Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Horas extras na remição por trabalho

Agenda 02/04/2019 às 23:24

As horas extras de trabalho são tema importante à mitigação do tempo de cumprimento da pena estipulada na sentença penal, na medida em que aceleram o fluxo da remição e este, por si só, pode diminuir o tempo no cárcere em um terço ou até mais.

As horas extras de trabalho são tema importante à mitigação do tempo de cumprimento da pena estipulada na sentença penal, na medida em que aceleram o fluxo da remição e este, por si só, pode diminuir o tempo no cárcere em um terço ou até mais, a depender da cumulação de trabalho e estudo.

Isso posto, o objeto do presente artigo é a breve análise do instituto em comento e a aplicabilidade das horas extras ao trabalho do apenado, com alusão aos dispositivos legais, doutrina e jurisprudência pertinente.


I) DA REMIÇÃO POR TRABALHO

Antes de adentrar os pormenores da jornada de trabalho do preso, cumpre elucidar alguns aspectos basilares da remição, que é um desconto na pena relativo ao trabalho, estudo, leitura, dentre outras hipóteses, geridos pelos reeducandos. É assunto mais relacionado à execução penal, vide sua presença na Lei de Execução Penal (Lei nº 7210/84), mas é completamente possível aproveitá-lo para as prisões cautelares, de caráter processual ou pré-processual, em consonância com o Art. 126, § 7º, da lei mencionada, acrescido em 2011.

O tempo remido pelo ressocializando é aquele no qual o sujeito desempenhou determinadas atividades e conseguiu diminuir o efetivo cumprimento de pena. Este lapso temporal, portanto, é computado como pena cumprida além da que é diariamente preenchida pelo natural andamento da execução. Com relação ao labor, a lei refere que, a cada três dias de trabalho, um dia é remido, ou seja, será um dia a mais que o sujeito terá realizado nos regimes fechado e semiaberto, os quais são os únicos que comportam remição por trabalho.

Dentre os requisitos para a remição laboral dentro do estabelecimento prisional, fora trabalhar o tempo estipulado em lei, estão o reconhecimento do labor pelos agentes fiscalizatórios (não podendo o reeducando restar prejudicado pela incapacidade logística penitenciária para fiscalização) e atestado de trabalho feito pela direção do presídio. No caso do trabalho externo, convém fazer prova do tempo trabalhado também.

Sobre a precariedade do sistema penitenciário brasileiro e a remição, faz bons comentários Guilherme de Souza Nucci.

Em caso da inexistência de trabalho ou estudo no presídio: se o Estado não providencia trabalho ou estudo ao preso, falha no seu dever de manter e fazer funcionar a contento o estabelecimento penitenciário sob seu controle e administração. Esse vício dá ensejo à propositura do incidente de desvio de execução. Cabe ao magistrado utilizar o seu poder de fiscalização para obrigar o órgão competente a tomar as medidas cabíveis a suprir a deficiência. Porém, não cremos se possa aceitar, como tempo remido, o período passado em pleno ócio por parte do sentenciado. Fosse admissível, desvirtuar-se-ia a finalidade da remição, que é a redenção da pena pelo esforço pessoal do preso.

Sobre a amplitude das modalidades de trabalho, imperam os apontamentos de Rodrigo Duque Estrada Roig.

Considerando também que a LEP não exige que o trabalho realizado seja contínuo, duradouro ou organizado, deve ser admitida a remição mesmo pela prestação de trabalho esporádico ou ocasional, ainda que voluntário e não remunerado. Basta que haja o registro, em planilha, dos dias trabalhados. De fato, a lei não faz restrições quanto à forma, natureza ou a duração da prestação laborativa, não podendo o intérprete limitá-la em desfavor do indivíduo.

