proprietários e possuidores de prédios vizinhos, impondo-lhes um sacrifício que precisa ser suportado para que a convivência social seja possível e para que a propriedade de cada um seja respeitada. Cada proprietário compensa seu sacrifício com a vantagem que lhe advém do correspondente sacrifício do vizinho. Se assim não fosse, se os proprietários pudessem invocar reciprocamente o seu direito absoluto, na colisão de direitos todos estariam impossibilitados de exercer suas faculdades, pois as propriedades aniquilar-se-iam. Aplica-se a máxima: Nosso direito ai até onde começa o de nosso semelhante. (grifo do autor).

Nas palavras de Moran[140] se tem a relação do direito de vizinhança com a propriedade horizontal, diante da proximidade que as unidades privadas possuem:

O condomínio, forma especial de direito real de propriedade, em que se justapõe a propriedade exclusiva sobre as unidades autônomas e a co-propriedade sobre as partes comuns e sobre o terreno, em razão das estreitas relações de vizinhança e da proximidade da convivência, com maior razão exige imposição de limites e restrições aos direitos de seus condôminos. 

E nesse caminho se tem o descumprimento de deveres condominiais como cotidiano da propriedade horizontal, sendo, por essa razão, necessário a imposição de multas e sanções para aqueles que não sabem viver em sociedade, principalmente na comunidade condominial, onde se tem contiguidade e larga convivência. Com isso, mister o que assevera Soares[141] ao abordar os deveres dos condôminos no Código Civil:

Em razão dos condôminos descumpridores de seus deveres houve a necessidade de imposição de sanções, a fim de evitar tais condutas inadequadas. Com o advento do Código Civil de 2002 (BRASIL2002) foram instituídos quatro tipos de penalidades no âmbito do condomínio: Multa por atraso no pagamento das cotas condominiais, multa por descumprimento dos deveres condominiais, multa por descumprimento reiterado dos deveres condominiais e multa por reiterado comportamento antissocial. 

Consoante o que se extrai da legislação vigente, bem como do Código Civil de 1916, o qual Moran[142] usou para elaborar estudos acerca dos direitos vicinais em condomínio se aduz que:

[...] as causas geradoras de conflitos no condomínio em edifícios, em virtude do uso nocivo, incômodo, danoso, imoral, insalubre, perigoso e proibido pela lei e pelos estatutos do condomínio, as quais, para efeito de estudo, agrupamos da seguinte forma: a) – construções e modificações da coisa comum (alterações de fachada, supraelevação, uso exclusivo de área comum); b) – alteração da destinação do imóvel (manutenção de prostíbulo, visita de pessoa de outro sexo, exercício de atividade profissional em imóvel residencial, república de estudantes, etc.); c) – uso nocivo propriamente dito, (ruídos, exalações, interferências, imissões anormais, guarda de animais, infiltrações de águas, falta de higiene); d) – inadimplência.

Para tanto, segue artigo que elenca os deveres dos condôminos no Código Civil de 2002[143]:

Art. 1.336. São deveres do condômino:

- contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;

(Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)

- não realizar obras que comprometam a segurança da edificação; III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;

IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

§ 1o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito. § 2o O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembléia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.

Outrossim, salientam-se os comentários de Fachin[144] acerca dos direitos e deveres dos condôminos:

[...] é facultada ao condômino a utilização do bem conforme lhe aprouver, respeitados os limites que não tornem tal uso nocivo. É evidente, porém, que o uso deve, em uma dimensão mais ampla, que extrapola os limites da situação condominial, atender à função social da propriedade, princípio constitucional inafastável, que impõe o reconhecimento de que a propriedade não tem caráter absoluto e exclusivamente individual.

