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Reforma da previdência para servidores:

em pouco tempo, poderá não existir mais garantias constitucionais previdenciárias

A reforma da previdência traz a possibilidade de o Executivo modificar todo o regramento previdenciário constitucional dos servidores, inclusive por medida provisória.

Uma das mais divulgadas alegações sobre a Reforma da Previdência gira em torno da idade mínima, parâmetros de aposentadoria, arrecadação, financiamento e benefícios para servidores públicos. No discurso, o governo refere que o combate a privilégios para mudar dispositivos constitucionais. Urge, porém, visualizar o que existe atualmente e o que está sendo proposto. 


Algumas Regras Constitucionais Atuais

1) Previdência complementar do servidor público - já existe atualmente:

Constituição Federal

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

II - compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 88, de 2015)

III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

(...)

§ 14 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

§ 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

Desta maneira, o servidor público inativo e pensionista pode auferir até o teto do RGPS, rompendo o pressuposto da aposentadoria no valor integral.  O servidor, nesta modalidade, recolhe valores superiores para o financiamento da Previdência Complementar. (Lei Federal 108/2001 e 109/2001).

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

Por exemplo, no Estado do Rio Grande do Sul, o servidor público recolhe, para se aposentar com o teto do RGPS, a porcentagem de  14% de sua remuneração até o valor máximo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), atualmente fixado em R$ 5.839,45. O Tesouro arca com o mesmo valor recolhido pelo servidor. 

Para ter um benefício maior, o servidor deve aderir a Previdência Complementar, contribuindo sobre o valor de sua remuneração que exceder os R$ 5.839,45,  de 4,5% a 7,5%. O Executivo, por sua vez, também irá arcar com o mesmo valor contribuído pelo servidor. 

2) Contribuição dos servidores inativos e pensionistas que recebem acima do teto do RGPS

Constituição Federal art. 40 (...)

§ 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

Dito isto, passamos a analisar a proposta de Reforma. Em que pese haver previsão de idade mínima, rol de benefícios, financiamento e contribuição de forma específica na PEC 06/2019, temos que fazer urgente destaque:Todo o regramento que se tem discutido para previdência dos servidores poderá ser completamente modificado. 


PEC 06/2019 - Regras Constitucionais "não" Transitórias

A PEC 06/2019 trouxe elenco de normas  transitórias (PEC 06/2019, CAPÍTULO III, art. 3ª). 

Isto é, até que se tenha uma Lei do Executivo Federal, e até mesmo normas do ente federativo, tais regras se aplicarão. A proposta de regras transitórias modifica, para mais, todas as idades e tempos de contribuição. Lembrando que as regras são essencialmente duras para trabalhadores que laboram em condições especiais, professores e até mesmo para Policiais Militares, aumentando substancialmente a idade e o número de contribuições. 

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Porém, nada fica garantido pela Constituição. Absolutamente nada... Sequer para os agentes de segurança pública. Senão, vejamos: 

PEC 06/2019

Art. 40. Aos servidores públicos titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas entidades autárquicas e suas fundações públicas, é assegurado regime próprio de previdência social de caráter contributivo e solidário, por meio de contribuição do respectivo ente federativo, dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo, nos § 1º, § 1º-A, § 1ºC e § 1º-D do art. 149 e no art. 249.

(...)

§ 1º Lei complementar de iniciativa do Poder Executivo federal disporá sobre as normas gerais de organização, de funcionamento e de responsabilidade previdenciária na gestão dos regimes próprios de previdência social de que trata este artigo, contemplará modelo de apuração dos compromissos e seu financiamento, de arrecadação, de aplicação e de utilização dos recursos, dos benefícios, da fiscalização pela União e do controle externo e social, e estabelecerá, dentre outros critérios e parâmetros:

I - quanto aos benefícios previdenciários:

a) rol taxativo de benefícios;

b) requisitos de elegibilidade para aposentadoria, que contemplará as idades, os tempos de contribuição, de serviço público, de cargo e de atividade específica;

c) regras para o:

1. cálculo dos benefícios, assegurada a atualização das remunerações e dos salários de contribuição utilizados;

2. reajustamento dos benefícios;

d) forma de apuração da remuneração no cargo efetivo, para fins de cálculo dos benefícios;

e) possibilidade de idade mínima e de tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria, exclusivamente em favor de servidores públicos:

1. titulares do cargo de professor que comprovem exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio;

2. policiais dos órgãos de que tratam o inciso IV do caput do art. 51, o inciso XIII do caput do art. 52 e os incisos I a IV do caput do art. 144;

3. agentes penitenciários e socioeducativos;

4. cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes nocivos químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedados a caracterização por categoria profissional ou ocupação e enquadramento por periculosidade; e

5. com deficiência, previamente submetidos à avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar; e 

f) regras e condições para acumulação de benefícios previdenciários;

III - forma de apuração da base de cálculo e de definição da alíquota das contribuições ordinária e extraordinária do ente federativo, dos servidores públicos, dos aposentados e dos pensionistas;

Desprende-se, da alteração do art. 40 da CF proposta, que NÃO haverá qualquer garantia constitucional na fixação de idade mínima, requisitos de tempo de contribuição, proporção da contribuição sob a remuneração e até mesmo rol de benefícios previdenciários. Tudo poderá ser alterado, inclusive por Medida Provisória (§ 1º, art. 40, PEC 06/2019). 

