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A imunidade parlamentar formal:

uma análise crítica da Emenda Constitucional nº 35

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Agenda 19/08/2005 às 00:00

5 A DESNECESSIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 35

Muito embora classificada doutrinariamente como super-rígida [03], a Constituição Federal de 1988 já sofreu 50 (cinqüenta) modificações durante o seu exíguo período de vigência: 44 (quarenta e quatro) emendas constitucionais e 06 (seis) emendas constitucionais de revisão.

Em função de situações passageiras, clamores públicos insignificantes e localizados ou até mesmo interesses escusos o texto constitucional tem sido freqüentemente alterado. Estamos vivenciando uma era em que a simples modificação literal da Lei Maior é exposta como a solução de graves problemas que contaminam a sociedade, sem que juntamente com ela sejam implementadas políticas públicas efetivas em busca da solução.

No caso específico da imunidade parlamentar, a Emenda Constitucional n.º 35/2001 foi promulgada em função da impunidade generalizada dos membros do Poder Legislativo então vivenciada. Como relatado na parte introdutória, vários eram os parlamentares que estavam impunes por causa da proteção que lhes conferiam a imunidade parlamentar aliada a falta de comprometimento ético e moral dos demais membros das Casas Legislativas, que estavam deliberando sobre os pedidos de licença formulados de forma parcial e corporativista. Não podemos esquecer, também, que muitos pedidos de licença, pelos mesmos motivos, sequer eram postos em deliberação, contribuindo mais ainda para a impunidade.

Não é o objetivo deste trabalho analisar qual o melhor sistema de imunidade parlamentar – se aquele previsto na redação original da Constituição Federal de 1988 ou o instituído pela Emenda Constitucional n.º 35/2004 [04] -, uma vez que ambos, havendo um comprometimento ético e uma atuação isenta de interesses escusos, podem conferir a proteção desejada e esperada ao Poder Legislativo e seus membros. Entretanto, entendemos desnecessária a Emenda Constitucional n.º 35/2001, uma vez que se os parlamentares não tivessem desvirtuado o instituto, dando-lhe uma interpretação equivocada, e houvessem deliberado de forma isenta e imparcial sobre os pedidos de licença, os objetivos da imunidade parlamentar teriam sido alcançados mesmo sob a égide do texto original da Constituição.

Ademais, ao invés de lutarem por uma maior conscientização dos seus pares em busca de uma atuação mais proba, imparcial, isenta e sem interesses escusos e comportamentos corporativistas, nossos parlamentares preferiram mudar o texto constitucional, como se isso resolvesse todo o problema vivenciado.

Bastaria apenas o empenho e a participação demonstrada quando da votação da Emenda Constitucional n.º 35/2001 no momento das deliberações sobre os pedidos de licença. Outrossim, como isso infelizmente não estava mais sendo possível, poderia ter sido implementada regra semelhante àquela adotada anteriormente para as medidas provisórias [05], qual seja, a fixação de prazo para deliberação com a inclusão na Ordem do Dia e o trancamento da pauta da casa até que fosse apreciado o pedido de licença.

Analisando as mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 35/2001, Raul Machado Horta (2003, p. 614) sugere a adoção do sistema da licença tácita, semelhante aquele previsto na Constituição de 1967 e na emenda constitucional n.º 1 de 1969. Defende seu ponto de vista com os seguintes argumentos:

A alteração mais profunda da Emenda deu-se no domínio da improcessabilidade, para dispensar a licença da respectiva Câmara, refletindo correção do comportamento omissivo, objetivo que também poderia ser atendido no procedimento da inclusão automática do pedido de licença na Ordem do Dia, dando-se por concedida a licença, se a respectiva Casa não deliberasse, dentro do prazo fixado.

Em outra passagem critica a solução adotada, ponderando que preferiu-se, em razão da avaliação negativa do comportamento parlamentar, em casos concretos, sacrificar a proteção do mandato legislativo no tempo, rompendo com a adoção da dupla imunidade no Direito Constitucional Brasileiro, que tem sua nascente na Constituição do Império de 1824, abrangendo a inviolabilidade e improcessabilidade.