A cartografia legal da remição encontra-se nos artigos 126 e seguintes, mas, ao estudo, é imperativa a remissão ao Art. 33 da LEP, que trata de jornada. Conforme este, o tempo normal do expediente interno ou externo (já que pouco importa onde será desempenhado), público ou privado, é de seis a oito horas, com descanso aos domingos e feriados. Por outro lado, na aplicação prática do dispositivo (como no Habeas Corpus nº 346948/SP, do STJ), acaba o apenado trabalhando durante finais de semana e feriados, contando como dia normal. Em alternativa, existe um posicionamento que indica que o trabalho, especialmente na iniciativa privada, nesses dias específicos, contaria como hora extra, interdisciplinarizando com o Direito Trabalhista, mas é assunto para outro artigo.

Ao fim do tópico, flagrante a necessidade de levantar a hipótese de perda dos dias remidos pelo preso, que acontece pelo cometimento de falta grave. A redação do Art. 127 da LEP traz a possibilidade de supressão de até 1/3 dos dias remidos (a depender do caso concreto) pela ocorrência de quaisquer das hipóteses dos artigos 50 e seguintes da mesma lei. Sobre o caso, já há posicionamento consolidado pela constitucionalidade do dispositivo, já que a Súmula Vinculante nº 9 do STF, que foi editada quando a realidade legal era mais gravosa e a perda era o total do dias remidos, entende pelo recebimento da supressão dos dias pela ordem constitucional. Em compensação ao lamentável posicionamento, o fenômeno só poderá acontecer se a falta grave tiver relação com o trabalho exercido.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

II) DAS HORAS EXTRAS NA REMIÇÃO

Ultrapassadas as barreiras primárias para uma conversa sobre o assunto, dar-se-á início a análise das horas extras - que são aquelas que ultrapassam a jornada normal - no âmbito da remição, .

Entende-se que são possíveis horas extras no trabalho do apenado, as quais são acrescidas para fins de contagem de dias. Sendo assim, v.g., um preso pode trabalhar mais de um dia dentro de um mesmo dia, por meio de horas extras. Por outro lado, a contagem para a remição é feita sempre em dias, não em horas, então só será prático se falar em horas extras se essas forem suficientes para completar um dia dentro do panorama da jornada de trabalho da LEP, que é de seis a oito horas, ou seja, se a soma das horas extras feitas forem suficientes para completar um dia de acordo com os parâmetros do Art. 33 da Lei de Execução Penal. Não existe "banco de horas" aqui.

Em crítica, a doutrina entende que mais razoável a contagem em horas, não em dias, mas ainda não é posicionamento adotado pela jurisprudência. Em síntese, é o que pensa Rodrigo Duque Estrada Roig.

Não obstante o posicionamento prevalente em contrário, ao fixar a jornada normal de trabalho entre 6 e 8 horas (art. 33), a LEP passou a dar margem a tratamentos desiguais, pois reconhece como dia efetivo de trabalho aquele realizado tanto com a jornada de 6 horas, quanto de 8 horas. Consequentemente, reconhece como 1 dia de remição tanto o cumprimento de 18 horas, quanto de 24 horas de trabalho. Note que a diferença entre os dois casos é de 6 horas, exatamente a carga mínima de 1 dia de trabalho. A discrepância é indiscutivelmente substancial. Com efeito, as espécies de trabalhos realizados em âmbito penitenciário não são tão díspares a ponto de perfazer 1 dia a mais de trabalho para algumas categorias de presos. Por força dos princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade, soa correto o cálculo da remição de pena por trabalho em horas. Ademais, se o trabalho em meio livre pode ser mensurado em horas (ex.: banco de horas, pagamento de horas extras etc.), inexiste razão para que o trabalho prisional, e a correspondente remição da pena, não possam sê-lo.

Sendo assim, cogita-se a partir de quando se contam as horas extras (seis ou oito horas trabalhadas?) para fim de acrescer mais um dia à contagem e acelerar o fluxo da remição. A jurisprudência, nesse ponto, se divide em duas vertentes.

