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Contribuição previdenciária do segurado facultativo não é tributo

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Agenda 27/03/2019 às 14:55

4 NATUREZA JURÍDICA NÃO-TRIBUTÁRIA DA CONTRIBUIÇÃO DO SEGURADO FACULTATIVO

A definição de tributo vem de forma perfeitamente estatuída pelo art. 3° do CTN como “[...] toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”.

Por sua vez, todos os segurados obrigatórios da previdência social deverão contribuir para o custeio do sistema mediante alíquotas incidentes sobre seu salário de contribuição, como consequência do seu exercício de atividade remunerada, possuindo como marco inicial da sua relação jurídica com a Previdência Social, data de início da filiação, a data de início da atividade ou do pagamento da primeira contribuição em dia, conforme o caso, independentemente do efetivo recolhimento para aqueles que não tem a obrigação de recolher diretamente e sem prejuízo da cobrança do Fisco em relação àqueles que detém obrigação de recolhe por conta própria e não o fazem. A filiação, portanto, é obrigatória para todos estes independentemente de sua vontade de se filiar ao sistema, por determinação legal, daí se cumprindo o caráter compulsório da exação.

Tal situação simplesmente não se verifica com quem é segurado facultativo. Nas brilhantes palavras de Castro e Lazzari (2011, p. 197):

Considera-se a filiação, na qualidade de segurado facultativo, um ato volitivo, gerador de efeito somente a partir da inscrição e do primeiro recolhimento, não podendo retroagir e não permitindo o pagamento de contribuições relativas a competências anteriores à data de inscrição.

Como admitir a uma exação natureza tributária sem que esta possua possivelmente o principal contorno de um tributo, qual seja o seu caráter compulsório? Acerca da força imperativa dos tributos, não podemos prescindir do magistério do mestre Paulo de Barros Carvalho (2011):6

Na sua linguagem técnica, misto de linguagem comum e de linguagem científica, reporta-se o legislador a uma conduta que ele regula com o dever-ser próprio do direito, numa de suas três modalidades — obrigatório. Não é precisamente essa a forma adotada no dispositivo, mas é o conteúdo. Prestação pecuniária compulsória quer dizer o comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro, afastando-se, de plano, qualquer cogitação inerente às prestações voluntárias (que receberiam o influxo de outro modal — o “permitido”). Por decorrência, independem da vontade do sujeito passivo, que deve efetivá-la, ainda que contra seu interesse. Concretizado o fato previsto na norma jurídica, nasce, automática e infalivelmente, o elo mediante o qual alguém ficará adstrito ao comportamento obrigatório de uma prestação pecuniária. (grifo nosso)

Seguindo os ensinamentos do insigne Professor, a contribuição como segurado facultativo nada mais é do que uma faculdade dada àquelas pessoas não abrangidas pelos sistemas de previdência de filiação obrigatória que queiram se valer do sistema de proteção contra contingências sociais oficial, avalizado pelo Estado. O conceito de prestação voluntária e tributo, definitivamente, não se coadunam.

4.1 Substrato fático da exação voluntária

Enquanto a filiação dos segurados obrigatórios da previdência social se dá com a realização do critério material da hipótese de incidência tributária, exercício de atividade laboral remunerada a título de verba alimentar, para os segurados facultativos a conduta no mundo fenomênico que o vinculará ao Regime Geral de Previdência Social será a sua inscrição voluntária, mediante cadastramento junto ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), operacionalizado pelo INSS, via Número de Identificação do Trabalhador (NIT), no Regime Geral de Previdência Social, conforme art. 11, § 3°, do Decreto n° 3.048/1999.

Ora, o simples ato de inscrição em um cadastro não denota nenhuma efetiva alteração no mundo fenomênico do qual se possa auferir algum caráter patrimonial a justificar uma cobrança compulsória caso este não se cadastre, como no caso dos segurados obrigatórios, mas, no entanto, no caso do segurado facultativo da previdência social, é condição necessária e suficiente para que este possa contribuir com o Regime Geral de Previdência Social.

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Admitir natureza tributária à contribuição do segurado facultativo seria dizer que um tributo teria sua existência material condicionada não a um fato econômico do contribuinte, independentemente de sua vontade, mas ao alvedrio do contribuinte que assim o quisesse, o que não nos parece se amoldar ao próprio conceito de tributação como ato de império do Poder Público.

4.2 Formação do crédito a pagar

Para os segurados obrigatórios da Previdência Social, a base de cálculo da contribuição será, de forma singela, a remuneração auferida dentro do período de apuração do tributo, no caso das contribuições previdenciárias o mês civil, sobre a qual incidirá alíquotas conforme a forma de filiação e o montante da base de cálculo, conceito conhecido como salário de contribuição.

