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A análise constitucional da atualização das faixas de incidência do imposto de renda da pessoa física sob a ótica do princípio da capacidade contributiva

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3 AS FAIXAS DE INCIDÊNCIA DO IRPF

Nas palavras de Kiyoshi Harada (2016, p. 593), “alíquota é o percentual incidente sobre a base de cálculo, ou, um valor prefixado para os chamados tributos fixos”. No caso do IRPF, a alíquota é o critério legal expresso em porcentagem que será aplicado à base de cálculo para que se identifique o montante tributado devido.

Atualmente, consoante o disposto na Lei nº 13.149/2015, a tabela progressiva mensal do IRPF apresenta quatro faixas de incidência – cinco,se considerada a faixa de isenção (alíquota zero, para quem percebe até R$ 1.903,98) –, cujas alíquotas progressivas, respectivamente, são: 7,5%, de R$ 1.903,99 até R$ 2.826,65; 15%, de R$ 2.826,66 até R$ 3.751,05; 22,5%, de R$ 3.751,06 até R$ 4.664,68; e 27,5%, acima de R$ 4.664,68.

Nota-se que o legislador ordinário, de fato, obedece ao disposto no texto constitucional no que tange à progressividade das alíquotas do IRPF. O que não se observa, entretanto, é a plena conformidade das faixas de incidência e respectivas alíquotas estabelecidas com a capacidade contributiva, haja vista que, desde 2011, somente foram fixadas quatro estreitas faixas de incidência do IRPF – apenas R$ 922,67 separam a primeira faixa da segunda, R$ 924,40 separam a segunda da terceira e R$ 913,62 separam a terceira da quarta e última faixa.

Resta evidente que as faixas de incidência são muito próximas, de modo que os contribuintes que percebem até R$ 4.664,68 mensais apresentam situações econômicas muito semelhantes, embora o tratamento tributário que recebem seja distinto. A alíquota dobra entre a primeira e a segunda faixa, triplica entre a primeira e a terceira e a quarta quase chega a 4 vezes o valor da primeira alíquota.

De outro lado, a última faixa de incidência é a que apresenta maior incongruência com a intenção do constituinte: o contribuinte que percebe renda igual R$ 4.664,69 mensais terá incidência dos mesmos 27,5% que um contribuinte que percebe R$ 100.000,00, ou R$ 1.000.000,00, por exemplo.

Dessa forma, os contribuintes das classes mais baixas são os que suportam maior ônus fiscal.

Considerada elevada desigualdade social observada no Brasil, é imperioso destacar que a intenção do legislador constituinte, ao determinar a tributação progressiva do Imposto sobre a Renda, era a promoção da adequada justiça fiscal. Para tanto, deveriam ser estipuladas pelo legislador ordinário alíquotas progressivas que aumentassem a partir do aumento expressivo da situação econômica dos contribuintes.

Destaque-se que, historicamente, já se observaram situações diversas da atual, para o bem e para o mal. Antes da promulgação da Constituição de 1988, que prevê expressamente a progressividade das alíquotas do IRPF, estas chegaram a variar de 5% até 60% em doze faixas de rendas líquidas (art. 1º do Decreto-lei nº 1.968/82 e parágrafo único do art. 9º do Decreto-lei nº 2.065/83). Já após a promulgação da mais recente Lei Maior, houve períodos em que vigoraram somente duas faixas de tributação (15% e 25%, consoante art. 3º da Lei nº 9.250/95).

Estabelecido o comparativo, pode-se dizer que, mesmo com a previsão expressa das alíquotas progressivas e da capacidade contributiva, houve não só a redução do número das faixas de renda, mas também o estreitamento dos valores comportados entre as faixas de incidência e a redução da alíquota máxima e do montante sobre o qual esta incide. Este montante mínimo sobre o qual incide a alíquota máxima se mostra baixo quando comparado com os valores sobre os quais anteriormente incidiam a alíquota máxima, refletindo um modelo tributário que foge ao ideal de justiça fiscal desejado pelo constituinte.

