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Atualidades sobre a ação pauliana

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Agenda 25/03/2019 às 19:05

Aspectos práticos

Não foi estabelecido um procedimento especial, assim, aplica-lhe o procedimento comum (artigos 318 a 512 do CPC).

A legitimidade ativa é do credor prejudicado, frisa-se, ao tempo da fraude, privado de qualquer garantia real que sirva de situação privilegiada.

Cabe ao autor na inicial demonstrar que seu crédito antecede ao ato fraudulento, que o devedor estava ou, por decorrência do ato, veio a ficar em estado de insolvência e, cuidando-se de ato oneroso - se não se tratar de hipótese em que a própria lei dispõe haver presunção de fraude - a ciência da fraude (scientia fraudis) por parte do adquirente, beneficiado.

Exemplos de prova neste contexto são os atos de protesto, distribuição de ações executivas e de falência, parentesco, sociedade, amizade e etc.

A lei protege o terceiro adquirente de boa-fé. Assim sendo, para o êxito da ação deve o autor provar a scientia fraudis, como bem observado pelo Relator Des. Lazaro Guimarães, no REsp n. 1.294.462, acima transcrito:

“o que se exige, de fato, é o conhecimento do estado de insolvência do devedor pelo terceiro, sendo certo que tal conhecimento é presumido quando a situação for notória ou houver motivos para ser conhecida do outro contratante"

Doutra parte, a legitimidade passiva, é o devedor que praticou o ato fraudulento.

Compartilhando do posicionamento do Professor Dinamarco [12], no sentido que a ação em estudo visa obter a ineficácia do ato de disposição fraudulento do devedor, não se mostra necessário o litisconsórcio passivo necessário do adquirente do bem, porquanto, como bem frisado pelo ilustre processualista:

“A legitimidade passiva do devedor e o litisconsórcio necessário entre ele e o adquirente só podem ser sustentados por quem continuar pensando que as fraudes do devedor produzem a anulabilidade do ato e que o resultado da ação pauliana seja uma anulação – porque nesse caso não seria possível anular o ato sem a presença de todos que nele houverem participado (litisconsórcio necessário-unitário)...”

“A legitimidade passiva é exclusiva do adquirente do bem, cuja esfera de direitos poderá resultar desfalcada se a demanda do credor vier a ser julgado procedente e, consequentemente, o bem adquirido puder ser submetido à penhora”

Por outro lado, poderá o réu na sua resposta provar a sua solvência, após o ato de disposição do seu bem e/ou outro ato oneroso, mediante a prova da garantia de patrimônio suficiente para responder por suas obrigações.

A ação própria para apreciar o vício de fraude a credores é a pauliana, não podendo ser reconhecida incidentalmente em sede de embargos de terceiros:

Neste sentido:

“A fraude é discutível em ação pauliana, e não em embargos de terceiro. Precedentes da 1.ª, 3.ª  e 4.ª  turmas e da 2.ª  Seção do STJ” (E. Div. no REsp 46.192-2-SP).

Na ação revocatória, cuja finalidade é apenas a declaração de ineficácia do negócio celebrado dentro do termo legal da quebra, não é admitida a denunciação da lide, uma vez que esta traria ao processo um novo litígio completamente divorciado da causa principal.

A ação pauliana tem caráter pessoal porquanto visa garantir ao credor prejudicado e quirografário, sem qualquer garantir real sobre o bem alienado pelo devedor, o retorno a sua esfera de domínio, que ficou reduzido à insolvência, como forma de garantir o cumprimento do crédito daquele.

Por consequência, devem obedecer as regras de competência estatuídas no artigo 46 do CPC (domicílio do réu).

O valor da causa da ação deve ser equivalente ao negócio na qual se pretende ver declarado ineficaz. Se imóvel, pode ser o seu valor venal.

Ressalte-se que o objeto da ação pode ser a existência de fortes indícios de movimentação fraudulenta de ativos financeiros do devedor em prol de familiares e partes a ele relacionados.

Deste modo, poderá o causídico da parte autora pleitear perante o juízo da ação a quebra do sigilo bancário via BACEN/COAF de todos os envolvidos para se apurar o destino final dos ativos financeiros ocultados.

