Artigo Destaque dos editores

A imunidade parlamentar formal:

uma análise crítica da Emenda Constitucional nº 35

Exibindo página 1 de 2
19/08/2005 às 00:00
Leia nesta página:

Sumário: 1 INTRODUÇÃO; 2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMUNIDADE PARLAMENTAR E SUAS REPERCUSSÕES NO RECENTE CENÁRIO POLÍTICO BRASILEIRO; 3 IMUNIDADE PARLAMENTAR FORMAL; 3.1 A Imunidade Formal na Constituição de 1988; 3.2 A Imunidade Formal e a Emenda Constitucional n.º 35; 4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 35 E OS PROCESSOS EM TRAMITAÇÃO; 5 A DESNECESSIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 35; 6 A INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 35/2001; 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.


1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por fim proceder a uma análise técnica, e ao mesmo tempo crítica, do instituto da imunidade parlamentar formal, abordando alguns de seus aspectos principais, algumas de suas particularidades e, em especial, as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 35, de 20 de dezembro de 2001.

Analisar-se-á também, a desnecessidade da Emenda Constitucional n.º 35 e os motivos que levaram alguns doutrinadores a tachá-la de inconstitucional.

Sempre que possível serão feitas exemplificações com casos concretos e julgados dos tribunais brasileiros sobre o tema, com destaque para o Supremo Tribunal Federal por envolver questão constitucional.

A escolha do tema para análise decorreu da sua atualidade e do interesse por questões ligadas à política partidária. Ademais, não se deve olvidar que o tema é bastante polêmico e comum na nossa recente história política, o que despertou o interesse em aprofundar seu estudo. O vasto leque de casos concretos facilitou a análise, uma vez que partindo de um paradigma ideal – homem probo, ético e honesto – podemos verificar quando e como a imunidade parlamentar está sendo bem ou mal usufruída por aquele que foi eleito pelo povo.

O trabalho foi elaborado com base em pesquisa bibliográfica, documental, eletrônica e jurisprudencial, esta última realizada, principalmente, no site do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça e com ênfase nos casos mais recentes.

Em função da escassa doutrina especializada no assunto, principalmente em função das recentes alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 35/2001, o estudo foi um pouco árduo; porém gratificante.

Ao final apresentamos algumas conclusões.


2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMUNIDADE PARLAMENTAR E SUAS REPERCUSSÕES NO RECENTE CENÁRIO POLÍTICO BRASILEIRO

Em abril de 2002 a imprensa paulista divulgou matéria intitulada "STF notifica 28 parlamentares processados", na qual constava o nome e os crimes praticados pelos parlamentares citados [01]. Os processos estavam com a tramitação suspensa em função da ausência de licença da Casa respectiva, exigida até então para a instauração do processo criminal.

Os crimes listados na reportagem eram graves e mereciam a devida apuração. A imunidade parlamentar não poderia, nem deveria, dar guarida e proteção a criminosos. Seu fim é totalmente distinto e por sinal muito digno: "assegurar ao parlamentar, representante do povo e da nação, segurança e tranqüilidade para o cumprimento do seu mister" (MONTEIRO, 2002, p. 3).

Fruto da indignação que tomou conta de vários segmentos da sociedade, a Emenda Constitucional n.º 35, de 20 de dezembro de 2001, modificou significativamente a disciplina jurídica da imunidade parlamentar, sendo considerada por alguns um marco moralizador do Poder Legislativo brasileiro.

Cumpre registrar, desde já, a expressiva participação dos congressistas na sua elaboração. Apesar de limitar e restringir o que alguns indevidamente consideravam privilégio de ordem pessoal e subjetiva, houve no Congresso Nacional um consenso quase absoluto e pouco comum na história do Brasil.

Na Câmara dos Deputados a Emenda Constitucional n.º 35 foi aprovada por 441 (quatrocentos e quarenta e um) votos. Segundo Maurício Gentil Monteiro (2002, p. 1), estavam presentes na sessão 444 (quatrocentos e quarenta e quatro) Deputados e apenas um votou contra e dois se abstiveram de participar da votação. No Senado Federal a votação foi unânime. Dos 67 (sessenta e sete) Senadores que compareceram à sessão, todos foram favoráveis à Emenda.