Ademais, o artigo 1.335 do Código Civil de 2002[145] traz em si os direitos dos condôminos no condomínio edilício, tais direitos são adaptados à especialidade do direito de propriedade nessa modalidade de convivência social. E o artigo 1.336 do Código Civil descreve os deveres dos condôminos, os quais impõe tais condutas como ponto fulcral para se conviver bem na comunidade condominial.208 Nesse sentido, Fachin[146] ensina:

Em rigor, independentemente da feição definidora dos direitos e deveres de vizinhança, radicam todos os seus aspectos exteriores em natureza jurídica ambivalente, adequada para conjugar faculdades (como utilizar bens) e obrigações (relações jurídicas que recaem sobre comportamentos, ações ou abstenções).

Para o descumprimento dos deveres elencados no artigo 1.336 do Código Civil há imposição de multas, conforme se extrai do escrito por Penteado[147]:

Para o descumprimento destes diferentes deveres, existem sanções previstas na lei civil. A primeira delas é a sanção pelo atraso no pagamento das prestações do condomínio (CC 1.336 § 1.º). Não pagando pontualmente as prestações que lhe incumbem como dever de cumprimento mensal, está sujeito a juros de mora e a multa de até dois por cento do valor. Esta multa foi reduzida pela nova legislação.

Em continuidade aos deveres inerentes aos condôminos, Coelho[148] escreveu que:

o segundo dever do condômino   o de “n o realizar obras que comprometam a segurança da edificaç o”  cc, art. 1.336, ii . No inte- rior da unidade autônoma, o condômino pode fazer toda e qualquer alteraç o que desejar, desde que n o interfira com a segurança do pr dio. se o condômino quer derrubar a parede que divide dois cômodos, para uni-los, pode fazer a obra sem precisar de autorizaç o do condo mínio; mas estar  impedido de derrubar toda a parede se nela houver, por exemplo, uma coluna de sustentaç o do edifício.

Ademais, acerca do terceiro dever imposto na ordem condominial, demonstra Fachin[149]:

Também é vedada, pelo inciso III, a alteração das áreas comuns por iniciativa individual do condômino. Entre as áreas comuns, incluemse fachadas, esquadrias externas, áreas de trânsito de pessoas no interior do edifício, dentro outras. Por isso, não pode o condômino alterar a forma e a dos da fachada e das partes e esquadrias externas. O poder de disposição sobre essas áreas não é individual, havendo poder análogo ou simultâneo de todos os demais condôminos. Por conseguinte, qualquer modificação deve ser realizada de forma compatível com a situação de indivisão, ou seja, com a anuência dos demais condôminos, nos termos previstos pela convenção. 

Quanto ao inciso IV, primeira parte, do Código Civil em vigor, tem-se a vedação da alteração da finalidade da unidade autônoma, Rizzardo[150] escreve que:

Procura-se, com esta vedação, evitar a alteração da finalidade específica do condomínio. É que o movimento de entrada e saída dos clientes provoca desassossego dos moradores, além da utilização constante dos elevadores e demais equipamentos comuns, com possíveis prejuízos.

Ainda quanto aos deveres dos condôminos na propriedade horizontal, mais especificamente quanto à segunda parte do inciso IV do art. 1.336 do Código Civil, sabe-se que, embora haja direitos, existem muitas obrigações, como as de observar as regras viciais para evitar conflitos. E nesse sentido, ao condômino é vedado o uso, da unidade autônoma e das partes comuns, com o fim de prejudicar a segurança, saúde e sossego dos demais condôminos, sempre em nome dos bons costumes.[151]

Conquanto, Andrade215:

A nova legislação normatizadora das relações condominiais edilícias estabelece em seu art. 1.336, §2º, para aquele condômino que descumprir quaisquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV de seu caput, o pagamento de multa prevista no ato constitutivo ou na convenção de condomínio, de até cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente de perdas e danos que se apurarem e, no caso de não haver disposição expressa, compete à Assembleia-Geral, por dois terços dos condôminos restantes (por evidente excluído o infrator), deliberar sobre a cobrança da multa. 