As regras alardeadas na imprensa dizem respeito a regras transitórias passiveis de modificação por lei. Aliás, a norma do art. 3ª do Capítulo III, da PEC 06/2019, diz respeito ao servidor "ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de promulgação desta Emenda à Constituição". Aos que vierem após a EC 06/2019, a regra será exclusivamente da Lei Federal, salvo melhor entendimento.

De fato, há previsão de aplicação idêntica ao RGPS para o caso de negligência administrativa na instituição do Regime Próprio de Previdência Social (art. 40, § 1ª, inciso II):

II - requisitos para a sua instituição e a sua extinção, a serem avaliados por meio de estudo de viabilidade administrativa, financeira e atuarial, vedada a instituição de novo regime próprio de previdência social sem o atendimento desses requisitos, hipótese em que será aplicado o Regime Geral de Previdência Social aos servidores públicos do respectivo ente federativo;

Além disto, choca também a previsibilidade de contribuição extraordinária.  O § 1º-C do art. 40 da Reforma relaciona a contribuição extraordinária a eventual déficit. Entretanto, não diferencia a natureza da origem do eventual déficit. Isto é, o servidor será penalizado se, por exemplo, o executivo federal impuser, até por Medida Provisória, alguma forma diferenciada na sua própria contribuição ao sistema, gerando ele mesmo o déficit.

PEC 06/2019

Art. 149.

O § 1º-C A contribuição extraordinária dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas observará os seguintes critérios:

I - dependerá da comprovação da existência de deficit atuarial e será estabelecida exclusivamente para promover seu equacionamento, por prazo determinado, e em conjunto com outras medidas para equacionamento do deficit, observado o disposto no inciso III do § 1º do art. 40; e

II - poderá ter alíquotas diferenciadas com base nos seguintes critérios, sem prejuízo de outros que venham a ser definidos pela lei complementar de que trata o § 1º do art. 40:

a) a condição de servidor público ativo, aposentado ou pensionista;

b) o histórico contributivo ao regime próprio de previdência social;

c) a regra de cálculo do benefício de aposentadoria ou de pensão implementado; e

d) o valor da base de contribuição ou do benefício recebido.

(...)

§ 1º-D Excepcionalmente, poderá ser autorizado, nos termos da lei complementar de que trata o § 1º do art. 40 e conforme os critérios e os parâmetros nela definidos, que lei do ente federativo amplie a base das contribuições extraordinárias dos aposentados e dos pensionistas, por período determinado e para fins de equacionamento do deficit atuarial de seu regime próprio de previdência social, de forma a alcançar o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que superem um salário-mínimo.

Desta forma, o que de fato está sendo proposto é um modelo de previdência sem qualquer garantia constitucional, do qual o servidor sequer terá previsibilidade sobre o percentual contributivo.

Além disto, a proposta pode instituir sistema previdenciário extremamente díspare, para pior, entre os entes federativos. Poderemos ter servidores que não poderão ter garantia de um valor mínimo de aposentadoria, mesmo tendo contribuído durante toda a vida. Afinal, as contribuições extraordinárias poderão confiscar substancialmente os proventos de aposentadoria. Não estamos falando de terminar privilégios, estamos falando da possibilidade de eliminar previsibilidade mínima até por Medida Provisória.

E esta é apenas uma análise preliminar...

Sobre os autores
Eunice de Araújo Gomes

www.adveunicegomes.com.br Graduada em Direito pela PUC/RS no ano de 2011. Trabalhou como advogada autônoma em escritórios de advocacia de Porto Alegre. Atualmente, advogada autônoma. Em andamento: Especialização de Direito de Família e Sucessões - PUCRS. Graduada em Enfermagem pela PUC/RS no ano de 2002. Foi residente do programa de Residência Multidisciplinar da Escola de Saúde Pública na área temática de Saúde Coletiva. Trabalhou, como Enfermeira, em hospitais de Porto Alegre e Região Metropolitana nas áreas de UTI e Pós Operatório.

José Cláudio de Magalhães Gomes

José Cláudio de Magalhães Gomes OAB/RS 42188 Auditor Fiscal do Trabalho aposentado. Foi chefe de fiscalização do trabalho da Delegacia Regional do Trabalho no RS e Delegado Substituto do mesmo órgão. Foi professor de Direito do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica PUC-RS e instrutor de treinamento do Ministério do Trabalho. Foi Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho e da Associação Gaúcha dos Auditores Fiscais do Trabalho. Foi Conselheiro Técnico da Delegação Brasileira em Conferências Internacionais do Trabalho, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, Suíça. Foi representante fundador da Confederação Ibero-americana de Inspetores do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Eunice Araújo; GOMES, José Cláudio Magalhães. Reforma da previdência para servidores:: em pouco tempo, poderá não existir mais garantias constitucionais previdenciárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5753, 2 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72327. Acesso em: 26 dez. 2024.

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