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Comentários detalhados, artigo por artigo, à Medida Provisória n. 873 e ao Decreto n. 9.735

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Agenda 23/04/2019 às 15:00

Examinam-se os principais aspectos da MP 873 e do Decreto 9.735, que dificultou a constituição de receitas pelos sindicatos. Além das incoerências, há inconstitucionalidade neste diploma?

INTRODUÇÃO

No último dia 1º de março de 2019, foi editada a Medida Provisória nº 873´[1], que promoveu diversas alterações no sistema de custeio dos sindicatos. De um modo geral, a medida limitou e dificultou a obtenção de receitas pelas entidades sindicais.

Após alguns dias de sua publicação, foi disponibilizada, no site do Planalto, exposição de motivos[2], subscrita pelo Ministro Paulo Guedes, visando a convencer acerca da relevância e da urgência das matérias tratadas na MP.

Complementando o desiderato da medida provisória, o Poder Executivo editou, no dia 22 de março de 2019, o Decreto nº 9.735[3], o qual revoga “dispositivos do Decreto nº 8.690, de 11 de março de 2016, que dispõe sobre a gestão das consignações em folha de pagamento no âmbito do sistema de gestão de pessoas do Poder Executivo federal.”

Evitar-se-á tecer maiores juízos de valor sobre os textos neste momento.

A análise crítica será feita após a apreciação, artigo por artigo, das mudanças empreendidas pela MP 873 e pelo Decreto 9.735. Entretanto, antes de avançar para o objeto central deste escrito, é fundamental que sejam tecidas algumas digressões sobre o fim do “imposto sindical”, implementado pela Lei 13.467/2017.


1. CONTEXTUALIZAÇÃO: O FIM DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL COMPULSÓRIA PELA LEI 13.467/2017

Para se compreender os impactos da MP 873, é necessário contextualizar e explicitar o estado normativo em que as matérias alteradas pela medida provisória se encontravam.

Pois bem.

Antes da Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), a “contribuição sindical compulsória” prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, por ostentar natureza tributária, era imposta a todos os empregados pertencentes a determinada categoria profissional, a todas as empresas componentes de certa categoria econômica e a todos os profissionais liberais de determinada profissão organizada em sindicato. A filiação ou não ao sindicato, assim como a “concordância” do sujeito passivo da relação tributária, não eram elementos relevantes.

Por outro lado, as demais contribuições destinadas ao custeio da atividade sindical – a despeito de sempre ter sido costumeira a tentativa das entidades sindicais de estendê-las a todos os integrantes da categoria - só poderiam ser impostas aos filiados, conforme entendimentos consolidados do Tribunal Superior do Trabalho (Orientação Jurisprudencial nº 17[4] e Precedente Normativo nº 119[5], todos da Seção de Dissídios Coletivos) e do Supremo Tribunal Federal (Súmula Vinculante nº 40[6] e ARE 1018459[7]).

Ressalta-se, apenas a título de uma instigante curiosidade histórica, que a Assembleia Nacional Constituinte, quando previu a contribuição confederativa no art. 8º, IV, da Constituição Federal, positivou aludida espécie contributiva com o desiderato de que ela fosse estipulada para todos os integrantes da categoria, filiados ou não. Vale a pena a transcrição da deliberação, na Comissão de Sistematização da Assembleia Nacional Constituinte[8] (quando da votação em Plenário, prevaleceu o texto proposto por esta), do Destaque nº 5586-87 – Emenda nº ES-26029-4, do Constituinte Gastone Righi – o qual visava modificar o art. 9º § 3º do Substitutivo nº 1 (art. 9º § 4º do Substitutivo nº 2[9]), que exatamente se refere ao embrião do atual art. 8º, IV, da Constituição Federal de 1988:

Destaque nº 5586-87 – Emenda nº ES-26029-4, do Sr. Gastone Righi, "que modifica o art. 9º § 3º do Substitutivo nº 1 (art. 9º § 4º do Substitutivo nº 2)". (153ª votação)

Em votação o Destaque nº 5586, requerido pelo Constituinte Gastone Righi, referente à Emenda nº 26029, de sua autoria, aditiva da expressão "de seus filiados".

Tem a palavra S. Ex.ª

O SR. CONSTITUINTE GASTONE RIGHI: – Sr. Presidente, Srs. Constituintes, para ser breve, já que sustentamos e debatemos exaustivamente a matéria, desejaria apenas elucidar o Plenário. A minha emenda visa, única e exclusivamente, a aditar ao texto do § 4º a expressão "de seus filiados", para que as contribuições criadas pelos sindicatos se apliquem aos seus filiados e não indiscriminadamente a toda a categoria, mesmo àqueles que não queiram filiar-se a sindicatos, que é um direito assegurado pela Constituição a todos os trabalhadores.

O SR. PRESIDENTE (Jarbas Passarinho): – Em votação.

O SR. RELATOR (José Fogaça): – Sr. Presidente, no entender da Relatoria já houve manifestação contrária do Plenário, embora nenhuma emenda tivesse sido votada. Houve a retirada de emendas nessa direção.