O artigo 1.337 do Código Civil[152] traz em seu bojo o disposto acerca da multa em caso de reiterado descumprimento dos deveres impostos no artigo 1.336 do Código Civil:

Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

E, ainda, conforme assevera Rizzardo217 quando descreve o que consta no parágrafo único do artigo 1.337 do Código vigente:

O Código Civil em vigor assinala punições para quem não se portar devidamente, o que faz no art. 1.337, em seu par grafo  nico: “O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberaç o da assembleia”. 

Portanto o Código civil impõe deveres ao condômino, e este além de atender ao disposto na legislação 

[...] é obrigado a obedecer à convenção e ao regulamento. A transgressão deve sujeitá-lo ao pagamento de multa ou outra penalidade cuja forma de imposição e fixação deve decorrer da convenção ou mais apropriadamente do regimento interno.[153]

Em caso de descumprimento dos deveres estabelecidos pela lei, a própria impõe algumas multas, conforme aduz Coelho[154]:

No caso de descumprimento de qualquer dos outros deveres  como o uso indevido da unidade, perturbaç o do sossego etc. , o condômino fica sujeito ao pagamento da multa prevista na convenç o. o limite da lei para a sanç o, nesse caso,   de 5 vezes o valor da contribuiç o condominial mensal. se for omissa a convenç o, cabe à assembleia deliberar a pena a ser imposta, pelo voto de dois terços dos condôminos restantes  cc, art. 1.336,    o .

Enfim, nas palavras de Meirelles[155]:

Como se vê, as restrições específicas da vizinhança de unidades autônomas colimam três objetivos distintos, a saber: a manutenção da estrutura e do aspecto originais do edifício; a preservação da finalidade institucional do prédio, a segurança da edificação e de seus ocupantes, assim como o bem-estar dos condôminos; a livre utilização das áreas e equipamentos comuns.

O descumprimento desses deveres representa o pagamento de multas cominadas na própria codificação, na convenção de condomínio e no regimento interno e ainda repercute diretamente no uso nocivo da propriedade, sendo aplicáveis as regras de direito de vizinhança, conforme se pode retirar do ensinado por Fachin221:

[...] as regras de direito de vizinhança aplicáveis ao condomínio edilício incidem com maior intensidade nessa situação jurídica, em virtude da maior proximidade entre os vizinhos, o que amplia as possibilidade de repercussão nociva da utilização do bem de titularidade individual. 

E ainda com o entendimento de que na propriedade horizontal os direitos vicinais se fazem ainda mais presentes e são de suma importância, tendo em vista que o condomínio edilício é composto por diversas unidades autônomas, todas muito próximas, portanto, indispensável o escrito por Alves[156] sobre o condomínio em edifícios:

Há entre eles contigüidade, tendo-se em conta os lados, o acima e o abaixo, enquanto a proximidade quanto aos não-contíguos se mostra mais estreita do que a relativa aos vizinhos não-comunheiros. Por causa disso, ocorrem a todo momento fatos ensejadores de possíveis conflitos vicinais, com maior incidência do que no vicinato comum.

O direito de vizinhança no condomínio edilício se faz mais indispensável, uma vez que é uma forma de restrição ao direito de propriedade, pois, em razão da proximidade de convivência da comunidade condominial, há a necessidade de manter o bem estar social. Nesse sentido, Diniz[157] assevera: 

Há restrições à propriedade que surgem ante a necessidade de conciliar o seu exercício por parte de proprietários confinantes, pois a vizinhança, por si só, pode dar origem a conflitos, e nela deve imperar não só a solidariedade e a boa-fé entre vizinhos, mas também o exercício da propriedade, atendendo à função social. 