Segundo Harada (2016, p. 444), a redução do número de faixas de tributação se deve a um movimento mundial contra a tributação progressiva. Nem por isso outros países deixaram de aplicar progressividade mais acentuada. Segundo dados da Trading Economics, apesar de o Brasil apresentar alíquota máxima de 27,5% para o IRPF, este percentual é apenas o 35º mais alto do mundo. Países como a Suécia, Chade e Costa do Marfim apresentam alíquotas máximas que superam a faixa dos 60%.

Em termos de valores, nos Estados Unidos, por exemplo, a alíquota máxima de 37% incidirá somente sobre a renda anual superior a US$ 500.000,00 (quinhentos mil dólares), consideradas as declarações individuais ou do chefe de família, nos anos compreendidos entre 2018 e 2025, segundo dados do Comitê Conjunto de Tributação do Congresso dos Estados Unidos. Já no Brasil, a alíquota máxima de 27,5% incide sobre rendimentos anuais superiores a R$ 55.976,16, de acordo com dados da Receita Federal.

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Visível, através desta comparação, que a progressividade não tem sido adequadamente observada no sistema tributário brasileiro. Além disso, notório que o Imposto de Renda da Pessoa Física tem servido somente à finalidade fiscal, pois o aumento progressivo das alíquotas no Brasil não é compatível com a real situação econômica dos contribuintes, principalmente daqueles que revelam menor capacidade contributiva.


4 A ATUALIZAÇÃO PERIÓDICA DAS FAIXAS DE INCIDÊNCIA DO IRPF PARA PRESERVAÇÃO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Nos anos que antecederam a implementação do Plano Real (1994) no Brasil, o cidadão brasileiro conviveu com um cenário econômico instável em razão da hiperinflação, caracterizada pelo aumento generalizado dos preços – que poderia acontecer em intervalo de horas – e a consequente redução poder de compra do salário das pessoas. Trata-se, portanto, de razão inversamente proporcional, que sacrifica o cidadão, principalmente aqueles inseridos nas classes sociais mais baixas.

Dentre os objetivos do Plano Real de Fernando Henrique Cardoso, então Ministro da Fazenda, estava a estabilização da economia através do controle da inflação. Uma vez estabilizada a economia, algumas mudanças na Tabela do IRPF foram observadas.

De acordo com estudo periódico do Sindifisco Nacional (2018), até 1995 a Tabela do IRPF era corrigida periodicamente e organizada em valores de Unidades Fiscais de Referência (UFIR), um fator de compensação inflacionária, através de correção de elementos e valores monetários e fiduciários. A partir de 1996, entretanto, a Tabela do IRPF passou a ser expressa em reais e, no período compreendido entre 1996 e 2001, não houve reajuste.

Em 2002, houve um ajuste de 17,5%. Depois de o biênio 2003-2004 transcorrer sem qualquer ajuste, houve reajuste de 10% em 2005 e de 8% em 2006. No período compreendido entre 2007 e 2014, o reajuste anual foi fixado em 4,5%. Em 2015 foi realizado o ajuste de 5,6% e, desde então, a Tabela do IRPF permanece sem ajuste.

Ainda que se observe uma tímida progressividade das faixas de incidência na Tabela do IRPF, a atualização periódica dessas faixas de renda é essencial para que haja plena observância ao princípio da capacidade contributiva. Essa atualização deve ser realizada de acordo com a evolução de diversos fatores econômicos, inclusive para que seja efetivada a proteção ao mínimo existencial do contribuinte, dentre eles a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e Diretor de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional, Luiz Antonio Benedito (2013, p. 12), cita o salário mínimo nominal e o saldo de caderneta de poupança como outros exemplos de indicadores de crescimento econômico.