II-A) A HORA EXTRA É A PARTIR DA OITAVA HORA E O DIA EXTRA É DE SEIS HORAS

No julgamento do Habeas Corpus nº 216815/RS, de 2013, da relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, da Quinta turma do STJ, foi decidido pela possibilidade de horas extras (portanto não há divergência quanto a isso), mas que elas são contadas a partir da oitava hora trabalhada. Isso significa dizer que, se trabalhadas nove horas, conta-se que a jornada é de oito horas e que a última hora é uma hora extra, utilizada para alcançar os três dias de trabalho antes de efetivamente passados três dias, pela soma de horas extras superior a 6. O dia extra, para esse julgamento, então, é de 6 horas, bem como as horas extras são contadas somente a partir da oitava hora.

O acórdão é em consonância com outros anteriores, como o do Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 196715, do relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, da Quinta Turma do STJ, que definiu que “o período de atividade laboral do apenado que exceder o limite máximo da jornada de trabalho (8 horas) deve ser computado para fins de remição, de forma que a cada 6 (seis) horas extras realizadas equivalha a 1 (um) dia de trabalho”, bem como: no Recurso Especial nº 1302924/RS, da Sexta Turma do STJ; no Habeas Corpus nº 235722/RS, da Quinta Turma do STJ; e no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1283575/RS, da Quinta Turma do STJ.

II-B) A HORA EXTRA É A PARTIR DA SEXTA HORA E O DIA EXTRA É DE SEIS HORAS

Um melhor posicionamento para a advocacia criminal é o de cômputo de hora extra a partir da sexta hora de trabalho e dia extra de seis horas, na medida que, v.g.,trabalhando nove horas em um dia, o apenado faz três horas extras, que já é metade de um dia de trabalho para fins de contagem dos três dias para remição.

Essa boa e extremamente favorável posição adveio de acórdão da Quinta Turma do STJ, do relator Ministro Moura Ribeiro, no Habeas Corpus nº 201634, que definiu em razão do princípio da isonomia, proporcionalidade, individualização, dentre outros.

No voto, rezou o relator.

Além do mais, o princípio constitucional da isonomia constitui um dos pilares do Estado Democrático de Direito, e não admite que distinções e privilégios para quem se encontrar em situação jurídica equivalente, autorizando que se trate de forma juridicamente desigual aqueles que se encontram em situações fáticas distintas.Ora, não se pode negar que, comparando um apenado que labora por 6 horas diárias e outro que labore por 8 horas, há nítida diferença em favor deste último, não sendo medida de justiça tratá-los da mesma maneira, concedendo-lhes a remição da pena com base, apenas, no número de dias trabalhados, desconsiderando-se a jornada.

A ementa caminha no mesmo sentido.

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. REMIÇÃO DA PENA PELO TRABALHO. SOMATÓRIO DE 6 (SEIS) HORAS EXTRAS QUE DEVE CORRESPONDER A 1 (UM) DIA DE LABOR E NÃO A 1 (UM) DIA DE PENA REMIDA. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.1. O período de atividade laboral do apenado que exceder o limite máximo da jornada de trabalho (8 horas) deve ser computado para fins de remição, de forma que a cada 6 (seis) horas extras realizadas equivalha a 1 (um) dia de trabalho.2. Agravo provido a fim de que a cada 6 (seis) horas extras trabalhadas pelo paciente corresponda a 1 (um) dia de trabalho para fins de remição da pena.


REFERÊNCIAS

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal : teoria crítica. 4. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.

Nucci, Guilherme de Souza. Curso de execução penal. 1. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2018.

Sobre o autor
Guilherme Schaun

Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Advogado criminalista. Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal na Verbo Jurídico. Aprovado na OAB em Direito Penal e no Trabalho de Conclusão de Curso acerca da imputação de responsabilidade criminal ao advogado pelo recebimento de honorários maculados. Orgulhosamente ex-estagiário do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!