Estou sendo informado pelo ilustre Constituinte Gastone Righi de que o Constituinte Carlos Chiarelli retirou a emenda de sua autoria, a fim de que seja votada a de S. Ex.ª.

O SR. PRESIDENTE (Jarbas Passarinho): – Em votação.

O SR. RELATOR (José Fogaça): – A posição da Relatoria é contrária, por entender que toda a categoria é beneficiária dos dissídios coletivos, da atividade do sindicato. Portanto, ela também deve contribuir. A posição do Relator é pela manutenção do texto.

O SR. PRESIDENTE (Jarbas Passarinho): – Passa-se à chamada para a votação.

[…]

O SR. PRESIDENTE (Fernando Henrique Cardoso): – A Mesa vai proclamar o resultado: votaram SIM 23 Constituintes; votaram NÃO 52 Constituintes. Total: 75 votos. O Destaque foi rejeitado.

Entretanto, conforme já ressaltado, a jurisprudência se consolidou em torno de tese que, como se percebe, ignora o anseio constituinte, sem sequer levá-lo em conta.

Prossegue-se.

Modificando a realidade posta, a Lei 13.467/2017 transformou a “contribuição sindical compulsória” em uma mera “contribuição sindical legal facultativa” (fonte específica de custeio das entidades cujos requisitos de exigibilidade, contornos procedimentais e destinações são dados pela lei, e não pela própria entidade). A retirada do caráter obrigatório do historicamente conhecido “imposto sindical” (não se trata propriamente de “imposto”, mas esse nome foi utilizado pela CLT durante muito tempo) foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5794 (Relator Ministro Edson Fachin, red. p/ o acordão. Mininistro Luiz Fux, julgamento em 29.6.2018)[10].

A queda do caráter compulsório tornou a “contribuição sindical legal facultativa” bastante “inútil”.

Isso porque, segundo se compreende, qualquer contribuição, independentemente do nome, autorizada prévia, voluntária, expressa e individualmente pelo empregado (contribuição sindical profissional), pela empresa (contribuição sindical patronal) ou pelo profissional liberal (contribuição sindical do profissional liberal) em prol do custeio das entidades sindicais respectivas é lícita e exigível, mesmo que o empregado, a empresa ou o profissional liberal não sejam filiados à respectiva entidade. Ora, qualquer negócio jurídico firmado nesses termos é, via de regra, legal, não havendo nenhuma justificativa apriorística para se negar a juridicidade dessa “doação” ao sistema sindical (aparentemente esse seria o melhor enquadramento jurídico a ser dado à modalidade, já que a jurisprudência compreende que nenhuma contrapartida é devida pelos empregados ou empresas não filiados em prol das entidades sindicais, apesar de estas pactuarem normas coletivas que atingem indistintamente toda a categoria representada).

Ao mesmo tempo, o Tribunal Superior do Trabalho já reconhecia, apesar da literalidade do art. 462, caput, da CLT[11], a licitude dos descontos salariais razoáveis autorizados pelo empregado (Súmula 342[12]).

Em outras palavras, a Lei 13.467/2017, ao estabelecer que a “contribuição sindical legal facultativa” seria devida e, no caso dos empregados, descontada em folha no caso de autorização prévia e expressa do trabalhador (contribuição sindical profissional), da empresa (contribuição sindical patronal) ou do profissional liberal (contribuição sindical do profissional liberal), terminou por dizer apenas obviedades. Aludida modalidade contributiva, portanto, passou a contar com todo o peso e distorção da burocracia regulamentadora estatal – a qual estipula até mesmo a destinação dos valores recolhidos a tal título (artigos 589 a 591 da CLT) -, sem receber nenhum tratamento normativo realmente vantajoso para o custeio do sistema sindical.

Ademais, no momento em que a Lei 13.467/2017 acabou com a natureza tributária da “contribuição sindical compulsória”, esta passou a receber o mesmo tratamento jurisprudencial conferido às demais modalidades sindicais contributivas: impossibilidade de imposição aos não filiados, seja por meio de negociação coletiva ou de assembleias gerais. É esse o rumo da maior parte dos julgados dos tribunais trabalhistas.

Ou seja, conforme dito, a “contribuição sindical legal facultativa”, apesar de ter remanescido regulada pela CLT, não passa, em sua essência, de uma dentre tantas outras espécies de contribuição sindical facultativa. Assim, apesar do apego histórico aos tempos da “contribuição sindical compulsória”, a insistência das entidades sindicais em tentar impor contribuições a empregados (contribuição sindical profissional), empresas (contribuição sindical patronal) ou profissionais liberais (contribuição sindical do profissional liberal) não filiados por meio de deliberações/pactuações coletivas (assembleias gerais e negociação coletiva), mesmo em relação à contemporânea “contribuição sindical legal facultativa” (fóssil remanescente da extinção do “imposto sindical”) não é (nem nunca foi) acolhida pelo Poder Judiciário.

