Casuísticas
Ausência de bens penhoráveis
De início, cumpre assinalar o disposto no artigo 831 do CPC, qual seja, a prerrogativa do credor de ver penhorados tantos bens do executado quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, custas e honorários.
Partindo dessa premissa legal e não havendo bens suficientes para a garantia da execução, o credor/exequente poderá pedir a suspensão da execução nos termos do inciso III, do artigo 924 do CPC.
Feito o pedido pelo autor o juiz decretará a suspensão da execução pelo prazo de um ano, durante o qual se suspenderá a prescrição (§ 1º do artigo 921 do CPC).
Após o decurso deste prazo, permanecendo a inércia do exequente o juiz ordenará o arquivamento dos autos (§ 2º) dando início à conta do prazo prescricional.
Diferentemente de outras hipóteses de inércia do credor, o vigente código de ritos prevê expressamente a necessidade de intimação prévia do exequente (§ 5º) antes de reconhecer de ofício a prescrição intercorrente e extinguir o processo.
Regra de Direito intertemporal
O Código de Processo Civil de 1973 não contempla um regramento específico acerca da prescrição intercorrente.
Nos casos de suspensão por ausência de bens com fundamento no artigo 791, inciso III, do revogado diploma processual a suspensão da execução era por prazo indeterminado (sine die).
A lei anterior não limitou o prazo da referida suspensão, não correndo, portanto, o prazo prescricional na modalidade intercorrente.
O objeto da execução forçada são os bens do devedor, dos quais se procura extrair os meios de resgatar a dívida exequenda.
Não há, no processo de execução, provas a examinar, nem sentença a proferir. E sem penhora, nem mesmo os embargos à execução podem ser opostos. Daí porque a falta de bens penhoráveis do devedor importa suspensão sine die da execução, conforme inteligência do art. 791, III do CPC revogado.
Neste sentido:
“AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.463.664 - SC (2014/0155231-4) RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO CREDOR.
1. Suspenso o processo de execução por ausência de bens penhoráveis, não flui o prazo prescricional pelo mesmo período, inclusive aquele atinente à prescrição intercorrente. Para a retomada do curso do prazo prescricional, faz-se necessária a intimação do credor para diligenciar no processo. 2. Agravo regimental não provido” (Julgado em 23/10/14).
Portanto, a execução permanece suspensa sine die, nos termos do artigo 791, inciso III, do Código de Processo Civil, sendo defeso considerar o período de suspensão para efeito de cômputo do prazo prescricional, durante o período de sua vigência.
Não obstante, há entendimentos diversos, quanto ao prazo de suspensão deferido sob a égide do antigo CPC, contrária, a tese sine die.
Para uma corrente, o prazo deveria ser de seis meses, mediante interpretação analógica ao artigo 265, § 3º, do CPC, e para outros, o prazo deveria ser de um ano, por analogia aos artigos 265, § 4º, do CPC, artigo 174 do CTN e artigo 40, § 2º, da Lei nº 6.830/1980.
Sem embargos, há a necessidade de se interpretar a Lei de forma lógica e sistemática, com o escopo de garantir a própria unidade, coerência e coesão do ordenamento jurídico e, consequentemente, a tão almejada segurança jurídica.
Nessa medida, a prescrição intercorrente não se confunde com o abandono do processo.
Assim sendo, não corre a prescrição intercorrente durante o prazo de suspensão, porquanto indispensável à desídia do credor, ora inexistente, durante o referido prazo estabelecido, frisa-se, com respaldo judicial.
Para a retomada de seu curso, faz-se necessária a intimação do credor para diligenciar no processo, porque é a sua recalcitrância injustificada que faz retomar-se o curso prescricional.
Até porque, corrobora com este entendimento a própria regra de direito intertemporal, prevista no vigente código de processo civil sobre esta temática:
“Art. 1.056 - Considerar-se-á como termo inicial do prazo da prescrição prevista no art. 924, inciso V, inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código”
E, no que tange a prescrição intercorrente, passível de se cogitar, nessa seara, reza o diploma:
“Art. 921 - Suspende-se a execução:
III - quando o executado não possuir bens penhoráveis;
§ 1º - Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.
“Art. 924 - Extingue-se a execução quando:
V - ocorrer a prescrição intercorrente”.
A data de vigência do novo código de processo civil, conforme seu novel artigo 1.045 foi consumado em 18/03/16, sendo, portanto esta data o termo inicial da prescrição intercorrente a ser aplicado nos prazos suspensos sob a égide do código anterior.
Deste modo, mostra-se indubitável a não ocorrência de prazo prescricional na constância da suspensão por ausência de bens autorizada pelo diploma revogado, sine die, retomando seu curso, apenas quando provocado pelo exequente ou na data de vigência do atual diploma processual.
