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Terras públicas

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Agenda 07/09/2005 às 00:00

6- Do regime Jurídico dos Bens Públicos

            Os bens públicos sujeitam-se a uma disciplina especial, haja vista a titularidade da propriedade e sua destinação. Esta disciplina especial constitui o denominado "regime jurídico dos bens públicos" que passaremos a explicitar. Desde já podemos adiantar que nas atividades relacionadas aos bens públicos sobressai a mesma limitação a que está submetida a Administração Pública no que concerne aos fins a que se destina, ou mais especificamente ao escopo magno do bem comum.

            Desta situação deflui a aplicação imediata dos princípios do Direito Administrativo, mais de perto os princípios da legalidade, publicidade, finalidade e indisponibilidade. Trataremos deles mais adiante. Por ora tratemos dos princípios específicos da disciplina dos bens públicos que são a imprescritibilidade, a impenhorabilidade, inalienabilidade e a impossibilidade de oneração.

            6.1- Imprescritibilidade:

            Os bens públicos constituem em substância res extracomercium [31]. Contra eles não pode correr prescrição aquisitiva. Não obstante, grassou longa polêmica acerca da possibilidade de usucapião sobre terras públicas. Após a vigência do Código Civil revogado, e seguindo o assento da corrente predominante na jurispudência, vieram o Decreto 22.785 de 31-5-1933, o Decreto- lei n 710, de 17-09-1938, e o Decreto-lei 9.760, de 5-09-1946, proibindo o usucapião sobre imóveis públicos, além da súmula nº 340 do Supremo Tribunal Federal [32]

            As Constituições de 1937 e 1946 permitiam a usucapião através do chamado usucapião pro labore [33]. A Constituição de 1967 permitiu se viabilizasse, via legislação infraconstitucional, o estabelecimento de condições para legitimação de posse e de preferência para aquisição, o que sobreveio pela lei 6.383/76 [34]. Após, com o advento da Lei 6.969, de 10/12/1981, voltou-se a contemplar a possibilidade de um usucapião pro labore. A nova Constituição proíbe peremptoriamente o usucapião nos artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único [35]. Igualmente o novo Código Civil é peremptório em vedar o usucapião de bens públicos (artigo 102).

            6.2- Impenhorabilidade

            A penhora constitui procedimento prévio à alienação. Sendo inalienáveis, a priori, os bens públicos não se sujeitam à penhora. Da mesma forma, o artigo 100 da Constituição de 1988 prevê a disciplina de precatórios para o pagamento das obrigações por parte da Administração Pública, afastando, por conseguinte, a possibilidade de hasta pública sobre bens do Estado [36].

            6.3- Inalienabilidade

            Os bens de uso comum e especial são inalienáveis a teor do artigo 67 do CC [37] revogado e 100 do novo CC. Mas como ressalva Celso Antônio Bandeira de Mello, a própria existência do princípio da legalidade já seria um óbice considerável a que se pudesse alvitrar a alienabilidade os bens públicos. A impenhorabilidade, à luz da inalienabilidade, já se torna superfetação porque o que é inalienável é, por natureza, impenhorável.

            6.4- Não oneração

            São indenes, também, os bens públicos a onerações, não se podendo sobre eles constituir penhor, hipoteca ou anticrese. Esta é a tese defendida por Meirelles, a nosso ver com acerto, fundamentado na sua impenhorabilidade e inalienabilidade [38]. Realmente, ditas onerações perderiam sentido frente a impossibilidade de alienação do bem, tornando-se vazias de conteúdo.


7- Afetação e Desafetação

            A inalienabilidade os bens não é, todavia, absoluta, posto que podem ser afetados ou desafetados, mudando de categoria e tornando-se alienáveis [39]. Uma vez desafetados, os bens públicos de uso comum ou especial passam a ser bens dominicais e passíveis de alienação. Mas os princípios da legalidade e da indisponibilidade da coisa pública, somados ao princípios da publicidade, da igualdade dos administrados frente à Administração e da moralidade, impõe limitações concernentes à forma pela qual se processam as alienações de bens públicos.

            O princípio da legalidade, expressamente contemplado na Constituição Federal, artigo 37, limita atuação da Administração à rigorosa observância da legalidade estrita de modo que à Administração não é dado fazer o que a lei permite, mas sim o que ela determina e tão somente isto. Na definição da doutrina, o princípio toma matizes diferenciados mas convergentes. Hely Lopes Meirelles ao tratar da legalidade, aduz: " A legalidade, como princípio da administração(CF art 37, caput), significa que o administrador público esta, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e à exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar sob pena de praticar ato inválido e expor-se às responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. A eficácia de toda a atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei. Na Administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ´´ pode fazer assim´´; para o administrador público significa ´´deve fazer assim´´(...).Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda a ação administrativa" [40].

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            Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que: Este é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo. Justifica-se, pois, que seja tratado - como o será- com alguma extensão e detença. Com efeito, enquanto o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o da legalidade é especificamente do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já eu o Direito Administrativo( pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma conseqüência dele. É o fruto da submissão do estado á lei. É, em suma: a consagração da idéia de que a Administração pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei. Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto -o administrativo- a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo- que é o colégio representativo de todas as tendências(inclusive minoritária) do corpo social- garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral. O princípio da legalidade contrapõe-se portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos países subdesenvolvido. O princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação a cidadania. Nesta última consagra a radical subversão do anterior esquema de poder assentado na relação soberano-súdito.(....). Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração ás leis. Esta deve tão somente obedecê-las, cumpri-las e pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes. Obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativ, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro" [41]. José Cretella Júnior opina que: " Aplicado à Administração o princípio da legalidade expressa a regra segundo a qual A administração neste ponto, não está a regime diferente a que se subordinam os particulares.(...). É o grande princípio que domina a atividade do Estado- o da submissão à legalidade lato sensu- sentido em que é tomado hoje, na linha tradicional da antiga formulação do Estado legal ou Estado de Direito." [42].