Em contrapartida lógica, os filiados, por se submeterem voluntariamente aos estatutos e às deliberações/pactuações coletivas da entidade sindical, continuaram podendo ser alvo das mais diversas contribuições que viessem a ser estipuladas pelas instâncias legítimas sindicais para tratar sobre a temática (normalmente a assembleia), independentemente do nome dado à contribuição (sindical, associativa, assistencial, confederativa, recreativa, de fortalecimento, mensal, inominada etc.).

Essa é a interpretação que harmoniza a liberdade associativa do empregado, da empresa e do profissional liberal (art. 8º, caput e V, da Constituição Federal), com a autonomia das entidades sindicais para se autorregularem/financiarem (art. 8º, I, da CF) e a natureza coletiva e representativa das entidades sindicais e de suas deliberações (art. 8º, III, IV e VI, da CF)[13].

Em outras palavras, após a Lei 13.467/2017, remanesceu exigível e, no caso dos empregados, descontável diretamente em folha de pagamento a “contribuição sindical legal facultativa” (e qualquer outra espécie de contribuição), desde que:

a)Os empregados (contribuição sindical profissional), as empresas (contribuição sindical patronal) ou os profissionais liberais (contribuição sindical do profissional liberal) não filiados à entidade sindical respectiva autorizassem prévia, individual e expressamente a contribuição. Além de prévia (autorizada antes da imposição da contribuição), a manifestação precisava ser necessariamente individual, pois o não filiado não estava sujeito às deliberações/pactuações coletivas da entidade, em torno da matéria. Por outro lado, a forma escrita, apesar de não ser obrigatória, era certamente recomendável para fins de demonstração do caráter expresso da autorização conferida pelo empregado/empresa, em caso de divergências.

b)Os empregados (contribuição sindical profissional), empresas (contribuição sindical patronal) ou profissionais liberais (contribuição sindical do profissional liberal) filiados à entidade sindical respectiva autorizassem previamente a contribuição por meio de deliberações/pactuações coletivas da entidade nesse sentido ou, caso inexistentes estas, por meio de autorização prévia, individual e expressa do empregado/empresa/profissional liberal. Salienta-se que as deliberações/pactuações coletivas da entidade, em respeito à natureza coletiva e representativa das entidades sindicais e de suas deliberações (art. 8º, III, IV e VI, da CF), devem ser reconhecidas em relação aos filiados, considerando-se manifestação expressa do empregado, da empresa ou do profissional liberal para todos os efeitos, desde que devidamente documentadas e comprovadas por meio da forma escrita (requisito mínimo para que se possa saber e ter segurança sobre o que foi deliberado ou autorizado coletivamente). Destaca-se o caráter subsidiário da exigência de manifestação individual expressa do empregado/empresa/profissional liberal filiados (somente quando inexistentes deliberações/pactuações coletivas da entidade), para a qual são válidas as mesmas observações realizadas no item “a” em relação à exigência de forma escrita.

A interpretação acima é a que se considera mais razoável. Porém é importante deixar claro que a matéria ainda estava em debate nos tribunais trabalhistas, não sendo difícil de se encontrar decisões que, conscientemente ou não, exigiam necessariamente a autorização individual de todo e qualquer empregado (contribuição sindical profissional), empresa (contribuição sindical patronal) ou profissional liberal (contribuição sindical do profissional liberal), filiado ou não, negando qualquer eficácia às deliberações/pactuações coletivas sobre o tema. Por outro lado, algumas poucas decisões acatavam a imposição de contribuições a não filiados, porém, como já mencionado, aludido entendimento não encontra respaldo na jurisprudência do TST e do STF e, enfim, nenhum fator indica(va) qualquer mudança da compreensão destas Cortes de cúpula.

Prossegue-se.


2. COMENTÁRIOS DETALHADOS, ARTIGO POR ARTIGO, À MP 873

Passa-se a tecer comentários pormenorizados sobre as alterações no ordenamento jurídico promovidas pela Medida Provisória nº 873/2019.

2.1 Alteração do artigo 545 da Consolidação das Leis do Trabalho (modificação do caput e revogação do parágrafo único, nos termos dos artigos 1º e 2º, “a”, da MP 873)

Nova redação:

Art. 545. As contribuições facultativas ou as mensalidades devidas ao sindicato, previstas no estatuto da entidade ou em norma coletiva, independentemente de sua nomenclatura, serão recolhidas, cobradas e pagas na forma do disposto nos art. 578 e art. 579.

Antiga Redação:

Art. 545. Os empregadores ficam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

Parágrafo único - O recolhimento à entidade sindical beneficiária do importe descontado deverá ser feito até o décimo dia subseqüente ao do desconto, sob pena de juros de mora no valor de 10% (dez por cento) sobre o montante retido, sem prejuízo da multa prevista no art. 553 e das cominações penais relativas à apropriação indébita. (Incluído pelo Decreto-lei nº 925, de 10.10.1969)

Comentários: um dos grandes objetivos da MP 873 foi acabar com a possibilidade de as contribuições de custeio das entidades sindicais ser descontada da folha de pagamento dos empregados (observe-se que a redação anterior do art. 545, inclusive do parágrafo único do dispositivo, fazia menção ao desconto em folha, razão pela qual foi alterado/revogado). Como se verá adiante, a referência aos artigos 578 e 579 da CLT implica na observância de uma série de requisitos para tornar exigível qualquer forma de contribuição em prol das entidades sindicais e na imposição de toda uma sistemática restritiva de cobrança da contribuição (via “boleto bancário” etc.).