Nesse caminho, imperante se faz o ensinamento de Farias e Rosenvald quando escrevem que “[...] o direito de vizinhança tem o seu cerne vinculado ao mau uso da propriedade, pela mensuração de condutas de proprietários e possuidores que excedem o razo vel e prejudicam a segurança, sossego e sa de de vizinhos”.224

Para tanto, tem-se, conforme  izzardo, que “[...] é imperiosa a necessidade de atendimento das regras dos direitos de vizinhança, sob pena de se tornar insuport vel a vida em comum”.[158]

Importante mensurar aqui que o direito vicinal atinge os conflitos existentes entre as unidades autônomas, sendo que as desavenças ocorridas em razão das dependências de uso comum são resolvidas com base nas regras condominiais, sendo elas a convenção, regimento ou até ata assemblear. Nesse sentido, assevera Dantas Jr.[159]

[...] o conflito que surge entre condôminos em propriedade horizontal, acerca da utilização das dependências comuns, são as regras estabelecidas para o condomínio. Mas os conflitos entre esses mesmo condôminos, quando referentes ao mau uso de cada uma das unidades autônomas, com repercussão nas outras, já se configura nitidamente como sendo conflito de vizinhança;

Para determinar quando acontece o conflito de vizinhança, importante o ensinamento de Dantas227 acerca da temática:

Para que haja „conflito de vizinhança‟, é sempre necessário que um ato praticado pelo possuidor de um prédio, ou o estado de coisas por ele mantido, vá exercer os seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel ou incômodos ao seu morador. Essa „interferência‟, essa repercussão in alieno, é o elemento fundamental do conflito. (grifo do autor).

Quanto ao que desencadeia fatores jurídicos relativos ao direito de vizinhança, Penteado228 aduz:

Em sentido subjetivo, os direitos de vizinhança consistem no complexo de situações jurídicas ativas e passivas desencadeadas a partir de dois fatores elementares: a) a titularidade de uma situação jurídica de direito das coisas (posse ou direito real, excepcionalemte a detenção) e b) a contactação jurídica que surge em vista do exercídio de faculdades sobre o imóvel de que se tem a titulação, a qual pode provocar reverberações em outro imóvel. 

Dando seguimento aos direito vicinais, Daibert citado por Diniz, descreve o direito de vizinhança como sendo as “[...] limitações impostas por normas jurídicas a propriedades individuais com o escopo de conciliar interesses de proprietários vizinhos, reduzindo os poderes inerentes ao domínio e de modo a regular a convivência social”.[160]

Nesse interim para Monteiro230 no livro atualizado por Maluf:

Os direitos de vizinhança constituem limitações impostas pela boa convivência social, que se inspira na lealdade e na boa-f . A propriedade deve ser usada de tal maneira que torne possível a coexistência social.  e assim n o se procedesse, se os propriet rios pudessem invocar uns contra os outros seu direito absoluto e ilimi- tado, n o poderiam praticar qualquer direito, pois as propriedades se aniquilariam no entrechoque de suas v rias faculdades.

Diante dos direitos vicinais, mais especificamente quanto ao uso nocivo da propriedade, Avvad[161] traz a normatização no Código Civil:

O Código Civil dispõe em seu art. 1.277. ‘O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha’. Importante inovação foi introduzida nesse artigo porquanto a lei passou a conceder ao vizinho o direito de impedir o uso anormal da propriedade vizinha, como tal consideradas quaisquer interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e saúde aos que habitam o prédio paciente, quando provocadas pela simples utilização da propriedade vizinha. (grifo do autor).

Quanto aos direitos de vizinhança no condomínio edilício, especificamente ao mau uso da propriedade em descumprimento aos deveres impostos aos condôminos, necessária a disposição do escrito por Alves[162]:

O mau uso da propriedade no condomínio edilício exterioriza-se no que prejudica a saúde, o sossego e a segurança pessoal dos comunheiros, no que viola a segurança material do prédio, no que prejudica a arquitetura e o estilo do edifício e no que afronta a unidade senhorial, estética e de destino no prédio de apartamentos. 

