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Contribuição previdenciária do segurado facultativo não é tributo

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Agenda 27/03/2019 às 14:55

O legislador estabeleceu critérios específicos para a delimitação da relação jurídica do segurado facultativo, diferentes dos estabelecidos para os demais segurados da previdência social.

Resumo: A previdência social é uma das mais importantes políticas públicas dentro de um Estado Democrático de Direito que se propõe a assegurar o bem estar de seus cidadãos nas situações de desamparo que a vida humana pode propiciar. Assim, o Estado institui contribuições obrigatórias, de natureza tributária, para todos os que exercem atividade remunerada, com o fito de amparar estes próprios contribuintes quando tais contingências ocorrerem. O Estado, com o objetivo de aumentar a cobertura social, criou a figura do segurado facultativo, cuja contribuição é voluntária. Faz-se necessário investigar se tal contribuição se encaixa como tributo como a dos demais segurados da previdência social, cujo resultado trará repercussões diversas conforme o produto da investigação. Assim, coteja-se a figura do segurado facultativo e de sua contribuição à luz de uma comparação com os demais segurados obrigatórios do sistema previdenciário oficial bem como com o regramento geral dos tributos disposto no Código Tributário Nacional. A conclusão não pode ter sido outra que não a constatação de que a exação da figura do segurado facultativo não possui a natureza tributária da de suas figuras previdenciárias congêneres.


1 INTRODUÇÃO

O Estado, enquanto entidade político-jurídica, “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território1” (DALLARI, 1998, p. 44), embora algumas vezes atue na ordem econômica através de entidades de direito privado como empresas públicas e sociedades de economia mista de onde obtém lucro, não produz riquezas para o custeio das políticas públicas de sua responsabilidade para assegurar os direitos fundamentais mínimos para seus cidadãos.

Com isso, o Estado retira tais recursos da sociedade para custear suas atividades lançando mão do seu principal instrumento de captação de dinheiro: os tributos. Instituídos e cobrados de forma que os administrados não possuem liberalidade em seu pagamento, os tributos são a fonte mais segura e importante para que o Estado possa assegurar os serviços públicos que dele se espera.

Justamente por essa premente necessidade de custeio de determinadas politicas públicas, o legislador constituinte criou a figura das contribuições, cujo destino da arrecadação é específico para determinadas áreas como instrumento necessário para seu financiamento.

O presente trabalho tem por escopo investigar um objeto específico dentro do campo das referidas contribuições especiais: a contribuição do segurado facultativo da Previdência Social.

Sobre o tema, de forma surpreendente, encontramos lugar ermo na doutrina e jurisprudência pátrias, somente ecoando a voz solitária de Hugo Góes 2na doutrina que aduz “[...] no caso específico da contribuição do segurado facultativo, entendo que a natureza jurídica não é tributária, e sim de seguro público facultativo. No tocante às demais contribuições sociais, não há dúvida: a natureza jurídica é tributária.”. Na jurisprudência, encontramos uma manifestação no TRF da 4° Região:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRESCRIÇÃO. LC Nº 118/2005. SEGURADO FACULTATIVO. APOSENTADORIA RETROATIVA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. [...] Se o INSS tivesse reconhecido o direito à aposentadoria ao tempo do pedido administrativo, o autor não teria motivo para filiar-se à Previdência, na qualidade de segurado facultativo, depois da cessação do desempenho de atividade de sujeição obrigatória ao Regime Geral. Aos recolhimentos feitos no período de filiação como segurado facultativo, unicamente com o intuito de impedir a perda da condição de segurado e de submeter-se a novo período de carência, falta a compulsoriedade, característica essencial dos tributos. Impõe-se a restituição dos valores indevidamente recolhidos, nos termos do art. 89, caput e parágrafo 4º, da Lei n° 8.212/1991. [...] (AC nº 2004.04.01.052210-9/RS, 1ª Turma, Rel. Des. Federal Vilson Darós, D.E. de 08.10.2008). (grifo nosso)

Investigar-se-á se esta possui a mesma natureza jurídica das contribuições dos demais segurados da Previdência Social, definindo primeiro qual a natureza jurídica das contribuições previdenciárias de um modo geral e tecendo-se considerações sobre as relações existentes entre o cidadão-contribuinte e o Estado-prestador.

Confrontar-se-á características e elementos da figura do segurado facultativo e das condições em que contribui para o Regime Geral de Previdência Social, traçando paralelos acerca de critério material, formação do crédito, prazo decadencial para contribuições em atraso, dentre outras, as quais nos conduzirão, de forma inevitável, à constatação de que essa exação não possui natureza tributária.