Segundo o Sindifisco Nacional (2018, p. 4), quando não há correção da Tabela do IRPF pelo índice de inflação, o contribuinte paga mais imposto de renda do que pagava no ano anterior. Se o reajuste realizado é inferior à inflação, fala-se em acúmulo de resíduo da correção. Desde 1996 até 2017, o resíduo médio das faixas de alíquota acumulado é de 88,4%.

Realizada uma breve análise dos dados obtidos a partir do histórico de atualização da Tabela e de dados fornecidos pelo DIEESE, foi possível estabelecer um comparativo ao longo dos últimos 22 anos.

Em janeiro de 1996, o salário mínimo nominal era R$ 100,00, enquanto o salário mínimo necessário era estimado em R$ 781,35 e a faixa de isenção do IRPF se estendia até R$ 900,00. Dessa forma, somente quem percebia valor superior a 9 salários mínimos pagava imposto de renda. Além disso, o mínimo existencial estava protegido, uma vez que o limite da faixa de isenção superava o salário mínimo necessário.

Já em janeiro de 2006, o salário mínimo nominal era R$ 300,00, enquanto o salário mínimo necessário era estimado em R$ 1.496,56 e a faixa de isenção do IRPF se estendia até R$ 1.257,12. Aqui, se observa que somente quem percebia valor superior a pouco mais de 4 salários mínimos seria tributado e o mínimo existencial já não era protegido pelo limite da faixa de isenção, este superando aquele ainda por menos de R$ 200,00.

Em janeiro de 2016, por sua vez, o salário mínimo nominal era R$ 880,00, enquanto o salário mínimo necessário era estimado em R$ 3.795,24 e a faixa de isenção do IRPF se estendia até R$ 1.903,98. Significa que uma pessoa precisava perceber apenas pouco mais do que 2 salários mínimos para ser tributado e a faixa de isenção sequer compreende valor correspondente à metade do salário mínimo necessário.

Segundo dados mais recentes, em outubro de 2018, o salário mínimo nominal é R$ 954,00, enquanto o salário mínimo necessário é estimado em R$ 3.783,39 e a faixa de isenção do IRPF ainda se estende até R$ 1.903,98. Assim, houve um aumento do valor do salário mínimo nominal enquanto o salário mínimo necessário apresentou relativa estabilização. Ao mesmo tempo, aquele que perceba 2 salários mínimos já não é mais isento de tributação relativa ao IRPF.

É facilmente perceptível o quanto apontado pelo Sindifisco em seu estudo periódico, segundo o qual “ao não corrigir integralmente a Tabela do IR, o governo se apropria da diferença entre o índice de correção e o de inflação, reduzindo a renda disponível de todos os contribuintes” (Sindifisco, 2018, p. 8).

Dados estimados no referido estudo (Sindifisco, 2018, p. 6), indicam que o valor mínimo da primeira faixa de renda líquida deveria ser superior a R$ 3.556,56, ou seja, ninguém que percebesse valor inferior deveria ser tributado. Significa que a faixa de isenção apresenta resíduo acumulado de 86,8%. Além disso, somente poderia incidir a alíquota máxima de 27,5% sobre rendas mensais superiores a R$ 8.837,92. A última faixa de incidência, por sua vez, apresenta resíduo acumulado de 90,37%.

Contrapostos esses dados ao valor do salário mínimo necessário estimado pelo DIEESE, nota-se que, caso a correção pelo índice de inflação de fato ocorresse, praticamente restaria protegido o mínimo existencial pela faixa de isenção.