Nesse mesmo sentido, Bevilaqua[163], mesmo com base na legislação vigente à época, Código Civil de 1916, explicita situações decorrentes  do uso anormal ou  nocivo da propriedade elencando algumas possibilidades fáticas:

O nosso Codigo Civil distribue em três classes bem compreensivas os prejuízos decorrentes do mau uso da propriedade: a) offensas à segurança pessoal ou dos bens, como, por exemplo, se o prédio visinho ameaça ruina ou de sua expliração vêm cahir estilhaços destruindo plantações ou animaes, trepidações damnosas etc.

b)Offensas ao socego. Ruidos excessivamente incommodos, gritarias, deshoras, diversões espalhafatosas e outros actos semelhantes, emissões de fumaça ou fuligem. c) Offensas á saúde, como emanação de gazes tóxicos, poluição de aguas, estábulos. Em uma frase: tudo que possa prejudicar a segurança, o socego e a saúde dos visinhos, segundo a formula do nosso Codigo Civil, constitue uso nocivo da propriedade, e autoriza o proprietário ou morador do prédio a pedir que cesse o damno ou seja reparado se já foi produzido. (grifo do autor).

Com efeito, diante das situações de uso anormal da propriedade, inafastável o que compreende Fachin[164] acerca do tema:

É Relevante para a compreensão do uso anormal da propriedade observar a característica fundamental do titular de direito em dispor da coisa (especialmente o da propriedade imobiliária privada), não mais de modo absoluto, como quiser; é a vontade do proprietário, nada obstante, que determina decisivamente o estado de fato e de direito da propriedade. Pela inércia ou ação dessa titularidade responde o proprietário, conforme a repercussão de uma ou de outra. No regime da propriedade privada o seu titular é responsável pelas atividades da esfera de seu direito, bem como pelos atos que se propagam para outros objetos de apropriação. São esferas jurídicas patrimoniais que restam postas em relevo, sob o pálio das garantias e direitos assegurados.

Percebe-se, então, que a razão mediata do direito vicinal é o interesse social, para que a propriedade seja plenamente utilizada sem repercutir nos interesses privados, os quais estão sendo imediatamente atendidos por tal direito, cumprindo, assim, a função social da propriedade.[165]

Explicitando acerca dos direitos de vizinhança relacionando com a função social da propriedade, Farias e Rosenvald[166] ensinam:

Objeto da tutela imediata do legislador com os direitos de vizinhança são os interesses privados dos vizinhos. Todavia, a finalidade mediata da norma é a fundamental alimentação do princípio da função social da propriedade, eis que a preservação da harmonia entre vizinhos, permite que cada propriedade seja objeto do mais amplo uso e fruição, podendo assim alcançar os seus objetivos econômicos ao mesmo tempo em que preserva interesses sociais. 

Corroborando o ensinado, Fachin[167], ao citar jurisprudência, demonstra a função social também é usada no direito de vizinhança para avaliar as relações:

No campo das relações de vizinhança, submetidos ao art. 1.277, conjugam-se a função social da propriedade com o equilíbrio na apreciação das eventuais ofensas aos vizinhos. Resta abalizado na jurisprudência que a propriedade, no Brasil, está subordinada à sua função social (art. 5º, XXIII, da Constituição da República), e que uma das importantes limitações legais da propriedade está na vedação ao uso que possa causar dano ao sossego, à segurança ou à saúde dos vizinhos (TAMG, AC 029834646-4, 2ª Câm. Cív., Rel. Juiz Cartano Levi Lopes. J. 8-2-2000). 

Para tanto, o direito de vizinhança é aplicável quando se tem o mau uso da propriedade, porém é muito difícil mensurar em que ponto se encontra o uso normal e o uso anormal da propriedade privada, sendo isso um desafio ao operador do direito, conforme se extrai de Monteiro[168] atualizado por Maluf:

A grande dificuldade para o aplicador da lei reside no estabelecimento da linha divisória entre uso regular e irregular, dificuldade que ainda mais se agrava com as condições subjetivas dos habitantes do pr dio, uns mais sensíveis e intransigentes, outros mais cordatos e tolerantes.