Dessa forma, existe um critério específico para a delimitação da base de cálculo, facilmente apurável quando de uma fiscalização para verificação da regularidade das exações tributárias. As contribuições previdenciárias são modalidade de tributo sujeito a lançamento por homologação, portanto o sujeito passivo primeiro efetua o recolhimento do tributo no montante que acredita correto para que depois a Administração Tributária aprecie a obrigação realizada.

Situação distinta acontece com o segurado facultativo. A Lei n° 8.212/1991 estabelece que para o segurado facultativo o salário de contribuição será o valor por ele declarado, nos termos do art. 28, IV, da lei supra. Aqui está mais uma das situações em que devemos tomar cuidado com a literalidade das palavras.

Diferentemente do que acontece com as empresas, que possuem a obrigação acessória de informar via Guia de Recolhimento do FGTS e informações à Previdência Social (GFIP) quem são os sujeitos passivos, sua forma de filiação e os valores de remuneração e contribuição previdenciária das pessoas que naquele mês receberam, daquelas, remuneração a qualquer titulo, o segurado facultativo não precisa informar mediante nenhum tipo de declaração ao Fisco o montante que pretende recolher. A “declaração” a que a lei alude nada mais é do que o próprio pagamento da contribuição calculada sobre o valor que o segurado voluntariamente deseja contribuir.

O próprio segurado facultativo, assim, constitui o crédito que almeja pagar, conforme suas possibilidades e anseios com os valores dos benefícios que deseja obter quando alguma contingência social dentro da cobertura do plano se realizar.

Não se vislumbra como o Fisco poderia de alguma forma contestar o valor da contribuição do segurado facultativo, como pode ocorrer com qualquer tributo submetido a lançamento por homologação, já que o valor de contribuição é estipulado unilateralmente pelo segurado, dentro de parâmetros que são de seu foro íntimo. De que forma poderia o Fisco efetuar uma Notificação de Lançamento (NL) ou lavrar um Auto de Infração (AI) sem uma forma objetiva de apuração do crédito em que se amparar?

Os mais desavisados poderiam apontar que seria possível a realização do lançamento quando o segurado facultativo efetua-se recolhimentos sobre valor inferior ao salário-mínimo, fora das hipóteses em que a legislação previdenciária admite, já que a lei estabelece tal parâmetro como o mínimo sobre o qual está autorizado a contribuir o segurado facultativo.

Contudo, não se poderia admitir tal situação já que se estaria coagindo ao pagamento de uma exação pessoas que estão em situação de vulnerabilidade ainda maior que os segurados obrigatórios, já que não exercem atividade remunerada, geralmente contribuindo com a ajuda de terceiros, e que passaram a contribuir de forma volitiva, desvirtuando o espírito da criação da figura, que é a inclusão de pessoas nos sistema de previdência oficial, e consequentemente, causando a evasão das pessoas do sistema. Em tal situação, o segurado facultativo não poderá contar com aquela competência paga a menor para qualquer fim até que complemente para pelo menos o valor mínimo ou, querendo, poderá optar por ter restituído o valor recolhido a menor.

4.3 Prazo para adimplir contribuição do facultativo em atraso X prazo decadencial do CTN

A Lei n° 8.212/1991, em seu texto original, previa em seus artigos 45 e 46 um prazo decadencial de dez anos para o pagamento das contribuições previdenciárias. Contudo, tais artigos foram declarados pelo STF inconstitucionais por intermédio da Súmula Vinculante n° 8, passando tal prazo decadencial a ser regulado pela regra de decadência tributária prevista art. 173 do CTN.

Tal prazo vale tanto para o Fisco constituir o crédito não pago ou pago a menor como para o pagamento espontâneo das contribuições pelos sujeitos passivos. Assim, os créditos tributários das contribuições sociais das empresas e dos segurados obrigatórios, se não pagos no vencimento, poderão ser pagos voluntariamente, sem atuação do Fisco, dentro deste lapso temporal com os respectivos acréscimos legais.

Sem embargo do exposto, a legislação previdenciária estabelece prazo diverso e muito inferior para que o segurado facultativo possa efetuar contribuições em atraso. O art. 11, § 4°, do Decreto 3.048/1999 estabelece que o segurado facultativo somente poderá efetuar pagamento de contribuição em atraso dentro do prazo de sua manutenção da qualidade de segurado.

O prazo de manutenção da qualidade de segurado, conceito que já expomos previamente, do segurado facultativo é em regra de seis meses, podendo ser dilatado para até doze meses, na hipótese de cessação de benefício por incapacidade que este estivesse gozando. Portanto, somente dentro desses prazos, o segurado facultativo poderá adimplir período contributivo em atraso.