Diante desse novo panorama constitucional, muitas controvérsias surgiram em torno da imunidade parlamentar, as quais foram de pronto solucionadas pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, que optou pela imediata aplicação das novas regras.


3 IMUNIDADE PARLAMENTAR FORMAL

Como dito alhures, essa imunidade sofreu significativas modificações em decorrência da Emenda Constitucional n.º 35/2001. Sendo assim, para uma melhor compreensão do assunto, dividiremos este item. Em um primeiro momento analisaremos o sistema vigente até a citada Emenda Constitucional. Após, analisaremos o sistema por ela instituído.

3.1 A Imunidade Formal na Constituição de 1988

O Constituinte de 1988 contemplou no parágrafo 1º do artigo 53 de nossa Constituição esse tipo de imunidade, assim determinando: "Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa".

Dessa maneira, para que um processo criminal pudesse tramitar contra um Deputado ou um Senador, bem como para que um deles fosse preso, era necessária uma prévia autorização da sua respectiva Casa. A única exceção prevista na nossa Constituição (em seu texto original) para a prisão de um membro do legislativo era a em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos eram remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, fosse deliberado sobre a prisão e autorizada, ou não, a formação de culpa.

Segundo Alexandre de Morais (2001, p. 403), o objetivo dessa imunidade era garantir aos parlamentares, leia-se Deputados e Senadores, que eles não seriam:

(..) afastados, importunados ou mesmo subtraídos de suas funções por processos judiciais arbitrários ou vexatórios, emanados seja de um adversário político, seja de um governo desejoso de desembaraçar-se de um opositor perigoso, devendo as imunidades formais protegê-los contra os processos judiciais, mal fundados, ou intempestivos, que somente seriam inspirados por sentimentos de perseguição política.

Essa imunidade dizia respeito aos atos dos parlamentares estanhos ao exercício do mandato, ou seja, excluídos da incidência da imunidade material [02]. Assim, para evitar a impunidade dos agentes, tinha caráter temporário: iniciava-se com a diplomação e encerrava-se com o fim do mandato ou a sua cassação, quando, então, poderiam ser processados normalmente. Alexandre de Moraes (2002, p. 405) sustenta que nesses casos os parlamentares "estão submetidos às mesmas leis que os outros indivíduos em face do princípio da igualdade, tendo de responder como estes por seus atos criminosos". Pode-se dizer, portanto, que a imunidade processual tinha como pressuposto a não incidência da imunidade material.

Em relação aos processos de natureza cível ou administrativa a licença não era necessária.

Como exposto, para processar criminalmente um Deputado ou Senador era necessária uma prévia autorização de sua Casa, que deliberava sobre o assunto e deferia ou não a licença. Raul Machado Horta (1995, p. 603) ensina que "O órgão legislativo dispõe da competência discricionária para conceder ou não a licença. Mas ao proceder num sentido ou no outro, deve oferecer as razões de sua conduta, deduzindo os fundamentos jurídicos e políticos que inspiraram a decisão", devendo observar sempre alguns critérios, como a conveniência, a oportunidade, o momento político do País, a gravidade do fato, entre outros.

Questão controvertida dizia respeito à regra de especialização da licença, "segundo a qual a autorização para processar é válida para a incriminação que motivou o pedido de licença, ou ainda para imputação conexa fundada na identidade dos fatos submetidos ao conhecimento do órgão legislativo" (HORTA, 2003, p. 605). Assim, deferida a licença o processo criminal instaurado só poderia versar sobre os fatos apresentados e apreciados pelo Poder Legislativo; no entanto, o Poder Judiciário poderia dar qualificação jurídica distinta aos mesmos.

