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A legitimidade do Ministério Público para execução de pena de multa no processo penal

Agenda 11/05/2019 às 10:10

O fato de a multa penal ser cobrada por procuradoria de fazenda pública não lhe retira a sua natureza penal.

Com o advento da Lei 9.268/96, o artigo 51 do Código Penal passou a considerar a pena de multa como dívida de valor, sendo aplicáveis à execução dessa sanção as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública. Entendeu o Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1.160.207/MG, Relator Ministro Sebastião Reis, DJe de 19 de dezembro de 2011) que a multa criminal tornou-se executável por meio de adoção de procedimentos próprios da execução fiscal, afastando-se a competência da Vara das Execuções Penais. Ainda de acordo com tal entendimento oriundo da Corte Especial e da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, é da Fazenda Pública a legitimidade para promover a execução de pena de multa imposta em sentença penal condenatória e não do Ministério Público.

Porém esse entendimento modificou-se após recente decisão do Supremo Tribunal Federal.

Consoante o site do STF, de 13 de dezembro de 2018, por maioria de votos, o Plenário definiu que o Ministério Público é o principal legitimado para executar a cobrança das multas pecuniárias fixadas em sentenças penais condenatórias. Naquele dia, 13 de dezembro, os ministros entenderam que, por ter natureza de sanção penal, a competência da Fazenda Pública para executar essas multas se limita aos casos de inércia do MP.

O tema foi debatido conjuntamente na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3150, de relatoria do ministro Marco Aurélio, e na 12ª Questão de Ordem apresentada na Ação Penal (AP) 470, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. A controvérsia diz respeito ao artigo 51 do Código Penal, que estabelece a conversão da multa pecuniária em dívida de valor após o trânsito em julgado da sentença condenatória, e determina que a cobrança se dê conforme as normas da legislação relativa à dívida ativa. A Procuradoria-Geral da República ajuizou a ADI 3150 pedindo que o texto seja interpretado de forma a conferir legitimidade exclusiva ao MP para executar essas dívidas. A União, por sua vez, argumentou que a competência seria da Fazenda Pública.

Foi de relevância o entendimento do ministro Roberto Barroso.

O voto do ministro Roberto Barroso reafirmou o entendimento apresentado na 12ª Questão de Ordem na AP 470 no sentido da procedência parcial da ADI 3150. Segundo ele, o fato de a nova redação do artigo 51 do Código Penal transformar a multa em dívida de valor não retira a competência do MP para efetuar sua cobrança. Ele lembrou que a multa pecuniária é uma sanção penal prevista na Constituição Federal (artigo 5º, inciso XLVI, alínea “c“), o que torna impossível alterar sua natureza jurídica por meio de lei. Ressaltou, também, que a Lei de Execuções Penais (LEP), em dispositivo expresso, reconhece a atribuição do MP para executar a dívida.

Segundo Barroso, o fato de o MP cobrar a dívida, ou seja, executar a condenação, não significa que ele estaria substituindo a Fazenda Pública. O ministro destacou que a condenação criminal é um título executivo judicial, sendo incongruente sua inscrição em dívida ativa, que é um título executivo extrajudicial. Reafirmando seu voto na 12ª Questão de Ordem na AP 470, o ministro salientou que, caso o MP não proponha a execução da multa no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença, o juízo da vara criminal comunicará ao órgão competente da Fazenda Pública para efetuar a cobrança na vara de execução fiscal. “Mas a prioridade é do Ministério Público, pois, antes de ser uma dívida, é uma sanção criminal”, reiterou.

Seguiram essa corrente os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (presidente). Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que votaram pela improcedência da ADI por entendem ser competência da Fazenda Pública a cobrança da multa pecuniária.

A ADI 3150 foi julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme a Constituição ao artigo 51 do Código Penal, explicitando que, ao estabelecer que a cobrança da multa pecuniária ocorra segundo as normas de execução da dívida pública, não exclui a legitimidade prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na vara de execução penal. A questão de ordem foi resolvida no sentido de assentar a legitimidade do MP para propor a cobrança de multa com a possibilidade de cobrança subsidiária pela Fazenda Pública.

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Anteriormente, o STJ, no julgamento do REsp 1.519.777/SP, entendeu que  apesar de o legislador transformar a dívida decorrente da sanção penal em dívida tributária (Lei 9.268/96), mantêm-se alguns efeitos penais, como a extinção da punibilidade pelo pagamento da multa.

O relator do recurso repetitivo, ministro Rogerio Schietti Cruz, observou que essa decisão foi contrária à jurisprudência do STJ. Segundo ele, a corte já definiu que, com a alteração do artigo 51 do Código Penal, trazida pela Lei 9.268/96, passou-se a considerar a pena pecuniária como dívida de valor e, portanto, de caráter extrapenal.

O ministro destacou ainda que, caso ocorra o inadimplemento, a execução passa a ser de competência exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública, não mais do Ministério Público.

Isso significa – explicou Schietti – que o direito estatal de punir “exaure-se ao fim da execução da pena privativa de liberdade ou da restritiva de direitos, porquanto em nenhum momento engloba a pena de multa, considerada dívida de valor a partir do trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

O entendimento pela extinção da punibilidade em razão do cumprimento da pena privativa de liberdade, ainda que pendente o pagamento da multa, foi acompanhado de forma unânime pelos ministros da Terceira Seção.

Assim foi concluído, naquele julgamento que a Lei 9.268/96, que deu nova redação ao artigo 51 do Código Penal não extirpou do diploma jurídico a possibilidade de conversão da pena de multa em detenção, no caso de descumprimento da pena pecuniária.

Nesse entendimento, nessa nova feição, o entendimento trazido pelo Superior Tribunal de Justiça é de que a pena de multa não possui mais o condão de constranger o direito a locomoção do sentenciado (HC 81.480 AgR/SP, Relator Ministro Sydney Sanches, DJ de 5 de abril de 2002).

Ainda para esse entendimento, a alteração legislativa leva a que se considera a multa como uma dívida de valor. Por essa razão a redação da Súmula 521 do STJ, onde se lê que “A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Fazenda Pública”.

Nessa linha, tem-se vários julgamentos como o REsp 1.166.866/MS, Relatora Ministra Assussete Magalhães, Dje de 18 de setembro de 2013.

Concluiu o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que extinta a pena privativa de liberdade(ou restritiva de direitos) pelo seu cumprimento, o inadimplemento da pena de multa não obsta a extinção da punibilidade, uma vez que após a nova redação do artigo 51 do Código Penal, dada pela Lei 9.268/96, a pena pecuniária é considerada uma dívida de valor, possuindo caráter extrapenal, de forma que sua execução é da Procuradoria da Fazenda Pública 

Data venia, e com o devido respeito, o fato de a multa penal ser cobrada pela Procuradoria da Fazenda Pública não lhe retira a sua natureza penal. Em sendo penal, enquanto ela não for paga, não se poderá falar em extinção da punibilidade, com o cumprimento da sanção condenatória imposto pelo juízo criminal competente.

De toda sorte, o Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento de que cabe ao Ministério Público a legitimidade ativa para execução da pena de multa, cabendo, apenas na inércia daquela instituição permanente, a legitimidade subsidiária da Fazenda para tal.  

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A legitimidade do Ministério Público para execução de pena de multa no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5792, 11 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72845. Acesso em: 21 nov. 2024.

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