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Destaque para as expressões “recolhidas”, “cobradas” e “pagas”. A rigor, recolhidas é o mesmo que pagas, sendo a primeira utilizada normalmente para se referir ao adimplemento de obrigações tributárias (o que não é o caso de qualquer espécie de contribuição sindical, segundo o atual regramento legal da matéria). Trata-se, assim, de redundância. Já o termo “cobradas” alude ao procedimento de cobrança, pelo credor (entidade sindical) ao devedor (empregado, empresa ou profissional liberal), da contribuição sindical respectiva.

2.2 Alteração do artigo 578 da Consolidação das Leis do Trabalho (art. 1º da MP 873)

Nova redação:

Art. 578. As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão recolhidas, pagas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, sob a denominação de contribuição sindical, desde que prévia, voluntária, individual e expressamente autorizado pelo empregado.

Antiga Redação:

Art. 578. As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação de contribuição sindical, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, desde que prévia e expressamente autorizadas. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

Comentários: o artigo, a rigor, refere-se à “contribuição sindical legal facultativa” (fóssil remanescente da extinção da “contribuição sindical compulsória”, vulgo “imposto sindical”). Porém, conforme visto, a nova redação do art. 545 da CLT elevou os procedimentos e exigências previstos nos artigos 578 e 579 da CLT ao patamar de normas gerais de observância compulsória para o recolhimento, cobrança e pagamento de qualquer modalidade de contribuição sindical (associativa, assistencial, confederativa, recreativa, de fortalecimento, mensal, inominada etc.).

Verifica-se, nesse contexto, que a MP 873 passou a positivar com clareza “novos” requisitos para a exigibilidade da contribuição sindical. Além de ser prévia e expressa, a autorização precisa ser individual e voluntária, assim como escrita (nova redação dada pela MP ao art. 579, §1º, da CLT).

A forma escrita, antes recomendada, agora passou a ser obrigatória. A voluntariedade, por outro lado, apesar de não prevista na versão anterior do artigo, já era um requisito lógico-jurídico obrigatório, haja vista que qualquer manifestação de vontade viciada é nula.

A autorização individual, por sua vez, já era requisito essencial para os empregados (contribuição sindical profissional), empresas (contribuição sindical patronal) ou profissional liberal (contribuição sindical do profissional liberal) não filiados.

Porém, no caso dos filiados, a autorização concedida por meio de deliberações/pactuações coletivas da entidade continua suprindo a manifestação individual. Equivocadamente, nem o texto da MP, nem a exposição de motivos[14] respectiva realizou expressamente essa necessária distinção[15].

Essa é a interpretação conforme a Constituição Federal do dispositivo, uma vez que, ao mesmo tempo em que o empregado, a empresa ou o profissional liberal ostentam o direito de escolher se se associam ou não à respectiva entidade sindical (art. 8º, caput e V, da Constituição Federal), uma vez realizada a filiação, por meio de ato individual, expresso e voluntário, o empregado/empregador/profissional liberal se submete ao estatuto (e às contribuições nele previstas) e às deliberações/pactuações firmadas pela entidade.

Isso porque as entidades sindicais e suas deliberações ostentam natureza coletiva e representativa (art. 8º, III, IV e VI, da CF), o que significa que a entidade atua legitimamente em nome do conjunto da categoria econômica/profissional e, ao mesmo tempo, aludida atuação é baseada no princípio democrático e guiada pela prevalência do interesse das maiorias que se fizerem presentes nas instâncias deliberativas da entidade. Por exemplo: uma vez convocada e decidida determinada matéria em assembleia geral[16], as deliberações tomadas na assentada, pelos presentes, terão efeito sobre e vincularão todos os filiados, não sendo necessária a concordância individual de cada um dos associados ausentes à assembleia ou daqueles discordantes do que foi decidido. Em outras palavras, as decisões da entidade sindical são tomadas por meio de órgãos representativos, e não por meio da soma da manifestação individual de todos os filiados ou integrantes da categoria.

Nessa linha, a Constituição Federal (art. 8º, IV) prevê como prerrogativa da assembleia geral da entidade sindical a definição da “contribuição confederativa” (uma das espécies de contribuição facultativa, a qual, por este caráter, não pode ser imposta a não filiados, mas apenas a associados, vide Súmula Vinculante n. 40 do STF). A alusão a “assembleia geral” pela própria Constituição da República, por si só, já deixa claro que aludida instância representativa e deliberativa da entidade é a que define as fontes de custeio do ente sindical (se o referido órgão é competente para a contribuição confederativa[17] - a qual não ostenta qualquer peculiaridade, entre as contribuições facultativas, capaz de lhe conferir um tratamento melhor ou pior pela legislação -, certamente a assembleia geral é também competente para a definição de outras espécies de contribuições facultativas).