Como o princípio da especialização diz respeito aos fatos e não à qualificação jurídica destes, Raul Machado Horta (2003, p 607) explica que:

o fato novo, determinante de outra infração e, conseqüentemente, da penalidade típica, é que imporá o novo pedido de licença. O mesmo não se dá, quando, com base nos fatos conhecidos pelo Poder Legislativo, e constantes do pedido de licença, a qualificação jurídica ulterior vier, com irrecusável propriedade, justificar pena típica não mencionada expressamente no pedido de licença, embora já inerente aos fatos narrados.

Assim, a licença autorizava apenas a investigação de determinados fatos. Não possibilitava, pois, uma ampla investigação, pois a cada fato novo se fazia necessária uma outra licença.

Caso a licença fosse deferida, o agente estava livre para ser processado e, se porventura condenado, preso. Caso contrário, se a licença não fosse deferida, haveria a suspensão do processo e da prescrição, vindo, findo o mandato, o agora ex-parlamentar, a responder pelo crime. Procedimento semelhante era adotado quando o pedido de licença não era deliberado. Ressalte-se que a decisão da casa do parlamentar negando a licença era soberana e não poderia ser discutida perante o Poder Judiciário. Tratava-se de uma decisão eminentemente política e suprema.

Tanto a omissão sobre o pedido de licença quanto o seu indeferimento implicavam, necessariamente, na suspensão da prescrição. Encerrado o mandato, voltava ela a correr pelo tempo restante.

O texto constitucional era omisso quanto ao prazo para a referida deliberação, embora já tenha sido previsto em Constituições anteriores. Não existia, assim, prazo para tal deliberação. Desse modo, embora possível, a licença para processar criminalmente um Deputado ou Senador raramente era deferida em virtude do corporativismo – leia-se camaradagem – existente entre os parlamentares, que davam uma equivocada interpretação ao instituto da imunidade parlamentar e faziam do Congresso Nacional o refúgio de criminosos poderosos.

No caso de crime praticado antes da investidura no cargo, cujo respectivo processo já estivesse em tramitação, tinha-se que para o normal prosseguimento do feito também era necessária a licença da respectiva Casa Legislativa. Neste caso, duas hipóteses podiam ocorrer: o processo ficava suspenso até que fosse deferida ou, no caso de indeferimento ou de não apreciação do pedido de licença, ficaria suspenso até que acabasse o mandato, quando cessaria também a imunidade formal.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Importante registrarmos que, em regra, os pedidos de licença não eram apreciados, o que equivalia, na prática, ao seu indeferimento. A omissão generalizada do Poder Legislativo para com os pedidos de licença para instauração de processo criminal contra parlamentares estimulou vários cidadãos, leia-se criminosos, a se candidatarem aos cargos de Deputado Federal e/ou Senador da República visando, de pura má-fé, barrar eventuais processos criminais já instaurados ou prestes a sê-lo. Uma vez eleitos, faziam de tudo para se perpetuarem no poder e, assim, continuarem impunes.

Em face de situações graves e extremas, em especial aquelas de grande repercussão, ao invés de apreciarem o pedido de licença os parlamentares preferiam deliberar sobre a cassação do mandato do acusado, talvez com o objetivo de darem uma melhor satisfação aos eleitores, o que desvirtuava o instituto.

Diante desse quadro político, adveio a Emenda Constitucional n.º 35, de 20 de dezembro de 2001.

3. 2 A Imunidade Formal e a Emenda Constitucional n.º 35

Já foi dito que a Emenda Constitucional n.º 35, de 20 de dezembro de 2001, alterou substancialmente o instituto da imunidade formal.

O novo texto constitucional passou a contemplar a imunidade formal nos parágrafos 3º, 4º e 5º do artigo 53, que estabelecem:

§ 3º Recebida a denúncia contra Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.

§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato.

Percebe-se que a principal alteração está relacionada com a extinção da necessidade de licença da Casa do parlamentar para que tenha início um processo criminal contra o mesmo ou para que o processo tramite normalmente, na hipótese da denúncia ter sido oferecida após a diplomação ou antes desta, respectivamente. Com a mudança, a imunidade formal deixou de contemplar os crimes praticados antes da diplomação. Quanto a esses, o Poder Legislativo não exerce mais nenhum tipo de controle ou influência, seja autorizando a instauração do processo criminal, a sua tramitação ou, ainda, determinando a suspensão do feito e, por conseguinte, da prescrição.