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2 NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

Esculpida dentro do Título VIII da Constituição Federal de 1988 (CF/88), chamado de “Da Ordem Social”, a Previdência Social é instituição que visa assegurar àqueles que a ela sejam filiadas prestações de natureza pecuniária, desde que comprovadas determinadas contingências sociais da vida humana, expressamente determinadas no Texto Magno, mediante a participação, como regra, dos filiados no custeio do sistema, sem prejuízo da manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial deste.

Contudo, conforme assevera Bulos (2012)3, nem sempre o espírito do sistema foi este e somente com a Emenda Constitucional (EC) n°20/98 o constituinte passou a ter preocupação com as contas da previdência social, inserindo a necessidade de preservação do equilíbrio do sistema com a equalização do fluxo de receitas e despesas e consequente sobrevivência do sistema.

Para o custeio do referido sistema, o art. 149 da CF/88 estabelece que a União possui competência para o estabelecimento das contribuições sociais como instrumento para sua atuação nas suas respectivas áreas. Para o financiamento da seguridade social, com a sua subdivisão determinada pela Carta Maior em saúde, assistência social e previdência social, o art. 195 da CF/88 impõe imperatividade ao custeio do sistema pelo Estado e pela sociedade como um todo, sem prejuízo de elencar situações em que sujeitos individualmente considerados terão tal obrigação.

Considerando justamente o caráter compulsório da exação, instituída por lei e cobrada pelo ente público arrecadador com a finalidade de custear a Seguridade Social, ainda que não relacionada dentre as espécies tributárias do art. 145 da CF/88 e no art. 5° do Código Tributário Nacional (CTN), Castro e Lazzari (2011)4asseveram que a contribuição previdenciária tem natureza tributária, sem prejuízo de apontar que esta, embora não disposta no art. 145 da CF/88, está no art. 149 do Texto Magno, dentro do capítulo “Do Sistema Tributário Nacional”. Tal posição, é chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 1992, com o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n° 146.733-9/SP, em célebre voto do Ministro Moreira Alves, cuja passagem transcrevemos:

EMENTA: [...] De fato, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145, para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. [...] (STF, RE 146.733-9/SP, Rel. Ministro Moreira Alves, j. 29/06/1992, DJ 06/11/1992. (grifos nossos).


2 RELAÇÃO JURÍDICA DE CUSTEIO X RELAÇÃO JURÍDICA DE PRESTAÇÃO

O sistema de previdência social brasileiro é caracterizado por ser de natureza contributiva e filiação obrigatória para todos aqueles que exercem atividade remunerada dentro do sistema econômico-social através do qual estes, regularmente vinculados ao regime de previdência, poderão gozar dos benefícios do plano quando do acontecimento das contingências sociais por ele cobertas.

Conforme explanado acima, temos na primeira hipótese o que chamamos de relação jurídica de custeio, a qual, no escólio de Castro e Lazzari5 (2011), financia a Seguridade Social brasileira como um todo através das contribuições vertidas por seus segurados com destinação específica para o Orçamento da Seguridade Social. Não é demais lembrar que o art. 165 da CF/88 estabelece que a lei orçamentária anual deverá prever em seu bojo três contas específicas para repartição dos recursos: o orçamento fiscal, o orçamento da seguridade social e o orçamento de investimento das empresas da União.

Se não bastasse a vinculação das receitas das contribuições sociais para uma conta específica dentro da Lei Orçamentária Anual, qual seja o orçamento da seguridade social, para execução desses recursos exclusivamente dentro do âmbito das políticas públicas de seguridade social, a Carta Magna prevê, em seu art. 167, XI, outra vinculação ainda mais específica de aplicação dos recursos provenientes das contribuições sociais incidentes sobre os salários e remunerações a qualquer título pagas a pessoas que prestem serviços a empresas, bem como daquelas incidentes sobre a folha de salários das referidas entidades, para o pagamento dos benefícios previstos na legislação previdenciária, vedando quaisquer outros destinos, o que demonstra ainda mais o laço existente entre a relação de custeio, especificamente quanto às diretamente relacionadas aos potenciais beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, e a sua correspondente contraprestação pelo Estado.

Não obstante a necessidade do custeio para que possa haver a respectiva contraprestação estatal quando da ocorrência do fato gerador do benefício, os segurados da previdência social, por determinado lapso temporal estabelecido pela Lei n° 8.213/1991, mesmo deixando de contribuir, farão jus aos benefícios assegurados por sua condição de filiação, desde que o fato gerador se dê dentro do referido prazo, conhecido como prazo de manutenção da qualidade de segurado.