Será que deliberar a favor da suspensão de um processo injusto contra um de seus pares é menos constrangedor para um parlamentar do que votar contra o deferimento da licença antes exigida. Ou, ainda, não ter que deliberar sobre a licença ou negar a suspensão de um processo seja menos constrangedor do que votar a favor da licença? Teria, então, a Emenda Constitucional n.º

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35/2001 sido motivada pelo constrangimento dos parlamentares?

Queremos crer que não, mas diante das circunstâncias talvez as indagações acima tenham uma resposta afirmativa.

Assim sendo, reiteramos nosso entendimento no sentido de ser a Emenda Constitucional desnecessária, tendo em vista que um maior comprometimento ético por parte dos parlamentares na vigência da redação original da Carta Política era suficiente para que o instituto em análise cumprisse seu fim constitucional.


6 A INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 35/2001

Além de desnecessária, entendemos, também, que a Emenda n.º 35/2001 é, no mínimo, de constitucionalidade duvidosa. Entretanto, em função da complexidade do assunto, nos limitaremos a fazer breves apontamentos.

A possibilidade da declaração de inconstitucionalidade de uma emenda constitucional é, hoje, tema pacífico na doutrina e no Supremo Tribunal Federal [06]. Toda alteração do texto constitucional deve observar obrigatoriamente os limites traçados pelo Poder Constituinte originário, sejam eles expressos e implícitos [07]. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, ainda não se manifestou especificamente sobre a constitucionalidade da Emenda n.º 35/2001.

Entendemos que a Emenda em análise viola o disposto no art. 60, §4º, III, da Constituição Federal, que veda a deliberação de proposta de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes. A princípio, partindo-se de uma interpretação literal do dispositivo pode-se até sustentar que a Emenda n.º 35/2001 não aboliu a separação dos Poderes, pelo que seria constitucional.

Ocorre que ao restringir a imunidade parlamentar a ponto de eliminar a improcessabilidade, o Constituinte derivado transgrediu a independência e harmonia entre os Poderes da União (Legislativo, o Executivo e o Judiciário), tendo em vista que a alteração imposta extinguiu uma prerrogativa conferida pelo Constituinte originário aos parlamentares visando "a defesa do regime democrático, dos direitos fundamentais e da própria Separação dos Poderes" (MORAES, 2002, p. 371).

Ademais, não podemos esquecer que a imunidade parlamentar, apesar de uma prerrogativa dos Deputados e Senadores, foi instituída em prol do Poder Legislativo como forma de lhe garantir independência.

Alexandre de Moraes (2002, p. 396), ao tratar da independência e harmonia que deve reger o princípio da Separação de Poderes, pondera que "as imunidades parlamentares são institutos de vital importância, visto buscarem, prioritariamente, a proteção dos parlamentares, no exercício de suas nobres funções, contra os abusos e pressões dos demais poderes".

Raul Machado Horta (2003, p.614) observa que:

A irreformabilidade que protege limitações materiais explícitas e limitações materiais implícitas não recomenda a introdução de alterações no enunciado de imunidades que já se encontram sedimentadas na doutrina, na jurisprudência, no Direito Parlamentar e na redação constante de seu conteúdo no secular Direito Constitucional Republicano.

Mais adiante, ao tratar especificamente da Emenda Constitucional n.º 35/2001, este jurista destaca que:

a ruptura é tão profunda, tratando-se de garantia protetora do Poder Legislativo, que justificaria, para repelí-la, invocar o princípio tutelar da harmonia e independência dos Poderes (Constituição Federal, art. 2º) sob o fundamento idôneo de lesão a uma limitação material, dirigida ao poder de reforma, que veda proposta de emenda tendente a aboli-la (Constituição Federal, art. 60, §4º, III).

Dessa forma, apesar de não abolir a Separação dos Poderes, a Emenda Constitucional n.º 35/2001, restringiu drasticamente a independência do Poder Legislativo, tornando-o um tanto vulnerável. É, pois, no mínimo, de constitucionalidade duvidosa.


7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de toda essa problemática exposta, constatamos que a imunidade parlamentar é um instrumento fundamental à Democracia, protetor da independência e do bom desempenho do poder legislativo; apesar de passível de questionamentos e distorções.

O que falta no legislativo brasileiro, de uma forma geral, é um maior comprometimento ético de seus membros, seja em sua conduta pessoal, seja com relação à de terceiros ao deliberar sobre eventuais suspensões do andamento de ação contra os seus pares.