"O controle legislativo deixou de ser prévio, passando a ser posterior: não existe mais a possibilidade de licença prévia" (HORTA, 2003, p. 56).

No sistema instituído pela Emenda Constitucional n.º 35, oferecida a denúncia, o processo contra parlamentares tramita normalmente, podendo a casa a que pertence o denunciado deliberar sobre a sua sustação.

Esta deliberação pode ser feita até a decisão final do processo (trânsito em julgado) e deve, obrigatoriamente, ser apreciada no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias a contar do recebimento do pedido pela Mesa Diretora. Os legitimados para formular pedido de sustação de ações criminais contra parlamentares são os partidos políticos com representação na Casa do denunciado.

Entendemos que os mesmos critérios que determinavam o deferimento ou indeferimento da antiga licença – a conveniência, a oportunidade, a gravidade do fato, o momento político, entre outros – devem nortear a deliberação sobre a sustação da ação penal.

A suspensão da prescrição, que antes decorria do indeferimento do pedido de licença ou da ausência de deliberação durante o mandato, agora é conseqüência da sustação do processo.

A mudança introduzida fez com que os inquéritos instaurados e as denúncias oferecidas contra parlamentares não ficassem mais arquivados e sem trâmite no Supremo Tribunal Federal (quando se tratar de Deputado Federal ou Senador) ou nos Tribunais de Justiça (com relação aos Deputados Estaduais). Eles tramitarão normalmente até que a casa a que pertence o parlamentar, por deliberação da maioria de seus membros, determine a sua sustação, o que poderá não ocorrer.

Apesar de considerarmos a Emenda Constitucional n.º 35/2001 desnecessária, em face das radicais alterações introduzidas, ela pode ser tida como um marco na moralização do Poder Legislativo brasileiro.


4 A EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 35 E OS PROCESSOS EM TRAMITAÇÃO

Com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 35/2001, acabando com a necessidade de prévia licença da Casa do Parlamentar para a instauração de processo penal contra o mesmo, o Supremo Tribunal Federal teve que enfrentar a questão da aplicação do novo texto constitucional aos processos e inquéritos nos quais a licença havia sido negada ou não deliberada.

A controvérsia foi decidida pelo Tribunal Pleno em 18/02/2002, ao apreciar a Questão de Ordem argüida no Inquérito n.º 1.566 - Acre. O Tribunal, nessa ocasião, firmou o seguinte entendimento:

Imunidade parlamentar: abolição da licença prévia pela EC 35/01: aplicabilidade imediata e conseqüente retomada do curso da prescrição. 1. A licença prévia da sua Casa para a instauração ou a seqüência de processo penal contra os membros do Congresso Nacional, como exigida pelo texto originário do art. 53, § 1º, da Constituição configurava condição de procedibilidade, instituto de natureza processual, a qual, enquanto não implementada, representava empecilho ao exercício da jurisdição sobre o fato e acarretava, por conseguinte, a suspensão do curso da prescrição, conforme o primitivo art. 53, § 2º, da Lei Fundamental. 2. Da natureza meramente processual do instituto, resulta que a abolição pela EC 35/01 de tal condicionamento da instauração ou do curso do processo é de aplicabilidade imediata, independentemente da indagação sobre a eficácia temporal das emendas à Constituição: em conseqüência, desde a publicação da EC 35/01, tornou-se prejudicado o pedido de licença pendente de apreciação pela Câmara competente ou sem efeito a sua denegação, se já deliberada, devendo prosseguir o feito do ponto em que paralisado. 3. Da remoção do empecilho à instauração ou à seqüência do processo contra o membro do Congresso nacional, decorre retomar o seu curso, desde a publicação da EC 35/01, a prescrição anteriormente suspensa. (DJ 22/03/2002)

Com base nesse precedente, os processos que estavam com a tramitação suspensa por força do indeferimento da licença pela Casa do Parlamentar ou pela ausência de deliberação tiveram seu curso retomado. O prazo prescricional, anteriormente suspenso, também voltou a fluir desde a publicação da Emenda Constitucional n.º 35, que se deu em 21 de dezembro de 2001.