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Bem de família x fraude contra credores

Tendo o bem penhorado retornado ao patrimônio do devedor após acolhimento de ação pauliana, é de se excluir a aplicação da Lei 8.009, porque seria prestigiar a má-fé do devedor.

Segundo a conhecida lição de Clóvis:

"não é ao lado do que anda de má-fé que se deve colocar o direito; sua função é proteger a atividade humana orientada pela moral ou, pelo menos, a ela não oposta" (REsp 123.495/MG, Rel. MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 23/09/1998, DJ 18/12/1998, p. 360)

Neste contexto, a 4ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça não diverge:

“Informativo nº 0040. Período: 15 a 19 de novembro de 1999. QUARTA TURMA:

BEM DE FAMÍLIA. AÇÃO PAULIANA. NÃO APLICAÇÃO DA LEI N.º 8.009/90.

O único imóvel pertencente ao devedor, que retornou ao seu patrimônio após anulada doação por reconhecida a fraude, é de se excluir da aplicação da Lei n.º 8.009/90, sob pena de prestigiar-se a má-fé, já que se desfez de suas propriedades ao longo da execução. Precedente citado: REsp 119.208-SP, DJ 2/2/1998. REsp 141.313-RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 18/11/1999”

E a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Fraude contra credores. Alienação de imóvel. Anterioridade do crédito e consilium fraudis reconhecidos. Dívida constituída quando da subscrição de cédulas de crédito.

Procedência da ação pauliana que impõe o retorno do bem ao patrimônio do devedor, sujeitando-se à execução. Regra da impenhorabilidade do bem de família inaplicável à espécie, sob pena de se prestigiar a má-fé. Precedentes. Recurso improvido. (Apelação nº 1011111-02.2016.8.26.0196. Rel. Des. Augusto Rezende. Julgado em 26/02/19)

Com a procedência da ação pauliana o imóvel retorna ao patrimônio do devedor, que se sujeitará aos atos de execução para a satisfação do crédito do autor, prestigiando-se a boa-fé e a efetividade do processo nas contendas judiciais.


Prazo decadencial

A natureza do prazo para o exercício da ação revocatória é de decadência, e não de prescrição, considerando que a desconstituição de negócio jurídico realizado com fraude configura direito potestativo do credor, ainda que, nesse caso, somente possa ser exercido por meio de ação judicial.

O prazo é de quatro anos, nos termos do inciso II do artigo 179 do Código Civil:

“Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:

II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico”

O prazo decadencial não se interrompe nem se suspende segundo a regra do art. 207 do Código Civil:

“Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”

Contudo, o simples ajuizamento desta ação tem o condão de interromper, por obvio, o prazo de decadência, momento em que o credor salvaguarda seu direito e a partir do qual não mais corre o prazo de decadência.

O Registro do titulo aquisitivo respectivo no assento imobiliário constitui o termo inicial do prazo decadencial de quatro anos, nos casos envolvendo bens imóveis, ocasião em que o ato registrado passa a ter validade contra terceiros (erga omnes)

Acerca do termo inicial do prazo decadencial da ação pauliana são os seguintes precedentes:

“DIREITO CIVIL. PROCESSO CIVIL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA. SÚMULA N.  7/STJ. AÇÃO PAULIANA. PRESSUPOSTOS. ATENDIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO-COMPROVAÇÃO.

1. O termo inicial do prazo decadencial de 4 (quatro) anos para a propositura de ação pauliana cujo fim é a anulação de contrato de compromisso de compra e venda é a data do registro dessa avença no cartório imobiliário, oportunidade em que esse ato passa a ter efeito erga omnes e, por conseguinte, validade contra terceiros. (...)” (Quarta Turma, REsp 710.810/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 10.3.2008)

“Direito civil. Agravo no recurso especial. Ação pauliana. Prazo

Decadencial. Termo inicial. Registro Imobiliário.

- A decadência é causa extintiva de direito pelo seu não exercício no prazo estipulado em lei, cujo termo inicial deve coincidir com o conhecimento do fato gerador do direito a ser

pleiteado.

