Resumo: A sua origem, frisa-se, deturpada e eivada por motivos de ordem política, estranhos ao Direito, torna esta modalidade de prescrição (sui generis), no processo civil, uma medida excepcional, de aplicação restrita, sendo necessária a sua motivação corroborada com a prova irrefutável da negligência (inércia) do credor/exequente.
Palavras-chave: Processo Civil. Execução. Penhora. Suspensão do processo. Ausência de bens do devedor. Prescrição intercorrente. Extinção.
Introdução
A falta de confiança de que as instituições garantirão o direito vigente gera dúvidas sobre a estabilidade das relações jurídicas e incertezas sobre as consequências dos atos baseados nas normas jurídicas vigentes, ocasionando no âmbito da sociedade a sensação de insegurança jurídica.
Esse ambiente é pouco favorável ao desenvolvimento da atividade econômica, o que limita a competitividade das empresas, encarece o crédito, provoca a retração de investimentos, enfim, produz efeitos nefastos na economia.
A segurança jurídica, uma quimera, ideal, um norte, um parâmetro, ou na visão de um realista esperançoso, pode ser concebido como um objetivo a ser alcançado, na qual nos perfilamos.
A ideia inerente a sua concepção pode ser entendida como uma estabilidade duradoura/permanente de normas jurídicas certas, estáveis, previsíveis calculáveis e, ao mesmo tempo coercitivas, de modo a incutir na sociedade os deveres de convivência que devem ser observados.
O exercício continuado e eficiente da jurisdição proporcionará um clima generalizado de confiança no Poder judiciário, qual seja de segurança social e insatisfações eliminadas.
Neste mister, o juiz, na qualidade de presidente do processo, tem o dever-poder de zelar pela devida efetividade da jurisdição de modo a garantir a satisfação do direito do verdadeiro titular na lide.
As contendas de crédito tem uma peculiaridade própria: devedores insolventes ou mesmo aqueles “profissionais” que empregam todo tipo de artifícios ardilosos para não pagar o débito.
Sob este aspecto, conforme veremos no decorrer do trabalho, é necessário que aplicação da prescrição intercorrente seja efetuada de forma restrita, de caráter excepcional, devidamente motivada e com prova irrefutável da negligência (inércia) do credor/exequente.
Conceito
Pode ser compreendida como uma espécie de extinção da exigibilidade judicial da prestação, que ocorre pela paralisação injustificada - por negligência do credor - da execução.
É um instituto de direito material, cuja aplicação transcende para a esfera processual, após proposta a ação, na modalidade intercorrente.
Tem como fundamento a preservação da segurança jurídica as relações jurídicas e o principio da duração razoável do processo e de sua celeridade, fulminando a pretensão de direito pelo transcurso do tempo associado à inércia do credor, no âmbito da execução.
Nesta linha, o vigente Código de Processo Civil prevê expressamente o referido instituto no âmbito do processo:
“Art. 921. Suspende-se a execução:
III - quando o executado não possuir bens penhoráveis;
§ 1o Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.
§ 4o Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente”.
Com aparo neste dispositivo e fundamentos acima expostos a aplicação da prescrição intercorrente não se restringe apenas nas hipóteses de ausência de bens penhoráveis, como também, quando o feito encontrar-se paralisado, em face da inércia do exequente, em termos de prosseguimento.
Neste contexto leciona o Professor Arruda Alvim [1]:
“A chamada prescrição intercorrente é aquela relacionada com o desaparecimento da proteção ativa, no curso do processo, ao possível direito material postulado, expressado na pretensão deduzida; quer dizer, é aquela que se verifica pela inércia continuada e ininterrupta no curso do processo por seguimento temporal superior àquele em que ocorre a prescrição em dada hipótese”
O termo inicial começa a fluir do momento em que o autor deixou de movimentar o processo, quando isso lhe cabia.