Demora da citação
Oportuno, antes de analisarmos esta casuística, colacionar a seguinte Súmula do E. Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 106 - Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência. (E. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 106 CORTE ESPECIAL, julgado em 26/05/1994, DJ 03/06/1994 p. 13885)
A demora na citação, não pode ser imputada ao exequente, que imprime esforços no sentido de localizar o executado, cuja delonga foi em decorrência dos atos ardis de ocultações empregadas.
Aceitar o argumento de prescrição intercorrente, como no caso em apreço, seria beneficiar aqueles que devedores que litigam de má-fé, em detrimento a credibilidade da própria Justiça.
Do cumprimento de sentença
Sobre o assunto, colacionamos a seguinte Súmula do E. Superior Tribunal de Justiça:
“Súmula 150: Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” [5]
Assim sendo e em face das disposições legais (Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005) que introduziram o incidente de cumprimento de sentença, o processo é uno, sendo a execução, uma mera fase do processo.
Não há uma nova pretensão executiva, que surge na data do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Ingressando com a demanda dentro do prazo, após o trânsito em julgado da decisão que reconhecer o direito ao credor, terá o mesmo prazo do direito material para ingressar com o cumprimento de sentença, frisa-se, a seu cargo.
O E. Superior Tribunal de Justiça não diverge deste entendimento:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA DE REPARAÇÃO CIVIL. SÚMULA 150/STF. DIREITO INTERTEMPORAL. ACTIO NATA. CC/16. PRAZO VINTENÁRIO. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA.
1. A pretensão do cumprimento de sentença é a mesma pretensão da ação de conhecimento. Não há uma nova pretensão executiva que surge na data do trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedente da 4ª turma.
2. O momento em que nasce a pretensão de reparação civil (teoria da actio nata) é o critério para definir a legislação do prazo prescricional aplicável à hipótese. Incidência da Súmula 150/STF.
3. O prazo da prescrição da execução flui a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória.
4. Na hipótese, a pretensão de reparação civil surgiu antes da entrada em vigor do CC/02, incidindo o regime jurídico do CC/16 para contagem do prazo prescricional do cumprimento de sentença.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1419386/PR, relatora ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/16, DJe 24/10/16)
Portanto, transitada em julgado uma decisão e não iniciado o cumprimento de sentença no mesmo prazo que o credor teria para ingressar com a ação de conhecimento, pode ser reconhecida a sua prescrição intercorrente. Neste caso, o direito ao crédito existirá, mas não haverá quem possa obrigar o devedor quanto ao pagamento.
Isto se dá, porquanto é obrigação do exequente impulsionar o processo dando início ao cumprimento de sentença, tão logo seja certificação o transito em julgado do titulo judicial, a teor do artigo 523 do CPC.
Por outro lado, iniciado o cumprimento de sentença antes de findo o prazo prescricional, e, novamente, não terem sido encontrados bens penhoráveis do devedor, o juiz determinará a suspensão do processo pelo período de um ano, nos termos do artigo 921, § 1º, do CPC. Transcorrido esse prazo, sem que haja manifestação do exequente, volta a contar o prazo prescricional.
Efeitos
Reconhecida a prescrição, o Juiz decreta a extinção do processo com resolução do mérito, com fundamento no artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil.
Ausência de sucumbência do exequente
Declarada a prescrição intercorrente por ausência de localização de bens, incabível a fixação de verba honorária em favor do executado, eis que, diante dos princípios da efetividade do processo, da boa-fé processual e da cooperação, não pode o devedor se beneficiar do não-cumprimento de sua obrigação.
Neste sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. HONORÁRIOS EM FAVOR DO EXECUTADO. DESCABIMENTO. CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA DO EXEQUENTE. 1. Declarada a prescrição intercorrente por ausência de localização de bens, incabível a fixação de verba honorária em favor do executado, eis que, diante dos princípios da efetividade do processo, da boa-fé processual e da cooperação, não pode o devedor se beneficiar do não-cumprimento de sua obrigação. 2. A prescrição intercorrente por ausência de localização de bens não retira o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para o exequente. 3. Recurso especial a que se nega provimento” (REsp n. 1.769.201. Rel Min. Maria Isabel Galotti, 4ª. Turma do E. Superior Tribunal de Justiça. Julgado em 12/03/19).
De forma inversa, nos casos de execução extinta pela prescrição intercorrente, o princípio da causalidade incide, portanto, em desfavor do executado, eis que ele dá causa ao pedido executório ao não efetuar o pagamento ou não cumprir a obrigação de forma espontânea.
Só não houve satisfação por impossibilidade material, por ausência de cooperação por parte do devedor. Assim sendo, o ônus da sucumbência deve ser imputado ao executado.