Válido ressaltar, inclusive, que essa desconformidade entre Tabela do IRPF, bem como da defasagem em sua atualização e os preceitos constitucionais é matéria de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ADI 5096, proposta em 10 de março de 2014 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). A referida ADI, retirada de pauta em 29 de outubro de 2018, põe em xeque a correção da tabela progressiva referente à tributação do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) e, segundo notícia do STF,

a OAB apresenta histórico da legislação referente ao IR para demonstrar que a correção da tabela em percentual inferior à inflação viola preceitos constitucionais, como o conceito de renda (artigo 153, inciso III), a capacidade contributiva (artigo 145, parágrafo 1º), o não confisco tributário (artigo 150, inciso IV) e a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), “em face da tributação do mínimo existencial”. (NOTÍCIAS STF, 2014)

Tal como demonstrado no estudo anual do Sindifisco nacional, a OAB defende, em sua tese, o mínimo existencial e sustenta que a intenção do legislador em 1996, ao definir uma faixa de isenção, isto é, de não incidência do IRPF é a proteção dos assalariados que recebiam valor inferior a oito salários mínimos e, no entanto, quando da proposição da ADI em 2014, aquele que recebesse três salários mínimos já suportaria o ônus tributário do IR.

Falar em correção à Tabela do IRPF é também falar em correção das deduções relativas aos dependentes e à educação, por exemplo. Somente se poderia falar em capacidade econômico-contributiva após essas deduções, pois estas se referem a gastos necessários.

Atualmente, a dedução por dependente é de R$ 189,59 por mês (R$ 2.275,08 por ano). Segundo o estudo do Sindifisco acerca da defasagem do IRPF, este valor deveria girar em torno de R$ 357,19 mensais ou R$ 4.286,28 anuais.

No que tange à dedução relativa à educação, pela Tabela do IRPF somente é permitido deduzir até R$ 3.561,50 anuais, independentemente do quanto gasto, referentes a pagamentos de ensino formal, seja da educação básica, seja de nível médio ou superior, incluídas as pós-graduações. O Sindifisco observa que, para repor a defasagem inflacionária, o valor das deduções deveria ser corrigido para R$ 6.709,90 anuais.

Nos casos de deduções relativas à saúde e à moradia, são mencionadas as incongruências da legislação.

As despesas com medicamentos são um exemplo de restrição imposta pela lei às deduções, exceto se os medicamentos forem fornecidos pelo próprio estabelecimento hospitalar. Não seria razoável a referida restrição, além de incompatível com o princípio da capacidade contributiva, haja vista serem os medicamentos muitas vezes necessários e vitais, garantindo a sobrevivência do contribuinte.

No caso de despesas com moradia, o estudo defende a volta das extintas deduções dos alugueis residenciais e dos juros para o financiamento da casa própria, que eram permitidas até 1988. Isto porque a moradia é direito social assegurado constitucionalmente (art. 6º, da CF/88) e os gastos com moradia representam parcela considerável nas despesas familiares.

Tanto as incongruências na legislação quanto a defasagem na correção da tabela são, portanto, mais prejudiciais para aqueles cuja renda tributável é menor, o que configura grave ofensa aos princípios da capacidade contributiva e da progressividade. O que se observa é uma política predominantemente regressiva, que amplia a desigualdade distributiva, isto é, a concentração de renda, deixando de promover a justiça fiscal.

Sobre os autores
Ricardo Simões Xavier dos Santos

Advogado. Fundador do escritório Ricardo Xavier Advogados Associados. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Mestre e Doutorando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Especialista em Direito do Estado pelo Jus Podivm/Unnyahna e em Direito Tributário pelo IBET. Professor da Universidade do Estado da Bahia - UNEB , da Universidade Católica do Salvador - UCSal e da Escola Superior da Advocacia - ESA - Seccional da OAB/BA; Coordenador Curso de Pós-graduação em Direito Empresarial da Universidade Católica do Salvador - UCSal. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Tributação e Finanças Públicas - NEF da Universidade Católica do Salvador - UCSal

Ingrid Dube Fraga

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

XAVIER, Ricardo Simões Santos; FRAGA, Ingrid Dube. A análise constitucional da atualização das faixas de incidência do imposto de renda da pessoa física sob a ótica do princípio da capacidade contributiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5717, 25 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72283. Acesso em: 22 nov. 2024.

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