Além disso, as fontes de custeio das entidades observarão, ainda, em homenagem à autonomia sindical (art. 8º, I, da CF), o que estiver disposto nos estatutos respectivos (os quais, de qualquer modo, são também aprovados/alterados por uma assembleia geral).

Com tudo isso se quer dizer que negar a eficácia de uma decisão assemblear ou de uma negociação coletiva (que também é aprovada em assembleia geral pelas entidades pactuantes) em relação aos filiados é o mesmo que negar o caráter representativo inerente às entidades sindicais garantido/reconhecido pela própria Constituição Federal, destruindo suas bases de funcionamento e, consequentemente, sua própria razão de existir. Em outros termos, querer a concordância individual de um filiado para pagar uma contribuição estipulada em legítimas deliberações/pactuações firmadas pela entidade é o mesmo que implodir a lógica da atuação das entidades sindicais, transformando estas em uma soma agregada de manifestações individuais, em completa desarmonia com seu caráter coletivo e representativo.

Assim, a exigência de autorização individual e voluntária do filiado é plenamente suprida por deliberação/pactuação coletiva prévia, escrita e expressa da entidade sindical. Interpretação em sentido contrário a isso é inconstitucional, conforme demonstrado acima.

Pontua-se, por outro lado, que o art. 578 se refere tanto à contribuição profissional, patronal (devida pelas empresas aos sindicatos das respectivas categorias econômicas) e do profissional liberal (que não é empregado, e sim autônomo), porém a MP, em possível “ato falho”, assim concebeu a redação do final dispositivo: “[…] desde que prévia, voluntária, individual e expressamente autorizado pelo empregado” (grifou-se), enquanto na redação anterior, dada pela Lei 13.467/2017, a parte final do artigo era: “[…] desde que prévia e expressamente autorizadas”.

Somente a contribuição ao sindicato profissional, então, demandaria, para ser exigível, a autorização prévia, voluntária, individual, expressa e escrita do membro da categoria? E os sindicatos patronais e de profissionais liberais? Pela nova redação poderiam impor, respectivamente, contribuições às empresas e aos profissionais liberais livremente, sem maiores exigências? Claro que essa distinção não faz sentido e fere o Princípio da Isonomia (art. 5º, caput, da Constituição Federal), já que privilegia as entidades de empregadores e dos profissionais liberais em detrimento das de empregados.

Assim, deve-se compreender que as exigências impostas valem tanto para as contribuições aos sindicatos profissionais, quanto para aquelas destinadas aos sindicatos patronais (no caso, a autorização mencionada na lei seria dada pela empresa respectiva) e de profissionais liberais (hipótese na qual a autorização mencionada na lei seria dada pelo profissional liberal respectivo).

Novamente, verifica-se a redundância na adoção dos termos “recolhidas” e “pagas” pelo artigo, haja vista que, no contexto em que utilizados, são sinônimos. Já a expressão “aplicadas” diz respeito à destinação dos recursos arrecadados a título de “contribuição sindical legal facultativa”, que deve observar o disposto nos artigos 589 a 591 da CLT (essa previsão se aplica estritamente a esta modalidade de contribuição facultativa, haja vista que o art. 545 não fez referência ao termo “aplicadas” quando impôs a observância dos artigos 578 e 579 da CLT às demais espécies de contribuição sindical).

2.3 Alteração do artigo 579 da Consolidação das Leis do Trabalho (art. 1º da MP 873)

Nova redação:

Art. 579. O requerimento de pagamento da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e voluntária do empregado que participar de determinada categoria econômica ou profissional ou de profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, na inexistência do sindicato, em conformidade o disposto no art. 591.

§ 1º A autorização prévia do empregado a que se refere o caput deve ser individual, expressa e por escrito, não admitidas a autorização tácita ou a substituição dos requisitos estabelecidos neste artigo para a cobrança por requerimento de oposição.

§ 2º É nula a regra ou a cláusula normativa que fixar a compulsoriedade ou a obrigatoriedade de recolhimento a empregados ou empregadores, sem observância do disposto neste artigo, ainda que referendada por negociação coletiva, assembleia-geral ou outro meio previsto no estatuto da entidade.

Antiga Redação:

Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

Comentários: o artigo antes tratava dos requisitos necessários para autorização do desconto em folha de pagamento da “contribuição sindical legal facultativa” (fóssil remanescente da extinção da “contribuição sindical compulsória”, vulgo “imposto sindical”).

Agora, o dispositivo, no caput, substituiu a antiga expressão “desconto da contribuição sindical” por “requerimento de pagamento da contribuição sindical”. Este “requerimento”, aparentemente, seria o documento de cobrança da contribuição sindical. Novamente, a intenção foi tentar acabar com a possibilidade de desconto em folha, o que é confirmado pelo art. 582 da CLT.