Se por um lado tem-se a situação acima em que mesmo não estando em dia com a exação tributária há prestação pelo Estado, por outro temos contribuintes que sujeitos ao poder de império do Estado em cobrar as contribuições para o custeio da seguridade social, mas que desta não se beneficiarão, pelo menos de forma direta. Para estes há relação de custeio sem correspondente contraprestação, em homenagem ao princípio da solidariedade social não esculpido de forma expressa no Texto Magno, mas cuja presença e vivacidade vemos nitidamente difundido dentro do sistema constitucional brasileiro. Como exemplos, cita-se a contribuição patronal sobre a folha de salários da empresa, a qual conforme precitado custeará exclusivamente o pagamento dos benefícios do plano, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), estas últimas para o financiamento de toda a seguridade social.


3 DEFINIÇÃO DO SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO JURÍDICA

Sendo a relação jurídica de custeio da seguridade social eminentemente tributária, socorremo-nos ao conceito do CTN para afirmar que o sujeito passivo desta relação é a pessoa obrigada legalmente ao pagamento de contribuição ou de penalidade em decorrência do descumprimento desta.

Abalizado pela definição da legislação tributária geral, a Lei n° 8.212/1991, que dispõe sobre o custeio da seguridade social, estabelece dois grandes grupos de sujeitos passivos: os segurados da previdência social e os empregadores.

Empregadores, para a legislação previdenciária, buscando satisfazer o princípio da solidariedade social, é conceito larguíssimo que abrange tanto empresas privadas como entidades da administração pública e pessoas físicas que remunerem, a qualquer título, pessoas físicas pela prestação de serviços a estes.

Segurados, por sua vez, são todas as pessoas que exercem atividade remunerada dentro da ordem econômica, seja por conta própria ou por conta de outrem, desde que não vinculados a outro regime previdenciário de natureza obrigatória, como o regime próprio de previdência dos servidores públicos, cujos entes públicos tenha instituído tal regime, ou os funcionários de organismos internacionais em, exercício no país, cujos empregadores possuam um fundo previdenciário próprio.

A legislação previdenciária, conforme a forma de realização do critério material da hipótese de incidência tributária, subdividiu os segurados em seis classificações: empregados, trabalhadores avulsos, empregados domésticos, contribuintes individuais, segurados especiais e facultativos.

As três primeiras classes precitadas têm como principal característica a tributação por substituição. Estes não fazem diretamente o recolhimento de suas contribuições previdenciárias, mas têm elas retidas por suas fontes pagadoras, ficando estas responsáveis pelo recolhimento da contribuição daqueles junto das suas respectivas exações patronais.

Já os contribuintes individuais, classe subsidiária pois todo aquele que exerce atividade remunerada e não se enquadra nas delimitações legais das outras classes nesta será enquadrado, deverão recolher aos cofres da Previdência Social suas respectivas contribuições por conta própria. Abre-se parêntese para os contribuintes individuais prestadores de serviços a empresas e entidades a esta equiparadas pela legislação previdenciária que, desde 1° de Abril de 2003, data da publicação da Lei n°10.666/2003, terão a sua contribuição em relação a remuneração auferida nesta relação descontada e recolhida pela fonte pagadora.

Quanto às duas classes restantes, a relação jurídica existente não seguirá o modelo até aqui exposto para as quatro classes anteriores. Por política legislativa e de inclusão social, a legislação estabelece uma isenção condicionada para os segurados especiais, assim entendidos como as pessoas físicas residentes em imóvel rural ou urbano que labutem nas atividades agropastoris, pesqueiras ou afins, desde que em regime de economia familiar ou individualmente, de forma que a atividade tenha por fito a subsistência do indivíduo e seu grupo familiar em condição de mútua assistência e dependência e sem constituir elemento de empresa, que comprovem o exercício de atividade rural para que tenham acesso à prestações de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.

Caso estes queiram obter benefícios de valor acima desse piso, ou logrem aposentar-se por tempo de contribuição, sem necessitar chegar a uma idade mínima, deverão verter contribuições ao sistema, obviamente de forma facultativa, já que não há imposição de contribuição obrigatória para estes filiados, o que cria uma figura híbrida de conformação sui generis no sistema por ser filiado obrigatório ao sistema, mas de participação no custeio facultativa.

Por último temos a figura do segurado facultativo, figura criada pelo legislador para atender ao princípio da universalidade do atendimento erigido no art. 194, I, da CF/88. O conceito de segurado facultativo é de natureza residual. Somente poderá ser segurado facultativo aquele que não for obrigatoriamente filiado ao Regime Geral de Previdência Social, conforme art. 14 da Lei n° 8.212, bem como não seja vinculado a regime próprio de previdência social, nos termos do art. 201, § 5°, da CF/88.

Pela própria essência da figura do segurado facultativo, que não possui filiação ao Regime Geral de Previdência Social de forma impositiva pela legislação, acreditamos que sua participação para o custeio com o fito de se resguardar de contingências sociais não possui natureza tributária.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Gleriston Albano Cardoso. Contribuição previdenciária do segurado facultativo não é tributo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5747, 27 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72939. Acesso em: 22 dez. 2024.

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