~~Um dos principais fatores que geraram o Direito Ocidental foi, precisamente, a separação entre as normas jurídicas (direito) e a moral: costumes, tradições, preceitos e predicados culturais, valores e regras sociais, vocações religiosas.
Basta, para se verificar esta alegação, comparar o Código de Hamurabi com qualquer código ou legislação moderna. No caso nacional é ainda mais fácil, porque há uma ânsia pela positivação, legislação estatutária e codificação.
Ainda que o Direito seja uma das mais antigas vocações humanas – só não mais antiga do que a Política (a Polis do “animal político”) –, como vocação racional seguiu um caminho diferente da moral.
Mesmo que se interliguem a todo tempo – a exemplo de quando pedimos por um "direito ético e justo" –, na prática ambos têm implicações diferenciadas e, obviamente, alcançam resultados distintos.
Então, isto quer dizer que, embora alguém possa ser inocente juridicamente, se não há norma expressa afrontada ou provas contra si (do cometimento do ilícito), moralmente poderá ser severamente repreendido.
Exemplos não faltam, como a recomendação de que a barragem de Brumadinho/MG continha risco de desabamento. Porém, aqui ainda se observou uma norma técnica, um laudo (ainda que provisório) e o bom senso.
No caso do agente político é bom sempre lembrar que deve agir sob o Princípio da Boa Fé e da lisura administrativa. Um servidor público não pode aceitar uma caneta de ouro, em razão de sua atividade, e alegar que se trata só de um "presente".
O servidor público – independente de se provar seu "mal-feito" – segue a obrigação (moral e jurídica) de ser honesto. Não surpreende que o servidor público, até que se prove em contrário, goze do exercício da “boa-fé” – ou seja, se é detentor de “boa-fé”, não se presume e muito menos se admite que vá atuar para o mal-feito.
A obrigação do servidor público e do agente político é, explicitamente, “servir ao público com presteza, perícia e honradez”: até por isso há uma avaliação social – não só criminal – e técnica (concurso público) para que se emita o termo de posse.
Pois bem, o simples fato de demonstrar interesse na posse/propriedade de uma caneta de ouro, indiferente o fato de ter-se apoderado, é intenção (moral) que atenta a todos os princípios do direito honesto: “honeste vivere”.
Uma caneta ou um bezerro de ouro dão na mesma. Porque a licitude (obrigação moral) está nos princípios jurídicos contidos no termo de posse ou na diplomação.
Ao servidor público e ao agente político não cabe, sequer, abrigar-se em esconderijo na “mera” intenção criminosa. Uma vez que, na função de servir ao público, não há espaço para titubear diante da “atuação para o bem do serviço público”. Por isso, muitos são exonerados ou defenestrados, notadamente, a “bem do serviço público”.
Ainda que ninguém possa ser criminalmente acusado e preso por intenção criminosa, na mesma medida, não se pode permitir um Departamento Pré-Crime – como deformação autocrática do Poder Público.
Porém, por não serem “homens médios”, a análise social rastreia a possível intenção criminosa (dolosa ou culposa) tanto do servidor público quanto do agente político.
Já imaginaram um juiz que, antes da posse, declare nas redes sociais que adoraria cometer crimes – mas que ainda não o fez?
Pelo lado do bom senso, essa “promessa de justiça” (magistratura) não escolheu o pior ponto de partida?
Se – agora pela lógica – o ponto de partida tem um vício grave, redibitório (que faria cessar as cláusulas contratuais) qual a possibilidade do resultado ser benéfico, justo e equilibrado?
Um candidato ao serviço público ou à atividade política é equilibrado quando declara publicamente a intenção criminosa? Ou pior, reportando-se no desejo declarado e na “apologia” ou incitação ao crime, prestará bons serviços ao povo?
Um policial poderia atuar na conhecida “Ronda Escolar” se vivesse elogiando o corpo, o formato físico, de adolescentes? Quem confiaria seus filhos a este agente público?
É óbvio que não se faz o bem, adequadamente, imaginando-se iniciar pelo Mal.
Ninguém em bom senso colocaria o lobo para tomar conta do galinheiro – muito menos o Poder Público. Ao menos não intencionalmente.
Do mesmo modo, o cliente que mente ao advogado, terá boas condições de defesa?
Em todos esses casos, também é óbvio, a justiça não começa pela intenção do mal-feito.
Enfim, a justiça que se requer do serviço público – e a representação política é especial, porque carrega a confiança popular – não prospera onde cresce o Mal: esse mal-feito que nasce com a indevida intenção.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Vinícius Alves Scherch
Mestrando em Ciências Jurídicas - UENP
Universidade Estadual do Norte do Paraná