Pontua-se, por outro lado, que o art. 579 reforçou a atecnia do artigo precedente ao mencionar: “[…] está condicionado à autorização prévia e voluntária do empregado que participar de determinada categoria econômica ou profissional ou de profissão liberal” (grifou-se), enquanto na redação anterior, dada pela Lei 13.467/2017, a parte final do artigo era: “[…] está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal”.

Como se sabe – e, obviamente, não foi intenção da Medida Provisória alterar essa conceituação –, empregado nenhum participa de uma categoria econômica, uma vez que esta é o “agrupamento de empregadores que realizam a mesma atividade econômica ou atividades similares ou conexas a esta”[18]. Do mesmo modo, um sindicato de profissionais liberais[19] não é composto por empregados.

A menção legal ao empregado como participante de categoria econômica ou de profissional liberal reforça a conclusão, já obtida nos comentários ao artigo anterior com base no Princípio da Isonomia, de que não foi a intenção do Poder Executivo criar diferenciação, nesse aspecto, entre as entidades sindicais. A menção apenas à autorização do empregado não passou, provavelmente, de descuido ou pura ignorância.

Assim, deve-se compreender que as exigências impostas valem tanto para as contribuições aos sindicatos profissionais (cuja autorização deve ser dada pelo empregado respectivo), quanto para aquelas destinadas aos sindicatos patronais (no caso, a autorização mencionada na lei seria dada pela empresa respectiva) e de profissionais liberais (hipótese na qual a autorização mencionada na lei seria dada pelo profissional liberal atinente).

O parágrafo primeiro do art. 579 tenta indicar a impossibilidade de que a autorização individual, prévia, expressa, voluntária e por escrito do empregado/empregador/profissional liberal possa ser suprida por uma autorização tácita ou substituída pela possibilidade de oposição do não filiado (na praxe, é bastante comum que as entidades sindicais imponham determinada contribuição a todos os integrantes da categoria, porém ressalvem a possibilidade de o empregado/empresa/profissional liberal poderem se opor à contribuição em determinado prazo; caso manifestada a oposição no prazo estabelecido, a contribuição não será cobrada do respectivo integrante da categoria; a Medida Provisória veda tal prática).

Já o parágrafo segundo impede que cláusula normativa estipulada por acordo ou convenção coletiva, por assembleia geral ou pelo estatuto da entidade sindical possa, sem atendimento dos requisitos previstos no aludido artigo (autorização individual, prévia, expressa, voluntária e por escrito), estipular a compulsoriedade ou obrigatoriedade (a rigor as expressões são sinônimas) de qualquer espécie de contribuição sindical.

Conforme os comentários formulados ao artigo anterior, as restrições impostas pelos parágrafos 1º e 2º do artigo 579 não alcançam os filiados à entidade sindical respectiva. Isso porque, como visto, os filiados se submetem ao estatuto (e às contribuições nele previstas) e às deliberações/pactuações firmadas pela entidade sindical, de modo que a lei não pode transformar esta em uma soma agregada de manifestações individuais, sob pena de retirar o caráter coletivo e representativo, reconhecido e atribuído pela Carta da República, do sistema sindical.

2.4 Inclusão do artigo 579-A à Consolidação das Leis do Trabalho (art. 1º da MP 873)

Art. 579-A. Podem ser exigidas somente dos filiados ao sindicato:

I - a contribuição confederativa de que trata o inciso IV do caput do art. 8º da Constituição;

II - a mensalidade sindical; e

III - as demais contribuições sindicais, incluídas aquelas instituídas pelo estatuto do sindicato ou por negociação coletiva.

Comentários: o referido artigo reforça a tese sustentada desde os comentários aos artigos 578 e 579 da CLT no sentido de que os requisitos de exigibilidade das contribuições sindicais (autorização individual, prévia, expressa, voluntária e por escrito) não se aplicam aos filiados, quando houver previsão estatutária ou deliberações/pactuações firmadas pela entidade sindical estipulando a contribuição facultativa. Conclui-se isso a partir da adoção do termo “exigidas” (cobradas impositivamente) no caput do art. 579-A da CLT e do inciso III, que reconhece expressamente a possibilidade de legítima instituição de contribuições obrigatórias dos filiados por meio do estatuto do sindicato ou por negociação coletiva (rol meramente exemplificativo, sendo certo que, em respeito à autonomia sindical e desde que previsto estatutariamente, outras modalidades contributivas podem ser impostas, inclusive, pela assembleia geral).

O artigo, ademais, positiva o entendimento já consolidado pelo Tribunal Superior do Trabalho (Orientação Jurisprudencial nº 17 e Precedente Normativo nº 119, todos da Seção de Dissídios Coletivos) e do Supremo Tribunal Federal (Súmula Vinculante nº 40 e ARE 1018459) acerca da impossibilidade de imposição de contribuições sindicais compulsórias a não filiados.