            No escólio de Diogenes Gasparini: "Qualquer ação estatal, sem o correspondente calço legal ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é anti-jurídica e expõe à anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o particular. De fato, este pode fazer o que a lei autoriza e tudo o que alei não proíbe; aquele só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. Vale dizer, se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir, salvo situações excepcionais...A esse princípio também se submete o agente público. Com efeito, o agente da administração pública está preso à lei e qualquer desvio de suas imposições pode nulificar o ato e tornar seu autor responsável, conforme o caso, disciplinar, cível e criminalmente" [43].

            Maria Sylvia Zanella Di Pietro traz à colação a seguinte definição: "Segundo o princípio da legalidade, a administração só pode fazer o que a lei permite....Em decorrência disso, a Administração não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto ela depende de lei" [44]

            Também a moralidade pública constitui um pressuposto de qualquer ato jurídico, e ela só estará presente mediante a observância de um a série de circunstâncias denotadoras de licitude e honestidade, entroncando-se com princípios da moral comum e da ética [45]. O princípio da publicidade tem um entroncamento com outros princípios pois é a publicidade que permite aferir-se a observância dos outros princípios, como a igualdade e a moralidade administrativas. Meirelles nos lembra que a publicidade não é elemento formativo do ato, mas sim requisito de eficácia e moralidade.

            Segundo o administrativista, "em princípio, todo ato administrativo deve ser publicado, por que é a Administração que o realiza, só se admitindo sigilo nos caos de segurança nacional, investigações policiais ou interesses superiores da administração a ser preservado em processo previamente declarado sigiloso nos termos de decreto federal 79.099 de 6.1.77" [46].Na feliz observação de Bandeira de Mello "consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático, no qual o poder reside no povo art. 1, § único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida" [47]

            A igualdade dos administrados perante a administração é outro princípio presente, corolário, aliás, do princípio da isonomia, consagrado no artigo 5º caput, e inciso 1, da CF/88, e se traduz no princípio da impessoalidade. Não pode a Administração, no seu atuar, estabelecer discriminações ilegais e indevidas a favor de quem quer que seja, e isto vale para todos os seus atos. Ressalta Di Pietro que o principio pode tomar duas conotações. Afirma a autora que "no primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem de nortear o seu comportamento" [48].

            A aplicação enfeixada destes princípios implica a submissão das alienações de bens públicos a uma disciplina legal rígida, carecendo a alienação de bens imóveis de autorização legislativa e obediência de qualquer alienação aos ditames da oferta pública. A afetação, ao revés implica tornar inalienável o bem na medida em que ingressa em categoria de bens não sujeitos a alienação [49]. Entram em voga os artigos 17, 19, 22 e 23 da lei 8.666/93 [50] no caso de alienação.


8- Aplicação dos Institutos Civis.

            Alguns institutos do direito civil aplicam-se, mutatis mutandis, aos bens públicos. Tal aplicação fica limitada aos bens dominicais, haja vista o fato de que os bens de uso comum ou especial só podem ser utilizados privadamente através de autorização, concessão e permissão, objeto do tópico seguinte. São aplicáveis os institutos da locação, do aforamento ou anfiteuse, do arrendamento, do comodato e o direito real de uso. A locação está prevista no decreto nº 9.760/46, apresentando normas derrogatórias do direito civil que o especializam. Os contratos destinar-se-ão a locação de bens para a) residência de autoridades federais ou de outros servidores da União, no interesse do serviço público; b) para residência de servidor da União, em caráter voluntário; c) por quaisquer interessados [51].

            Mesmo ante a expressa previsão legal, o instituto sofre mordaz crítica de Hely Lopes Meirelles para quem "a locação é contrato típico de direito Privado, onde as partes devem manter equivalência de situações nos direitos e obrigações que reciprocamente assumirem. Por isso se conceitua a locação como contrato bilateral perfeito, oneroso, comutativo e concensual. Ora, no Direito Administrativo jamais se poderá traspassar o uso e gozo do bem público com as características da locação civil, porque implicaria renúncia de poderes irrenunciáveis da Administração, para que ela viesse a se colocar em igualdade com o particular, como é da essência desse contrato no campo do Direito Privado. O só fato de uma lei administrativa, primando pela falta de técnica, referir-se erroneamente a um instituto civil não é o bastante para implantá-lo em nosso direito público" [52].

            A concessão de direito real de uso está prevista no Decreto-lei nº 271/67. Trata-se de um contrato pelo qual a Administração transfere, como direito real resolúvel, o uso remunerado ou gratuito de terreno público ou do espaço aéreo que o recobre para que seja utilizado com fins específicos por tempo certo ou por prazo indeterminado [53]. Como lembra Hely Lopes Meirelles, "a concessão de uso, como direito real, é transferível por ato inter vivos ou por cessão legítima ou testamentária, a título gratuito ou remunerado, como os demais direitos reais sobre coisas alheias, com a só diferença de que o imóvel reverterá à Administração concedente se o concessionário ou seus sucessores não lhe derem o uso prometido ou desviarem de sua finalidade contratual". [54]

            O aforamento ou anfiteuse é instituto previsto nos artigos 678 a 694 do CC revogado, e para os bens da União, no Decreto-lei 9.760/46, caracterizando-se pela cissão do domínio útil da nua propriedade [55]. O instituto não foi consagrado no novo CC.O arrendamento está previsto no Decreto 30.625/58. A cessão em comodato pela Lei 8.647/65, regulamentada pelo Decreto 47.241/66 [56].

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Terras públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 796, 7 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7235. Acesso em: 18 mai. 2024.

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