Tendo em vista tudo o que foi exposto, podemos concluir que:

a) as imunidades parlamentares são prerrogativas conferidas aos membros do Poder Legislativo visando uma atuação mais livre e a independência desse Poder frente aos demais, não podendo ser consideradas privilégios daqueles;

b) a imunidade formal foi radicalmente modificada pela Emenda Constitucional n.º 35/2001, que, violando a independência e harmonia entre os Poderes, deixou o Poder Legislativo vulnerável, pelo que sua constitucionalidade é, no mínimo, duvidosa;

d) a Emenda Constitucional n.º 35/2001, além de ter a constitucionalidade duvidosa, é desnecessária, uma vez que o objetivo almejado com a sua edição poderia ser alcançado na vigência da redação original da Constituição Federal com, apenas, um maior comprometimento ético dos parlamentares;


REFERÊNCIAS

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SITES DA INTERNET:

- Agência Estado: www.estadao.com.br

- Supremo Tribunal Federal: www.stf.gov.br

- Superior Tribunal de Justiça: www.stj.gov.br


Notas

01 Segundo a reportagem divulgada pela Agência Estado / Estadão: "Entre os deputados alvos de processos por crime comum, estão Antonio Joaquim (PPB-MA), por enriquecimento ilícito no exercício do mandato; Airton Cascavel (PPS-RR), por corrupção ativa; Eduardo Campos (PSB-PE), por fraude contra o Sistema Financeiro Nacional, por emitir R$ 300 milhões em precatórios falsos para o governo de Pernambuco, quando era secretário de Planejamento em 1997; Eurico Miranda (PPB-RJ), processado como responsável pela superlotação do Estádio de São Januário (RJ), na decisão do Campeonato Brasileiro de 2000, na disputa entre Vasco e São Caetano; Fernando Gonçalves (PTB-RJ), por falsidade ideológica e estelionato; Itamar Serpa (PSDB-RJ), por aliciamento de eleitores e formação de quadrilha; José Aleksandro (PSL-AC), por licitação fraudulenta e ameaças de morte ao governador do Acre, Jorge Viana (PT); Paulo Marinho (PFL-MA), por falsificar a assinatura do pai.

Entre os senadores estão Luiz Otávio (PPB-PA), por apropriação indébita de cerca de US$ 13 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na compra de barcas de transportes de passageiros; e Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB), por tentativa de assassinato contra o ex-governador Tarcísio Buriti, em 1993."

02 A imunidade material, também denominada inviolabilidade, consiste na irresponsabilidade absoluta dos parlamentares por opiniões, palavras e votos proferidos no exercício do mandato.

03 Conforme Alexandre de Moraes (2002, p. 39), "a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60, §4º -cláusulas pétreas)".

04 No sistema anterior os parlamentares não eram processados se fosse negada a licença ou se não houvesse deliberação sobre a mesma; no atual, ele será processado independentemente de licença e seus pares só poderão determinar a suspensão do processo.

05 Com a Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro 2001, o § 6º do art. 62 da Constituição Federal, que trata da edição de medidas provisórias, passou a ter a seguinte redação: "Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando" (negrito acrescido).

06 Para Alexandre de Moraes (2002, p. 608), "é absolutamente possível ao Supremo Tribunal Federal analisar a constitucionalidade ou não de uma emenda constitucional, de forma a verificar se o legislador-reformador respeitou os parâmetros fixados no art. 60 da Constituição Federal para alteração constitucional". Exemplificando o exposto o doutrinador elenca as seguintes ações diretas de inconstitucionalidade julgadas pelo STF: 829-3/DF, 9397/DF, 1.805/DF e 1.946/DF.

07 Os limites expressos são classificados em materiais, circunstanciais e formais e estão previstos no art. 60 da Constituição Federal.

Sobre o autor
Adriano Mesquita Dantas

Juiz Federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região/PB, Professor Universitário e Presidente da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pós-Graduado em Direito do Trabalho e em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar (UnP). Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA). Foi Agente Administrativo do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região/RN, Advogado, Advogado da União e Diretor de Prerrogativas e Assuntos Legislativos da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Adriano Mesquita. A imunidade parlamentar formal:: uma análise crítica da Emenda Constitucional nº 35. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 777, 19 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7169. Acesso em: 23 dez. 2024.

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