- O termo inicial do prazo decadencial de quatro anos para propositura da ação pauliana é o da data do registro do título aquisitivo no Cartório Imobiliário, ocasião em que o ato registrado passa a ter validade contra terceiros. Precedentes. Agravo no recurso especial não provido.  (Terceira Turma, AgRg no REsp 743.890/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJU de 3.10.2005)

Nos demais atos de disposição fraudulentos (movimentação de ativos e etc) o prazo decadencial se inicia a partir da data da ciência ou realização do negócio/transação.


Conclusão

O instituto da fraude contra credores somente tem razão de ser com o advento da noção de responsabilidade patrimonial do devedor, porquanto é apenas neste momento que se coloca a questão da insuficiência do patrimônio para responder pelas dívidas.

O artigo 789 do Código de Processo Civil é claro em afirmar que o devedor responde com todos os seus bens, presentes e futuros, para o cumprimento de suas obrigações.

A responsabilidade patrimonial do devedor fez surgir uma clara obrigação no sentido de não alterar a solidez do seu patrimônio, destinado à satisfação de seus credores, como uma garantia de caráter real.

Este limite é traçado pelo princípio da boa-fé que deve permear as contendas judiciais.

Repreende-se, portanto, os atos de disposição praticados pelo devedor eivados de fraude. [11]

A Fraude pode ser compreendida como qualquer artifício ardil, engenhoso, vil, utilizada pelo devedor por meio de transações ou atos de disposição para com terceiro com o intuito de causar prejuízos econômicos aos credores.

Em suma, é todo o ato de disposição praticado pelo devedor prejudicial ao credor (eventus damni) por tornar o devedor insolvente ou ter sido praticado em estado de insolvência.

O atual Código Civil, conforme visto acima sedimentou a ocorrência presumida de fraude contra os credores nos artigos 158 e 159 do Código Civil.

Todavia, na prática, no julgamento das ações desta natureza é necessário conferir maior operabilidade à fraude contra credores, por meio de conceito objetivo, afastando-se a necessidade de produção de provas extremamente difíceis ou diabólicas.

Deste modo, é presumida a intenção fraudulenta em se tratando de transmissão gratuita ou por preço vil de propriedade de vultosa importância, ainda mais a parente ou conhecido do devedor.

Ao analisar as provas o Juízo deve perquirir acerca da razoabilidade do ato de disposição nas circunstancias que o cercam, de modo a tentar encontrar motivos que o legitimem com amparo no princípio da boa-fé. Se positivo, o ônus da prova da fraude recairá sobre o credor, autor da ação, e se for negativa, ao réu/devedor.

Essa regra de julgamento propiciará ao instituto mais efetividade, utilidade prática e operabilidade [12]. 

Assim, do conjunto dos fatos, emergem indícios, circunstâncias e presunções capazes de demonstrar a configuração do vício do ato jurídico.

Nessa seara, a Doutrina [14] não diverge no que tange a força da presunção como força para legitimar esta ação:

Ora, se, como pretende Jorge Americano, "a prova da insolvência pode ser de qualquer natureza, e resulta, geralmente, da circunstância de se recusar o réu a dar bens à penhora, combinada com o fato de se não encontrarem, efetivamente, bens penhoráveis", permite-se afirmar, em termos mais amplos, que a presunção representa poderoso instrumento de convicção do julgador para o reconhecimento da insolvência do devedor, capaz de legitimar a ação pauliana.

Assim, "a insolvência do devedor é presumida pela lei quando, executado, não tem bens para oferecer à penhora", quando, "por ocasião da penhora, o oficial de justiça certificou que não encontrou bens a penhorar"; se, "ao executar a sentença acolhedora da cobrança, a autora não conseguiu encontrar bens para penhora"; pois "o fato de ter sido instaurado procedimento executivo, em que inviável se apresente a penhora por não encontrados bens do executado sobre os quais possa incidir a constrição, faz surgir a presunção da insolvência, posto que não tem o devedor bens que respondam pelo seu débito"(...)

(...)

Para demonstração do acerto desse entendimento, lembra-se ainda que "a negativa do autor, relativamente à insolvabilidade do réu, na alegação da fraude contra credores, é de ordem geral, tornando-se universal; negativa dessa natureza não deve ser provada por quem a alegue, cabendo ao réu destruí-la com a prova de sua solvência, mesmo por que essa prova não se faz da natureza anterior, ficando circunscrita ao particular"; assim, "não é ao credor que incumbe a prova negativa da insolvência (...)"