Por outro lado, o termo final é mesmo daquele prazo prescricional que regula a dedução da pretensão à tutela jurisdicional do direito material.
Seguindo este liame de raciocínio:
[...] os tribunais reconhecem que se aplica, na avaliação da PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE, o mesmo prazo prescricional que regular a dedução da pretensão à tutela jurisdicional do direito material. Assim, se certo direito tem prazo prescricional de dois anos, não poderá a EXECUÇÃO ficar paralisada por período maior que este, sob pena de ser a exigibilidade JUDICIAL do direito fulminada pela PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.
A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE constitui hipótese de 'extinção da exigibilidade JUDICIAL da prestação', que ocorre pela paralisação injustificada - por culpa do credor - da EXECUÇÃO” [2]
[...] se o credor abandonar a ação condenatória ou a executiva por um lapso superior ao prazo prescricional, já então sua inércia terá força para combalir o direito de ação dando lugar à consumação da PRESCRIÇÃO” [3]
Deste modo, a prescrição intercorrente somente pode ser aplicada, quando o credor, regularmente intimado para cumprir uma diligência no processo, não o cumpre, quedando-se inerte.
É necessária a intimação ao exequente?
Hodiernamente nos feitos executivos prevalece o entendimento de que não há necessidade de prévia intimação ao exequente para dar andamento ao feito, como condicionante ao reconhecimento da prescrição intercorrente, podendo ser declarada de ofício pelo Juízo.
O fundamento jurídico deste posicionamento resume-se ao fato de que a situação de abandono do processo (fenômeno processual) não se confunde com a inércia do exequente no âmbito do processo de execução (prescrição, instituto de direito material), sendo, portanto, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, desnecessária a intimação pessoal do devedor.
Neste sentido:
“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. SUSPENSÃO DO PROCESSO. INÉRCIA DO EXEQUENTE POR MAIS DE TREZE ANOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. OCORRÊNCIA. SÚMULA 150/STF. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inocorrência de maltrato ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. “Prescreve a execução no mesmo prazo da prescrição da ação” (Súmula 150/STF). 3. "Suspende-se a execução: [...] quando o devedor não possuir bens penhoráveis" (art. 791, inciso III, do CPC). 4. Ocorrência de prescrição intercorrente, se o exequente permanecer inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado. 5. Hipótese em que a execução permaneceu suspensa por treze anos sem que o exequente tenha adotado qualquer providência para a localização de bens penhoráveis. 6. Desnecessidade de prévia intimação do exequente para dar andamento ao feito. 7. Distinção entre abandono da causa, fenômeno processual, e prescrição, instituto de direito material. 8. Ocorrência de prescrição intercorrente no caso concreto. 9. Entendimento em sintonia com o novo Código de Processo Civil. 10. Revisão da jurisprudência desta Turma. 11. Incidência do óbice da Súmula 7/STJ no que tange à alegação de excesso no arbitramento dos honorários advocatícios. 12. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO (REsp n. 1.522.092 - MS (2014/0039581-4). Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO. Julgado em 06 de outubro de 2015. 3ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça).
Em resumo, na hipótese de abandono do processo, é de rigor a intimação pessoal do autor, para, só então, se for o caso, proferir julgamento sem resolução do mérito (artigo 485, inciso III, do CPC), por se tratar de instituto de direito processual.
Doutra parte, na execução, ao revés, constatado a inércia prolongada do exequente, alcançado o lapso de prescrição intercorrente, torna-se despicienda qualquer providência ulterior para a imediata extinção do processo (artigo 924, inciso V, do CPC).
Data maxima venia, não obstante a irretorquível fundamentação, o referido entendimento encontra-se óbice no disposto no artigo 10 do CPC.
O artigo 10 do CPC estabelece que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
É uma das grandes novidades do vigente Código de Processo Civil, de modo a aprimorar e a qualificar o contraditório nas demandas judiciais, em face do caráter cooperativo consagrado no novel diploma.