De qualquer sorte, diante da liberdade negocial vigente no ordenamento jurídico pátrio, é plenamente lícito, conforme já comentado mais acima, que qualquer espécie de contribuição sindical, independentemente do nome adotado, que vier a ser autorizada prévia, voluntária, expressa e individualmente pelo empregado (contribuição sindical profissional), pela empresa (contribuição sindical patronal) ou pelo profissional liberal (contribuição sindical do profissional liberal) em prol do custeio das entidades sindicais respectivas é lícita e exigível, mesmo que o empregado, a empresa ou o profissional liberal não sejam filiados à respectiva entidade.

Assim, não se pode compreender que o art. 579-A da CLT teria, a contrario sensu, estipulado a possibilidade de não filiados custearem o sistema sindical apenas por meio da “contribuição sindical legal facultativa” (única espécie que não foi inserida no rol do aludido dispositivo), sob pena de violação à liberdade negocial dos não filiados, garantida pelo Direito de Liberdade constante no art. 5º, caput, da Constituição Federal.

Em outras palavras, o não filiado, caso queira, pode contribuir financeiramente com o custeio do sistema sindical da maneira que lhe convier, desde que essa seja a sua vontade. A lei não pode proibir ou limitar o exercício legítimo da liberdade, inclusive patrimonial, de que cada indivíduo dispõe.

2.5 Alteração do artigo 582 da Consolidação das Leis do Trabalho (art. 1º da MP 873)

Nova redação:

Art. 582. A contribuição dos empregados que autorizarem, prévia e expressamente, o recolhimento da contribuição sindical será feita exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, que será encaminhado obrigatoriamente à residência do empregado ou, na hipótese de impossibilidade de recebimento, à sede da empresa.

§ 1º A inobservância ao disposto neste artigo ensejará a aplicação do disposto no art. 598.

§ 2º É vedado o envio de boleto ou equivalente à residência do empregado ou à sede da empresa, na hipótese de inexistência de autorização prévia e expressa do empregado.

§ 3º Para fins do disposto no inciso I do caput do art. 580, considera-se um dia de trabalho o equivalente a:

I - uma jornada normal de trabalho, na hipótese de o pagamento ao empregado ser feito por unidade de tempo; ou

II - 1/30 (um trinta avos) da quantia percebida no mês anterior, na hipótese de a remuneração ser paga por tarefa, empreitada ou comissão.

§ 3º Na hipótese de pagamento do salário em utilidades, ou nos casos em que o empregado receba, habitualmente, gorjetas, a contribuição sindical corresponderá a 1/30 (um trinta avos) da importância que tiver servido de base, no mês de janeiro, para a contribuição do empregado à Previdência Social.

Antiga Redação:

Art. 582. Os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)”

§ 1º Considera-se um dia de trabalho, para efeito de determinação da importância a que alude o item I do Art. 580, o equivalente: (Redação dada pela Lei nº 6.386, de 9.12.1976)

a) a uma jornada normal de trabalho, se o pagamento ao empregado for feito por unidade de tempo; (Redação dada pela Lei nº 6.386, de 9.12.1976)

b) a 1/30 (um trinta avos) da quantia percebida no mês anterior, se a remuneração for paga por tarefa, empreitada ou comissão. (Redação dada pela Lei nº 6.386, de 9.12.1976)

§ 2º Quando o salário for pago em utilidades, ou nos casos em que o empregado receba, habitualmente, gorjetas, a contribuição sindical corresponderá a 1/30 (um trinta avos) da importância que tiver servido de base, no mês de janeiro, para a contribuição do empregado à Previdência Social. (Redação dada pela Lei nº 6.386, de 9.12.1976)

Comentários: segundo o texto publicado no Diário Oficial da União de 1º de março de 2019 (edição extra), o aludido artigo passou a contar com dois parágrafos terceiros. Trata-se, entretanto, de manifesto erro material.

Ressalvado esse equívoco – que revela, juntamente com as atecnias ou “atos falhos” já identificados nos comentários anteriores, que o texto foi feito às pressas -, fato é que, a partir do “primeiro” parágrafo terceiro, o artigo basicamente repete, com pequenos ajustes textuais irrelevantes, o teor dos antigos parágrafos primeiro e segundo do dispositivo (que tinham a redação dada pela Lei 6.386/1976).

O problema e, muito provavelmente, a alteração mais grosseira promovida pela medida provisória se encontram na nova redação do caput e dos parágrafos primeiro e segundo do artigo.

Em um atentado à liberdade negocial aplicável a qualquer esfera da vida privada, e visando a acabar com a possibilidade de desconto em folha de pagamento de qualquer espécie de contribuição sindical, a MP estipulou que “o recolhimento da contribuição sindical será feita exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico” (grifou-se). Sobre esse ponto, a Exposição de Motivos da Medida Provisória silenciou, talvez por sequer conseguir esboçar uma justificativa para a edição de uma alteração normativa tão relevante e urgente.

Tal preceito é flagrantemente inconstitucional.