Com tal tratamento, fica clara a intenção do legislador ordinário de diferenciar a natureza da exação do segurado facultativo dos demais segurados obrigatórios da previdência social e, por conseguinte, dos demais tributos em espécie. Raciocínio diverso deste, conduziria a ter que aplicar às contribuições dos segurados facultativos o mesmo prazo de prescrição quinquenal do Código Tributário Nacional.

4.4 Possibilidade de ajuizamento de execução fiscal

A execução fiscal é o “processo de execução por quantia certa, fundado em título executivo extrajudicial de constituição unilateral, a Certidão de Dívida Ativa (CDA), através do qual se busca a prestação da tutela jurisdicional executiva.” 7

Conforme precitado, não se vislumbra como o Fisco poderia constituir unilateralmente o crédito referente à contribuição previdenciária dos segurados facultativos, quando a determinação legal é justamente que tal exação é determinada pelo próprio segurado a seu alvedrio, conforme seu foro íntimo.

Se o Fisco não tem parâmetros para constituir o crédito tributário e, portanto, manejar seus instrumentos administrativos para a cobrança, como a NL e o AI, sem olvidar da própria natureza volitiva da contribuição, por óbvio, não poderá em juízo coagir o segurado a efetuar o pagamento das exações destes segurados. Trata-se de aplicação por negação de um famigerado brocardo jurídico: “Quem não pode o menos, não pode o mais”. Se não há como se exigir a cobrança administrativa, muito menos se poderá a judicial.

4.5 Possibilidade de restituição

A Instrução Normativa RFB n° 1.300/2012 disciplina normas acerca de restituição, compensação, ressarcimento e reembolso dos tributos e demais exações no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

O referido ato normativo, com base no art. 165, I, e art. 168, I, do CTN, estabelece que os tributos pagos indevidamente, parcial ou totalmente, poderão ser restituídos a quem solicitar no prazo de cinco anos contados da data da extinção do crédito tributário, v.g. a data do recolhimento. Tal prazo se aplica à restituição das contribuições previdenciárias do segurado facultativo?

Definitivamente não deve se aplicar. Negada a natureza tributária desta exação, não se pode impor aos segurados facultativos a possibilidade de restituição dos valores somente nos últimos cinco anos. Contudo, embora não se deva limitar a possibilidade de restituição a esse prazo, deve-se impor uma condição resolutória para o direito a restituição da contribuição do segurado facultativo.

Deve-se permitir a restituição das exações efetuadas pelo segurado facultativo a qualquer tempo, desde que essas não tenham sido utilizadas no cálculo do salário de benefício de qualquer prestação previdenciária que o segurado facultativo tenha pleiteado e sido concedida.

Trata-se de analogia com a previsão esculpida na Lei n° 8.213/1991, em seu art. 96, III, para a contagem recíproca do tempo de contribuição entre regimes previdenciários diferentes, regra que se aproxima do instituto da portabilidade existente nos planos de previdência privada.


5 CONCLUSÃO

A importância de se determinar a natureza jurídica não-tributária da contribuição do segurado facultativo se faz imperativa para assegurar as garantias e direitos destes que tiveram a faculdade de se filiar ao regime de previdência oficial, como efetiva materialização do princípio constitucional da seguridade social de universalidade do atendimento.

Observamos que o legislador estabeleceu critérios específicos para a delimitação da relação jurídica do segurado facultativo, diferentes dos estabelecidos para os demais segurados da previdência social, bem como observamos, talvez, o maior argumento que se pode observar para não enquadrar a contribuição objeto deste trabalho científico como tributo: o caráter voluntário da exação.

Destarte, podemos perceber com o raciocínio demonstrado nesse trabalho, que não se pode cogitar de enquadrar a contribuição do segurado facultativo como de natureza tributária.


Referências

BULOS, Uadi Lammego. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de direito tributário. ed.24. São Paulo: Saraiva, 2011.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 13. ed. São Paulo: Conceito, 2011.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. ed. 2. São Paulo: Saraiva, 1998.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Processo tributário. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014.


Notas

1 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. ed. 2. São Paulo: Saraiva, 1998, p.44.

2 Góes, Hugo. Manual de direito previdenciário. 7. ed. São Paulo: Ferreira, 2011, pág. 152.

3 BULOS, Uadi Lammego. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1561-1562.

4 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 13. ed. São Paulo: Conceito, 2011, p. 236-237.

5 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 13. ed. São Paulo: Conceito, 2011, p. 153-158.

6 CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de direito tributário. ed.24. São Paulo: Saraiva, 2011.

7 SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Processo tributário. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 225.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Gleriston Albano Cardoso. Contribuição previdenciária do segurado facultativo não é tributo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5747, 27 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72939. Acesso em: 22 dez. 2024.

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