Trata-se de proibição da chamada decisão surpresa também conhecida como decisão de terceira via, contra julgado que rompe com o modelo de processo cooperativo instituído pelo Código de 2015 para trazer questão aventada pelo juízo e não ventilada nem pelo autor nem pelo réu.
No que tange a sua amplitude, a cooperação aqui contemplada impõe ao Tribunal ou Juízo conceder às partes a oportunidade de manifestação sobre qualquer questão de fato ou de direito.
Conforme a mens legis do referido dispositivo mostra-se vedada a decisão que inova o litígio e adota fundamento de fato ou de direito sem anterior oportunização de contraditório prévio, mesmo nas matérias de ordem pública que dispensam provocação das partes.
Deste modo, somente argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador, devendo este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial.
Tolhe-se, portanto a visão maniqueísta, porquanto o processo contemporâneo não se faz com protagonismos e protagonistas, mas com equilíbrio na atuação das partes e do juiz.
Corrobora a seguinte ementa:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. OITIVA DO CREDOR. INEXISTÊNCIA. CONTRADITÓRIO. DESRESPEITO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Incide a prescrição intercorrente, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil de 2002.
2. O contraditório é princípio que deve ser respeitado em todas as manifestações do Poder Judiciário, que deve zelar pela sua observância, inclusive nas hipóteses de declaração de ofício da prescrição intercorrente, devendo o credor ser previamente intimado para opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição. 3. Recurso especial provido. (REsp n. 1.589.753/PR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe 31/5/2016)
A intimação deve ser pessoal, e, também, na pessoa do advogado da exequente, porquanto somente este último detém a capacidade postulatória para se manifestar em juízo.
Sobre o tema, confiram-se precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INTIMAÇÃO. AUSÊNCIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 83/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte entende que, para reconhecimento da prescrição intercorrente, é imprescindível a comprovação da inércia do exequente, bem como sua intimação pessoal para diligenciar nos autos, o que não ocorreu no presente caso. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ, 4ª Turma, AgRg no REsp 1521490/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, j. em 12/05/2015)
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INTIMAÇÃO PESSOAL. NECESSIDADE. É necessária a intimação pessoal do autor da ação de execução para o reconhecimento da prescrição intercorrente” (STJ, AgRg no Ag 1340932/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 02-5-2011).
“Segundo a orientação jurisprudencial predominante no Superior Tribunal de Justiça, a prescrição intercorrente pressupõe diligência que o credor, pessoalmente intimado, deve cumprir, mas não cumpre no prazo prescricional. Hipótese em que, por não ter havido a intimação, não se verificou a prescrição. Precedentes citados: EDcl no Ag 1.135.876/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 19.10.2009; REsp 34.035/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 31.10.1994; REsp 5.910/SC, 3ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 17.12.1990” (STJ, REsp 960279/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 14-02-2011)
“...PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DA PARTE POR SEU PROCURADOR.
Nos termos da norma contida no artigo 487, parágrafo único do CPC a decretação da prescrição deve ser precedida de intimação para que as partes se manifestem acerca da matéria” (Ap. n. 0000355-32.2008.8.24.0019. 4ª. Câmara de Direito Comercial do E. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Rel. Des. Janice Ubialli. Julgado em 03/10/17).
Do exposto, portanto, não obstante o fato da prescrição intercorrente fluir normalmente a partir do lapso temporal da inércia do exequente, isso não significa privá-lo do direito fundamental ao devido processo legal e do contraditório.
Até porque, nos termos da norma contida no parágrafo único do artigo 487 do CPC, a decretação da prescrição deve ser precedida de intimação para que as partes se manifestem acerca da matéria.
O contraditório aqui é manifestado pela necessidade da prévia intimação do exequente, porquanto, tal ato, tem o condão de propiciar-lhe o oferecimento de manifestação acerca de eventual justificativa plausível de sua própria inércia [4].