(...) Por todos, demonstra Jorge Americano ser esta a melhor orientação:

"Ao devedor incumbe a prova de que tem bens de igual ou maior valor. Atendendo a tal circunstância é que o Código Civil português (de 1867) consagrou o preceito (art. 1.043) de que, 'se a parte que alega a insolvência do devedor provar o quanto montam as dívidas deste, ao mesmo devedor incumbe a prova de que tem bens de igual ou maior valor'"

O atual texto do artigo 158 do código civil é claríssimo a esse respeito, assentando a dispensabilidade existência de consilium fraudis – manifesta intenção de lesar o credor - com a inclusão da frase "ainda quando o ignore".

O objetivo do instituto é a proteção dos credores e seu fundamento é resguardar e tornar eficaz a regra segundo a qual o patrimônio do devedor constitui a garantia geral das obrigações.

Sob este contexto, deve-se evitar impor ao credor - autor da ação - o ônus de produção de provas extremamente difíceis ou, até mesmo, impossíveis, em face da dinamicidade dos negócios, desapegando-se do rigorismo formal, em detrimento ao seu direito.

Portanto, o que se exige, a rigor, na hipótese do art. 159 do CC/2002, em atenção à operabilidade do instituto da fraude contra credores, é a scientia fraudis, isto é, o conhecimento, pelo terceiro, da situação de insolvência do devedor (que pode ser presumida), e não o consilium fraudis, que, verdadeiramente, foi abstraído pela lei.


Referências Bibliográficas

[1] ARAUJO JUNIOR, Gediel Claudino de. Prática no Processo Civil. 20ª. Ed. GEN. Pág. 427.

[2] [3] [9] [11] [12] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Volume IV. Malheiros editores. Págs. 387, nota de rodapé, 378, 379, 384 e 388.

[4] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2017, p. 605.

[5] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Validade. 14. ed. São Paulo: Saraiva, p. 253.

[6] ANDRADE NERY, Rosa Maria de; NERY JUNIOR, Nelson. Instituições de Direito Civil: Parte Geral. 2. tir. São Paulo: RT, p. 280 e 283-284.

[7] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Validade. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 255).

[8] AZEVEDO, Álvaro Villaça In AZEVEDO, Álvaro Villaça (Coord.). Código Civil comentado: negócio jurídico, atos jurídicos lícitos, atos ilícitos: arts. 104 a 188. v. II. São Paulo: Atlas, 2003, p. 240.

[10] Como bem observado pelo Professor Dinamarco: “Isso não significa que os credores posteriores ou aqueles que não propuseram a ação pauliana fiquem ao total desamparo do sistema jurídico. Se nada lhes sobrar para a penhora, resta-lhes promover a falência do devedor, ou sua insolvência civil (CPC, art 748 ss.) com o quê atrairão todo o patrimônio deste a uma dessas execuções universais e coletivas” DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Volume IV. Malheiros editores. Pág. 388.

[11] “Quando há fraude, o contracto é verdadeiro, mas feito para prejudicar a terceiro, ou evitar impostos, ou iludir qualquer disposição de lei” (FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis. 3. ed. Rio de Janeiro: H, Garnier, 1896, p. 240)

[13] “em matéria de fraude contra credores, possuem grande importância as provas circunstanciais, os indícios, as presunções, sendo certo, ademais, que se deve ter, diante do caso concreto, uma visão global e de conjunto da cadeia de acontecimentos, sobretudo naquelas hipóteses que envolvem a prática de uma miríade de atos jurídicos encadeados” (AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.294.462 - GO (2011/0109650-3). Rel Min. LÁZARO GUIMARÃES. Julgado em 20/03/18. 4ª. Turma do E. Superior Tribunal de Justiça).

[14] CAHALI, Yussef Said. Fraude Contra Credores. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2013, p. 144, 148-149.

Sobre o autor
Alexandre Assaf Filho

Pós-Graduado em Direito Societário - Instituto Insper (SP). Especialização em Processo Civil (Lato Sensu) - FAAP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSAF FILHO, Alexandre. Atualidades sobre a ação pauliana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5745, 25 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72914. Acesso em: 23 dez. 2024.

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