Luiz Flávio Gomes (2002, p. 113), no entanto, apresenta entendimento divergente. Distinguindo os casos em que o pedido de licença havia sido deliberado e negado daqueles outros em que não houve sequer deliberação, sustenta que:

Na medida em que a imunidade processual parlamentar (antes da EC 35/01) condicionava a própria responsabilização penal (leia-se: o desenvolvimento do processo, mesmo porque era condição de prosseguibilidade), não há dúvida que se tratava de norma processual com conteúdo material, à qual se aplicam todas as regras de direito penal intertemporal, ou seja, as leis novas benéficas são retroativas, as normas novas severas são irretroativas. De tudo quanto exposto se conclui: nos casos em que o Parlamento examinou e concretamente indeferiu a licença para processar o deputado ou senador, há que se respeitar a independência legislativa assim como o ato jurídico perfeito. (...) Conclusão: enquanto durar seu mandato, não pode o parlamentar ser processado pelo fato definido no pedido de licença expressamente refutado pela Casa respectiva. (...) Diferente é a situação daqueles pedidos de licença que jamais mereceram qualquer tipo de valoração ou apreciação da Casa parlamentar respectiva. Nesses casos não há nenhum ato jurídico perfeito ou consumado e, de outro lado, não houve qualquer tipo de balanceamento dos interesses em jogo. Conclusão: quanto a eles incidem as novas regras emanadas da EC 35/01, o que significa que o tribunal competente pode dar prosseguimento ao processo sem nenhum obstáculo de ordem processual.

Infere-se, pois, que a questão era bastante complexa e envolvia muitos valores e princípios, em especial o da separação dos poderes e o da isonomia. Entretanto, corroboramos o entendimento firmado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, uma vez que se trata de norma eminentemente processual, cuja aplicabilidade é imediata.

Contudo, não vislumbramos qualquer afronta ao princípio da separação e independência dos poderes, uma vez que a decisão do Poder Legislativo, negando a licença, não tem mais nenhum amparo na vigente redação constitucional, ficando, pois, sem efeito, exceto com relação ao prazo prescricional. Enquanto o texto constitucional contemplava a obrigatoriedade da licença, esta se fazia necessária; deixando de exigi-la, as que foram negadas não são mais empecilhos para a tramitação processual.

Também não viola o ato jurídico perfeito, pois, além de temporário (só produzindo efeito durante o mandato), o indeferimento da licença foi devidamente observado enquanto amparado pela ordem constitucional.

Entendimento diferente, com a devida vênia, vai de encontro ao princípio da isonomia, uma vez que será dispensado tratamento distinto a pessoas em situação semelhante: parlamentares com processos e inquéritos cujas tramitações estavam suspensas. O parlamentar que teve o pedido de licença devidamente apreciado e negado não terá a tramitação do processo retomada; o processo contra outro parlamentar, cujo pedido sequer havia sido deliberado, voltará a tramitar normalmente.

É admitir, também, a ingerência de um poder em outro quando a própria Constituição não mais a autoriza, uma vez que a decisão do Poder Legislativo continuará impedindo a atuação do judiciário.

Assim, estamos com o posicionamento adotado pelo Pretório Excelso.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Adriano Mesquita Dantas

Juiz Federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região/PB, Professor Universitário e Presidente da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pós-Graduado em Direito do Trabalho e em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar (UnP). Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA). Foi Agente Administrativo do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região/RN, Advogado, Advogado da União e Diretor de Prerrogativas e Assuntos Legislativos da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Adriano Mesquita. A imunidade parlamentar formal:: uma análise crítica da Emenda Constitucional nº 35. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 777, 19 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7169. Acesso em: 25 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos