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A disputa Savigny-Thibaut sobre a necessidade de uma codificação para a Alemanha.

O caminho histórico para o positivismo jurídico

Apresentam-se os principais aspectos afetos à polêmica entre Savigny e Thibaut e sua forte contribuição para o processo de codificação do direito civil na Alemanha do século XIX: os primeiros passos do positivismo jurídico.

1. Introdução:

Durante os séculos XVIII e XIX, a Europa Ocidental vivenciou diversas revoltas e profundas transformações de caráter político e filosófico, que tiveram grande influência para o surgimento de novas correntes de pensamentos jurídicos. Nesse cenário, a Revolução Francesa teve papel imprescindível no que concerne aos desdobramentos relativos à necessidade e utilidade de uma Codificação do Direito. Dentre esses desdobramentos, destaca-se no âmbito dos Estados Germânicos a disputa entre os teóricos Savigny e Thibaut.

O embate intelectual entre esses autores transcendeu as barreiras de seu tempo e espaço, pois exerceu enorme influência tanto no processo de elaboração do Código Civil Alemão do século XX, bem como reverbera até os dias atuais. Além disso, contribuiu de forma significante para a construção e aperfeiçoamento da Escola Histórica do Direito — instaurada inicialmente pela publicação de Savigny sobre codificação —, que se correlacionará profundamente com o desenvolvimento do positivismo jurídico.

Em vista disso, o debate entre Savigny e Thibaut será decisivo para a evolução do pensamento jurídico em geral, ultrapassando os limites da discussão sobre a codificação alemã. Dessa forma, serão ressaltados os principais aspectos dessa polêmica, a fim de apontar seus efeitos, não somente restrito ao território alemão, mas, também, o seu papel relativo à concepção do pensamento positivista na esfera jurídica mundial.


2.Contextualização Histórica:

Os Estados da Europa ocidental passaram por mudanças políticas e intelectuais significativas ao longo do século XVIII, com exceção da Grã-Bretanha, que, ao contrário da parte continental, passou por uma fase mais equilibrada e sem grandes transformações após as intensas revoluções ocorridas no século anterior.

Nesse contexto, a França foi uma das principais responsáveis pelas modificações surgidas na época, sendo a precursora da corrente ideológica iluminista, a qual prevaleceu naquele período e surgiu após os onerosos gastos governamentais com guerras que trouxeram prejuízos financeiros, além da não cobrança de impostos para as classes sociais mais ricas. A influência proporcionada pelas ideias do Iluminismo foi bastante expressiva para o pensamento da sociedade daquele tempo, visto que instaurou uma inédita concepção institucional pautada na razão. Do ponto de vista jurídico, o Iluminismo – que popularizou a denominação de “Idade da Razão” ao século XVIII – atribuiu ampla valorização e prestígio ao direito natural, enaltecendo a transcendência de valores.

Sob essa perspectiva, é ressaltado por John M. Kelly o seguinte entendimento:

“Alguns aspectos da mentalidade iluminista são de especial interesse para a história da teoria jurídica. A própria ideia de que as instituições políticas ou jurídicas podiam ser criticamente avaliadas e sua conveniência, questionada, manifestava-se na percepção de Montesquieu de que as leis são contingentes, tendentes a refletir as condições de vida das pessoas que vivem segundo elas, e não a adaptar-se a um único padrão universal; […] [o] padrão pela qual elas deveriam ser substituídas por estruturas ideais era o da razão e do ‘direito natural’ em sua forma do século XVIII.” (2010, p. 331)

No caso da Alemanha do século XVIII, o direito natural era considerado a principal estrutura e demarcação dos sistemas jurídicos vigentes na época, considerando sua fragmentação em vários Estados e reinos menores. Diante desse cenário, houve o surgimento da concepção de Codificação do Direito, que almejava sistematizar as leis em um código de forma racional, seguindo os princípios do direito natural.

A Áustria foi o primeiro Estado a promover um projeto de codificação, que ocorreu em 1753 no governo da imperatriz Maria Teresa. Seguindo os fundamentos da razão e do direito natural, foi criado o Código Teresiano, que consistia na codificação das leis do Império Habsburgo. Entretanto, somente no século posterior, em 1811, que esse código entrou em vigor.

Todavia, apesar do Código Teresiano ter sido a primeira iniciativa de codificação, o primeiro código promulgado foi o Código Prussiano em 1794, o qual pretendia acabar com as divergências e a difícil compreensão do direito da Prússia vigente, semelhante à situação austríaca. Baseado no direito natural – que predominava na Prússia sobre o direito de base romanista –, a criação desse código foi promulgada mediante decreto por Frederico, “o Grande”.

O Código Civil francês também originou-se no século XVIII e foi promulgado em 1804. Porém, ao contrário dos demais códigos do período, a França preservou com rigor o direito canônico e o direito com base romanista, os quais já vigoravam nessa nação e serviram como fontes desse código. É importante constatar que o Código Napoleônico já regulou os Estados germânicos durante um período, tornando-se imprescindível para o entendimento da disputa travada entre Savigny e Thibaut.

Contudo, o contexto de ampla fragmentação do território alemão contribuiu para a delonga na manifestação da ideia de codificação, que ainda não havia sido desenvolvida na maioria dos reinos germânicos. Diante desse cenário, é possível constatar que a Revolução Francesa exerceu uma função primordial para os desdobramentos da codificação, provocando o debate encadeado por Savigny e Thibaut.

Essa revolução proporcionou diversos efeitos decorrentes da opressão napoleônica e das guerras provocadas pela França, entre eles o nacionalismo e o ideal democrático, que exerceram uma expressiva influência para a unidade política e o vínculo intelectual da nação alemã – união pautada, principalmente, na existência de um poder inimigo.

Nos séculos XVIII e XIX, é possível averiguar que o pensamento jurídico alemão se integrava notavelmente por princípios históricos, apesar de novas perspectivas já terem sido elaboradas, como por exemplo, as pronunciadas por Thibaut. Com isso, os juristas da Alemanha se fundamentavam no direito dito histórico, pois, embora grande parte deles fosse contrária as concepções jusnaturalistas, a corrente do direito positivo típica da Escola de Exegese também não era conveniente no entendimento deles.

Em vista disso, a famosa polêmica travada entre Savigny e Thibaut teve origem no ano de 1814, diante desse cenário de ampla valorização da convicção nacionalista e da unidade da nação alemã. Logo, essas concepções favoreceram a discussão sobre a utilidade e imprescindibilidade de codificar o Direito na Alemanha, que serão abordadas a seguir.


3. O Manifesto de Thibaut:

Anton Friedrich Justus Thibaut, nascido no ano de 1772 na cidade de Hameln, era professor de Direito na Universidade de Heidelberg. Tinha 42 anos de idade quando publicou “Sobre a Necessidade de um Direito Civil Geral para a Alemanha”, que motivou a disputa sobre uma codificação para a Alemanha. Thibaut considerava que o cenário da época se mostrava propício ao debate acerca das ideias desenvolvidas em sua obra.

Inspirado nos ideais iluministas, o trabalho de Thibaut objetivava despertar o interesse dos alemães a respeito da necessidade e utilidade de um Código Civil, de cunho racionalista, para a Alemanha como um todo.

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Thibaut constatava a coexistência de inúmeras leis em um contexto extremamente fragmentário dos Estados Germânicos, o qual demonstrava a contraditoriedade e inacessibilidade do sistema jurídico alemão da época. Com isso, o autor compreende que a situação fraccionada do direito dos Estados Germânicos tornava as relações jurídicas demasiadamente inseguras, imprecisas e caóticas. Sintetizando:

“Yo opino, por el contrario, que nuestro Derecho civil (por el que entenderá siempre aqui el Derecho privado y el penal, así como el procesal) necesita una rápida transformación y que los alemanes no podrán ser felices en sus relaciones civiles más que cuando todos los gobiernos alemanes traten de poner em vigor, uniendo sus fuerzas, un código promulgado para toda Alemania, sustraído al arbitrio de los gobiernos singulares”. (1970, p. 11)

Anton Thibaut, a partir das suas constatações do estado conturbado em que se encontrava o direito alemão, concluiu, sob influência do pensamento iluminista, pela necessidade e utilidade de um Código Civil para a Alemanha, que suplantaria o direito de base romanista, ainda muito presente na cultura jurídica dos Estados Germânicos. Thibaut desaprovava o arranjo em que se deu o Código Civil Francês, por demais permeado por elementos políticos e insuficientemente racionalista, considerando o tom extremamente nacionalista francofóbico exibido em sua obra.

Além disso, a codificação alemã traria, segundo o autor, enormes benefícios para a compreensão e aplicabilidade da doutrina do direito, dado que proporcionaria maior precisão e clareza para o objeto de trabalho e estudo dos juristas e dos alemães em geral. Desse modo, o autor sugere algumas diretrizes para a construção do Código, focalizando sobretudo os aspectos materiais e formais exigidos, no seguinte sentido:

“A toda legislación se pueden y deben exigir dos requisitos: que sea perfecta formal y materialmente: es decir, que formule sus preceptos de una manera clara, inequívoca y exhaustiva, y que ordene las instituiciones civiles de una manera sabia y conveniente, de completa conformidade con las necessidades de los súbditos”. (1970, p. 11)

Portanto, o autor propõe, em sua obra “Sobre a Necessidade de um Direito Civil Geral para a Alemanha”, uma nova concepção institucional para a Alemanha desse contexto, com a finalidade de solucionar os equívocos resultantes da irracionalidade desse sistema jurídico. Ainda, objetivava assegurar a unidade do povo alemão, através da elaboração de um Código Civil unificado para toda Alemanha. Nessa perspectiva, a inspiração de cunho iluminista é notória, exposta a aspiração à unidade e organização racional de todo o direito alemão.


4. A Resposta de Savigny:

Friedrich Karl Von Savigny nasceu no dia 21 de fevereiro de 1779 em Frankfurt an Main. Publicou sua obra “Da vocação de nossa época para a legislação e a ciência do direito” em represália à tese de Thibaut, divulgada também no ano de 1814.

Savigny se posicionou contrário às ideias de codificação para a Alemanha que permeavam o debate intelectual em voga na época, tomando como referência a publicação de Thibaut sobre a necessidade de uma codificação do direito civil alemão. É evidente no trabalho extensamente fundamentado de Savigny o caráter fortemente romântico e antiiluminista presente, com expressa tendência conservadora da estrutura social e política alemã, em completa oposição à obra de Thibaut.

“Da vocação de nossa época para a legislação e a ciência do direito” foi um dos destaques na carreira do jurista, o qual contribuiu também, de forma expressiva, para a divulgação dos princípios que seriam o fundamento da Escola Histórica do Direito. Conquanto, antes de adentrarmos nas consequências originadas pela polêmica, sobretudo decorrentes dos pensamentos de Savigny, é necessário esclarecer o que, de fato, defende Savigny em sua “resposta” à Thibaut.

Como mencionado anteriormente, o autor pretende, sob orientação fortemente nacionalista, refutar a ideia de uma Codificação do Direito Civil para a Alemanha, a qual acredita ser infactível, falsa, devido às condições estabelecidas em sua época, que considerava inadequadas frente essa empreitada. Para tanto, analisa o direito civil sob uma perspectiva histórica, afirmando ser sua fonte a natureza social do homem. O autor ratifica com suas próprias palavras:

“Allí donde nos encontramos por primera vez ante una historia documentada, el Derecho civil tiene ya un carácter determinado, peculiar del pueblo, lo mismo que su lenguaje, sus costumbres y su constituición. Em efecto, estos fenómenos no tienen una existencia separada, son tan solo fuerzas y actividades singulares de un pueblo, inseparablemente unidas en la naturaliza, y que solo aprarentemente se revelan a nuestra consideración como cualidades especiales”. (1970, p. 54)

Nesse ponto, Savigny declara que o direito se encontra vivo na consciência do povo, assim como a linguagem, os costumes e sua própria constituição. Logo, paralelamente a esses aspectos, o direito, dado seu caráter vivo, está submetido a constantes transformações, acompanhando as tendências do povo o qual é destinado a servir. Todavia, Savigny esclarece que, ainda que o direito viva na consciência do povo, este atingirá, com sua evolução, um patamar de maior grau de complexidade e sistematização, que influenciará diretamente na existência da ciência do direito. Estabelece-se uma vida dupla do direito. Dessarte, comparando o direito com o surgimento da ciência jurídica e a linguagem com o surgimento da gramática, Savigny conclui que a consciência civil e jurídica precede a sua sistematização pela ciência do direito, assim como a linguagem precede a gramática. Surge, por meio dessas considerações, a concepção do Direito como produto do espírito do povo.

No tocante às propostas de codificação para a Alemanha na época, o autor atesta:

“El Estado debe investigar todo su sistema jurídico y fijarlo por escrito, de manera que este libro valga en lo sucesivo como fuente única del Derecho y deje de regir todo lo que hasta entonces hubiera podido estar vigente”. (1970, p. 61)

Dessa forma, Savigny analisa a codificação de acordo com dois prismas distintos. Por um lado, há a codificação derivada de um direito racional, geral, de bases naturalistas. Ao contrário, a outra corrente corresponde a ideia de codificação como apanhado de todo direito vigente. Savigny considera a experiência de codificação como uma reunião de ambos modelos. Nesse ponto, identifica uma coletânea do direito vigente, ao mesmo tempo em que há a criação de novas leis. Isto posto, o autor pretende focalizar seu trabalho na coletânea de leis vigentes, pois acreditava que a criação de leis novas poderiam ocorrer independentemente do processo de codificação.

Considerando as propostas da época, Savigny reconhecia duas vantagens proclamadas pelos defensores do processo de codificação: a certeza/segurança jurídica e a correção dos limites externos da validade do direito, haja vista que o Código funcionaria como fonte única do Direito em toda a Alemanha. Com relação à segurança/certeza jurídica, Savigny se posiciona da seguinte forma:

“En lo tocante a la materia, el cometido más importante y más difícil es la integridad del código, consistiendo el problema en comprender bien este cometido, en lo cual todos están de acuerdo. Puesto que el código está destinado a ser la única fuente del Derecho, debe contener efectivamente de antemano la solución para todos los casos que pueden presentarse”. (1970, p. 64)

Com relação às dificuldades e perigos da unidade material proporcionada pelo Código, Savigny ressalta o papel do espírito do povo como verdadeira fonte do direito, declarando as considerações seguintes:

“La administración de justicia se hará aparentemente según el código, pero de hecho se hará según otra cosa ajena al código, la cual será, por tanto, la verdadeira fuente de Derecho. Pero esta falsa apariencia es sumamente nociva. Porque el código, por su novedad, por su afinidad con los conceptos que dominan la época y por su autoridad externa, atraerá indefectiblemente hacia sí toda la atención, desviándola de la verdadeira fuente del Derecho, de manera que esta oscura e inobservada existencia se verá privada de las fuerzas espirituales de la nación, que son las únicas que pueden conferirle autoridad.” (1970, p. 65)

Nesse sentido, após qualificar criticamente as propostas de codificação, Savigny se concentra agora em uma análise mais precisa e específica ao caso alemão, para confirmar sua posição contrária à codificação do Direito Civil para o país. Até então, a Alemanha apresentava-se extremamente fragmentada, tanto em relação ao seu território, quanto à aplicabilidade do direito vigente. Este possuía ainda uma base principalmente romanista, constituindo, à época, o chamado direito comum. Integravam, também, os direitos especiais a cada Estado Germânico, os quais, continham igualmente fundamentos romanistas. Por essa razão, Savigny destina um capítulo em sua obra para refletir o direito romano e seu vínculo com a codificação.

Assim, Savigny expõe, de maneira clara, sua concepção historicista do direito, dado que enfatiza a evolução do direito romano em face à característica viva do próprio direito. Nessa acepção, evidencia que o direito romano, em seu auge, não sofreu qualquer forma de codificação, confirmando, para o autor, a sua expressa vacuidade. Contrariamente, na sua fase de decadência, identifica tentativas similares, como o Código de Justiniano. Para o autor, esse código se distancia fundamentalmente da grandeza e maestria do direito romano.

Dessa forma, Savigny pôde aferir que o direito, como processo de evolução histórica, só possibilitaria sua codificação em um momento específico. No seu auge, o direito não detém ainda o grau necessário de clareza para ser sistematizado. Por outro lado, em seu momento de declínio, a ciência do direito se encontra muito fragilizada e o cenário se mostra impróprio frente a qualquer tentativa de codificação. Por isso, Savigny constatava que somente em um estágio intermediário, no qual a ciência e a prática jurídica se manifestassem em equilíbrio, a codificação seria realizável. Entretanto, a codificação não seria necessária, haja vista que o direito estaria sendo realizado plenamente. Para o autor, o único benefício de um Código constituído nesse momento seria proporcionar diretrizes para épocas futuras de decadência. Implicitamente, então, Savigny acreditava que nunca haveria o momento conveniente para uma codificação.

Com apreço às ponderações tecidas até esse ponto, Savigny direciona sua reflexões para o caso alemão, a fim de analisar a possibilidade da realização de uma codificação no contexto em que se situava. Antes de tudo, o autor nega categoricamente que a razão seria igual em todas as épocas e para todos os homens e, consequentemente, desconsidera, em virtude disso, que as gerações do presente seriam sempre capazes de produzir a melhor construção possível, devido à experiência acumulada historicamente. Esclarece:

“Pero precisamente esta opinión de que toda época tiene aptitud para todo constituye un prejuicio sumamente nocivo. Em las bellas artes tenemos que reconocer lo contrario: ¿por qué no vamos a admitir lo mismo quando se trata de la formación del Estado e del Derecho?” (1970, p. 81)

Dando prosseguimento a sua análise, Savigny evidencia, também, a carência de bons juristas, a qual abatia a Alemanha durante o século XVIII. Para o autor, o grande jurista devia dispor de duas particularidades imprescindíveis: o conhecimento histórico, que lhe proporcionaria melhor aptidão para analisar as determinadas épocas e suas peculiaridades jurídicas, e o conhecimento sistemático, que lhe possibilitaria relacionar cada preceito e conceito frente uma interação viva do todo e discernir qual dessas seria a conexão verdadeira e natural. Savigny julgava que os juristas da sua época não dominavam as qualidades requisitadas pela excelência na sua profissão:

“Este doble sentido científico escasea extraordinariamente en los juristas del siglo XVIII, cuyos reiterados y superficiales esfuerzos en el campo de la filosofia tuvieron un efecto muy desfavorable. Sobre la época en que vive uno mismo, es muy difícil emitir un juicio seguro: sin embargo, si no nos engañan todos los sintomas, a nuestra ciência há llegado un espíritu más vivo, que podrá elevarla de nuevo en el futuro a la altura de uma formación peculiar. Solo que todavía es muy poco lo que se ha hecho en este aspecto, por cuya razón niego yo nuesta capacidade para producir um código laudable”. (1970, p. 83)

Em relação ao conhecimento histórico proposto por Savigny, é fundamental salientar que tal aspecto é versátil, pois a visão pessoal do jurista influencia em sua análise e ele deve avaliar cuidadosamente as fontes e documentos históricos que estão em sua posse, pois há limites na produção do conhecimento, como por exemplo, a destruição de fontes e restrição de informações dos documentos. Diante do exposto, Antoine Prost elucida:

“O primado da questão sobre o documento acarreta duas consequências: em primeiro lugar, a impossibilidade da leitura definitiva de determinado documento. O historiador nunca consegue exaurir completamente seus documentos; pode sempre questioná-los, de novo, com outras questões ou levá-los a se exprimir com outros métodos”. (2008, p. 77)

O trabalho iniciado por Savigny evoluiu para a formação da Escola Pandectista, que realizou uma elaboração sistemática do material jurídico romano em um nível teórico jamais antes atingido, apto a gerar conceitos abstratos e genéricos que vieram a inspirar, posteriormente, a edição do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch – BGB). A Escola Pandectística acreditava que o Direito fosse uma espécie de matemática jurídica, no qual Savigny se baseia para demonstrar a possibilidade de recorrer a conceitos científicos derivados das Pandectas, que poderiam resolver problemas contemporâneos.

Dessa maneira, por esses motivos apresentados aqui, Savigny recusa a vocação da Alemanha de sua época para concretizar uma codificação do Direito. Comprova, nas suas próprias palavras, que nenhum dos sistemas jurídicos vigentes nos Estados Germânicos obtiveram sucesso em reconhecer el espíritu que anima las Pandectas. A perspectiva de Savigny se configura, além de historicista, visivelmente romântica, haja vista que valoriza explicitamente, em diversas passagens da sua obra, o passado frente ao seu presente.