O direito de vizinhança só se encontra quando se tem dois ou mais direitos conflitantes e nesse sentido importante o que assevera Gomes quando ensinou que “É o interesse social de harmonizar interesses particulares dos proprietários vizinhos que justifica as normas restritas do exercício do direito de propriedade”. [169]

E, diante disso, a propriedade deve ser usada dentro da normalidade da vida em comunidade, pois “[...] a anormalidade em tema de relações de vizinhança não diz respeito apenas ao exercício do direito de propriedade, mas, também, às consequências do uso, ao prejuízo ou ao incômodo que o proprietário possa causar ao vizinho”.[170]

A propriedade não deve ser usava de modo nocivo. A convivência em sociedade limita o direito individual para que prevaleça o interesse comum. Uma vez que o desrespeito aos vizinhos e ao direito de vizinhança tem causado mau uso da propriedade e este ultrapassa as limitações toleráveis para uma boa convivência em comunidade, podendo o lesado buscar a via judicial para fazer cessar os atos lesivos ao convívio social.241

Ademais, no artigo referente ao uso anormal da propriedade (artigo 1.277 do Código Civil) se tem um rol taxativo de que as violações não podem afetar além da saúde, da segurança e do sossego, se assim ocorrer, estar-se-á além de um conflito de vizinhança.242 Para tanto, Pereira[171] acrescenta que:

O Código Civil de 2002 não minudencia os casos de uso anormal da propriedade, mas fornece alguns elementos balizadores para a sua aferição: a natureza da utilização, a localização do prédio, o atendimento às normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança (art. 1.277, parágrafo único).

Em continuidade, Penteado comenta que “Na mat ria de vizinhança, a norma relaciona os valores de segurança, sossego e saúde dos habitantes de um imóvel como referência metajurídica, que serve de instância para controle e verificação da prejudicialidade da interferência”.244

Os três “ s” “[...] são direitos de personalidade inerentes a qualquer ser humano, e não apenas a vizinhos”245. Portanto, para reforçar o disposto do artigo referente ao uso nocivo da propriedade que protege a tríade saúde, segurança e sossego, tem-se o enunciado n. 319 da IV Jornada de Direito Civil: “A conduç o e a solução das causas envolvendo conflitos de vizinhança devem guardar estreita sintonia com os princípios constitucionais da intimidade, da inviolabilidade da vida privada e da proteç o ao meio ambiente”.[172] 

Nessa esteira, tem-se que o mencionado artigo do Código Civil de 2002 foi além do artigo 554 que se referia à matéria no Código Civil de 1916 quando se refere que se pode fazer cessar as interferências que prejudiquem a tríade saúde, sossego e segurança. Tais interferências foram conceituados por Dantas[173], conforme se extrai:

A expressão interferência abrange, pela sua plenitude, duas espécies de fato que a doutrina longo tempo hesitou em reunir no tratamento das questões de vizinhança; as imissões e as simples repercussões, in alieno, de um fato verificado no nosso imóvel.

E essas perturbações que prejudicam saúde, sossego e segurança estão conceituados e exemplificados nas palavras de Farias e Rosenvald248:

O art. 1.277 do Código Civil colaciona conceitos jurídicos indeterminados, objetivando o preservar o morado e o prédio nos seguintes valores: a) segurança: atos que possam comprometer a solidez e a estabilidade material do prédio e a incolumidade pessoal de seus moradores. Deve ser afastado qualquer perigo pessoal ou patrimonial. v.g., instalação de indústria de inflamáveis e explosivos; b) sossego: no estágio atual da sociedade pós-moderna é bem jurídico inestimável, componente dos direitos de personalidade, intrinsecamente conectado ao direito à privacidade. Não pode ser conceituado como a completa ausência de ruídos, mas a possibilidade de afastar ruídos excessivos que comprometam a incolumidade da pessoa. É o direito dos moradores a um estado de relativa tranquilidade, na qual bailes, algazarras, animais e vibrações intensas provenientes acarretam enorme desgaste a paz do ser humano. [...] c) saúde: concerne ao estado da pessoa cujas funções biológicas estão normais. A salubridade física ou psíquica pode ser afetada por moléstia à integridade de vizinhos, mediante agentes físicos, químicos e biológicos, como na emissão de gases tóxicos, poluição de águas e matadouros. Não é raro que as reiteradas ofensas ao sossego impliquem atentado à saúde física e psíquica da pessoa. (grifo do autor).

Para aumentar a esteira de exemplos acerca das interferências no âmbito da segurança referida no artigo 1.277 do código Civil, faz-se indispensável o escrito por Meirelles[174]:

A ofensa à segurança tanto pode se dar por ação como por omissão do vizinho. O essencial é que o ato ou inatividade produza um dano efetivo ou crie uma situação de perigo para o prédio vizinho ou para a integridade de seus habitantes, ou frequentadores. Nesta categoria entram todos os trabalhos que produzem dano na estrutura do prédio, abalo no solo, infiltrações daninhas, trepidações perigosas, explosões violentas, movimentos de terram emanações venenosas ou alergênicas, e o que mais possa prejudicar fisicamente o prédio ou seus moradores. Até mesmo a conduta inconveniente do vizinho, que promove ajuntamento de malfeitores, reuniões de ébrios, congestionamento de trânsito e quaisquer outras situações potencialmente comprometedoras da segurança do bairro, é reprimível por via judicial, uma vez que caracteriza o uso anormal da propriedade. 

Outrossim, há interferências ao sossego no condomínio edilício e nesse sentido aduz Alves “[...] é caso de uso nocivo da propriedade, pela perturbação do sossego, arrastar calçados e móveis, na unidade autônoma, de modo prejudicial ao vizinho, ou, ainda, buzinar para chamar o síndico à noite”.250

Ainda quanto às interferências no âmbito do sossego, tem-se como exemplo o badalar de sinos nas igrejas, as algazarras resultantes de bailes, barulhos produzidos por animais dos vizinhos, sendo que tais incômodos causam desassossego na vizinhança, fazendo com que sejam reguladas normas com exigência de silêncio, pois os ruídos são considerados altamente prejudiciais à população.[175]

Entretanto, “O sossego n o   perturb vel apenas pelo som.  amb m o   pela luz, pelo cheiro, por apreensões e choques psíquicos, ou outros motivos de inquietaç o”, assevera Pontes de Miranda252.

Outrossim, quanto às interferências na ceara da saúde, Meirelles[176] continua:

Em defesa da saúde dos proprietários, moradores, frequentadores dos prédios urbanos e rurais, podem ser tolhidas todas as atividades ou emissões de vizinhança que lesem ou ponham em risco o bemestar físico ou psíquico das pessoas sujeitas aos seus efeitos. Não se conhece discriminação legal no que constitua ofensa à saúde, uma vez que esta pode ser comprometida por agentes físicos, químicos, biológicos e até mesmo por fatos psicológicos de desassossego ou inquietação aos vizinhos. Tanto ofende a saúde do vizinho que mantém em seu quintal água empoçada propiciadora da proliferação de pernilongos, como o que produz em sua oficina ruídos enervantes, ou emanações tóxicas, corrosivas ou malcheirosas.

Em consonância com o rol exemplificativo de situações de interferência elencadas no artigo 1.277 do Código Civil, entretanto em referência à situações condominiais, Alves ao escrever que “A falta de higiene e limpeza na unidade autônoma pode igualmente configurar hipótese de uso nocivo da propriedade à saúde dos vizinhos comunheiros, como também pode atingir perniciosamente a tranquilidade deles o estender de roupas na fachada frontal do edifício”.[177]

Contudo, nas palavras de Avvad[178], “Desimporta, portanto, saber se os atos que causam as interferências sejam provenientes de uso anormal ou regular: basta que provoquem o resultado nocivo para que surja o direito do vizinho de fazer cessar”.

Por fim, entende-se que o direito de vizinhança é largamente utilizado no condomínio edilício em razão da proximidade das unidades autônomas, mesmo que o condômino tenha a liberdade de pactuar acerca da administração da vida em sociedade, aos quais a si próprios atribuem-se prerrogativas para definir infrações e as penalidades para estas, por meio da convenção, regimento e assembleias gerais.[179]

Sobre a autora
Tatiana Lima da Silva

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

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