Diante dessa concepção historicista de Savigny, é importante destacar a seguinte advertência de Henri-Irénée Marrou:

“O verdadeiro problema é o problema ‘kantiano’ (Em que condições é possível o conhecimento histórico?), ou melhor, o da verdade da história, cuja objetividade não é o critério suprema. A história é o resultado do esforço, num sentido criador, pelo qual o historiador, o sujeito cognoscente, estabelece essa relação entre o passado que evoca e o presente que é o seu. Essa experiência não poderia ser descrita como o tranquilo trabalho de um nem como a expansão triunfante do outro. A história é um combate do espírito, uma aventura e, como todos os empreendimentos humanos, só conhece êxitos parciais, muito relativos, sem proporção com a ambição inicial”. (1978, p. 45-49)

O mérito mais importante que podemos extrair de Savigny, para este trabalho, é que os seus pensamentos serviram de firmamento para o desenvolvimento da Escola Histórica do Direito, que exercerá tremendas influências no pensamento jurídico do século XIX, incluindo os direcionamentos da corrente positivista do Direito.


5. Conclusão: A Contribuição Histórica da Polêmica

O debate entre Savigny e Thibaut possui relevância inquestionável. Entretanto, a tese de Savigny predominou por muito tempo na Alemanha, dado que somente no século XX a codificação do Direito Civil alemão tornou-se concreta. Com isso, acarretou em diversas consequências práticas e filosóficas dentro e fora do território alemão.

Ademais, destaca-se também sua contribuição histórica para o avanço do pensamento jurídico, pois a concepção de Savigny e seu historicismo jurídico foram diretamente responsáveis pelo surgimento dos estudiosos da Pandectística germânica. Esta, de inspiração histórica, reune o direito de raízes romanistas necessariamente conjugado com o direito comum, que abordam e promovem o método sistemático, necessário para a elucidação e organização do direito positivo. Sob a égide do estudo das pandectas, se levantou então o edifício da codificação civil na Alemanha no ano de 1896.

Ao longo do século XIX, a evolução da ciência jurídica alemã de origem na Escola Histórica do Direito adquiriu novos direcionamentos, sobretudo de caráter sistemático, o qual proporciona uma maior estruturação do conceito de hierarquia, que, ao fim, será o caminho para o desenvolvimento do positivismo jurídico. Logo, pode-se confirmar que houve uma relação direta entre as repercussões da disputa entre Savigny e Thibaut e a manifestação do positivismo jurídico.

Dessarte, em consideração à notoriedade que o debate em questão simboliza, é inegável sua contribuição para a realidade histórica e sua influência nos desdobramentos do movimento de codificação moderna. A polêmica travada entre Savigny e Thibaut adquiriu dimensões muito mais abrangentes, principalmente em razão da obra de Savigny, a qual é um claro manifesto da Escola Histórica do Direito. Nessa perspectiva, a evolução do pensamento jurídico alemão ocorreu sobre forte interferência das repercussões derivadas da disputa entre Savigny e Thibaut e, em consequência, permitiu que se traçassem os caminhos para o positivismo jurídico.


6. Referências Bibliográficas:

KELLY, John Maurice. Uma Breve História da Teoria do Direito Ocidental. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

MARROU, Henri-Irénéé. “A história é inseparável do historiador”. In: Henri-Irénée Marrou. Do conhecimento histórico. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

PROST, Antoine. “As questões do historiador”. In: Doze lições sobre a história. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

SAVIGNY, Friedrich Karl von. De la vocacion de nuestra epoca para la legislacion y la ciencia del derecho. In: STERN, Jacques (comp.). La Codificación: Thibaut y Savigny. Madrid: Aguilar, 1970.

THIBAUT, Anton Friedrich Justus. Sobre la necesidad de un derecho civil general para Alemania. In: STERN, Jacques (comp.). La Codificación: Thibaut y Savigny. Madrid: Aguilar, 1970.

Sobre as autoras
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Luiza Carlos; ARAUJO, Camila Oliveira Honorato. A disputa Savigny-Thibaut sobre a necessidade de uma codificação para a Alemanha.: O caminho histórico para o positivismo jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5759, 8 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72122. Acesso em: 22 dez. 2024.

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