Quando o art. 8º, IV, da Constituição Federal, assegura que a contribuição confederativa será descontada na folha de pagamento do empregado, a Carta Magna garante, em síntese, que qualquer modalidade de contribuição destinada ao custeio do sistema sindical possa ser descontada, sem ônus para a entidade sindical, diretamente do salário dos trabalhadores. Isso porque, como visto anteriormente, a “contribuição confederativa” não ostenta qualquer peculiaridade, entre as contribuições facultativas, capaz de lhe conferir um tratamento melhor ou pior pela legislação. Em outras palavras, não faz qualquer sentido que uma contribuição voluntária específica para custear o sistema confederativo possa ser descontada em folha de pagamento e, por exemplo, uma contribuição voluntária que vise custear apenas a entidade sindical de primeiro grau não possa ser descontada dos salários obreiros.

A previsão do desconto em folha de pagamento, portanto, deve ser compreendida como uma prerrogativa não onerosa garantida às entidades sindicais no sentido de facilitar seus financiamentos (o desconto em folha de pagamento evita uma série de procedimentos de gestão, acompanhamento e cobrança das contribuições sindicais, além de, é claro, assegurar uma inadimplência praticamente zero) e reduzir ao máximo os custos operacionais das entidades.

Assim, a menção específica à “contribuição confederativa” na Constituição Federal deve ser entendida como exemplificativa, sendo plenamente lícita não só a imposição das mais diversas modalidades de contribuição sindical facultativa pelas entidades sindicais (decorrência do Princípio da Autonomia Sindical – art. 8º, I, da Carta da República), como também que cada qual seja descontada da folha de pagamento dos empregados (interpretação extensiva, defluente da aplicação dos métodos sistemático e teleológico do texto normativo, do art. 8º, IV, da Constituição Federal).

Ademais, a Constituição da República, ao assegurar o Direito de Liberdade (art. 5º, caput) instituiu, como corolário, o Princípio da Liberdade Negocial, no qual as pessoas, no exercício da autonomia de suas vontades, são livres para firmar negócios jurídicos e definir seus contornos - desde que, é claro, respeitados os limites éticos impostos pelo ordenamento jurídico (observância da função socioambiental nas relações negociais, destacadamente). Nesse contexto, não pode a legislação infraconstitucional invadir desarrazoadamente ou desproporcionalmente a liberdade dos indivíduos de efetivarem negócios jurídicos.

Não pode o legislador, por exemplo, dizer que o pagamento deve se dar com a mão direita, que pequenos estabelecimentos só podem aceitar moedas, que as lojas de calçados do Brasil só podem vender por meio de cartão de crédito, que o pagamento do colégio só pode ser feito por transferência bancária etc. O Direito de Liberdade, em síntese, protege a esfera privada da invasão estatal desmedida, servindo de escudo para limitar a vontade do Estado sobre os indivíduos e, consequentemente, impedir a instauração de uma ditadura disfarçada de regulamentação.

A título de reforçar a inconstitucionalidade da imposição, é importante frisar que o meio de pagamento imposto é oneroso (cada boleto custa, em média, entre R$7,92 e R$10,28, a depender da espécie, segundo o Banco Central do Brasil[20]), o que pode, inclusive, inviabilizar - seja pela perda de receita líquida, seja pela necessidade de majorar a contribuição e, com isso, perder contribuintes - o custeio de algumas entidades sindicais menores, cujos valores das contribuições são diminutos.

Se a norma imposta pela MP 873 não se sustenta nem mesmo sob a óptica de uma relação privada ordinária, logicamente a sua incompatibilidade constitucional é ainda mais evidente quando levamos em conta que a medida provisória visou intervir em relações que se circunscrevem no âmbito da autonomia das entidades sindicais, a qual é imunizada de intervenções estatais indevidas pelo art. 8º, I, da Constituição Federal.

A exposição de motivos, apesar de invocar o Princípio da Autonomia Sindical apenas conforme a sua conveniência e sempre visando justificar medidas prejudiciais ao custeio sindical, é bastante esclarecedora em uma passagem, a qual se aplica, ainda que “sem querer”, com maestria para revelar a inconstitucionalidade ora examinada: “A forma de pagamento do custeio sindical é assunto interna corporis da entidade, sujeita a normativos oriundos do próprio sindicato, sem participação, em nenhuma medida, dos órgãos ou entidades integrantes da Administração Pública Federal.”

Como se observa, a imposição obrigatória da cobrança e do pagamento de qualquer modalidade de contribuição sindical por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, além de violar o art. 8º, IV, da Constituição Federal, ainda vulnera o art. 5º, caput, e 8º, I, da Carta Maior.

Assim, caso inviável o desconto em folha de pagamento, cabe às entidades sindicais deliberarem, dentro da razoabilidade, a maneira como pretendem realizar (por e-mail, pessoalmente, telefone, SMS, Whatsapp, carta etc.) e receber (pagamento em dinheiro, cartão de crédito, cheque, boleto, transferência bancária, PayPal, Bitcoin etc.) a cobrança da contribuição atinente e aos integrantes da categoria decidirem como pretendem, dentre os meios disponíveis, realizar o respectivo pagamento.

Não sendo nem mesmo válida a estipulação compulsória de cobrança via boleto (ou equivalente eletrônico), naturalmente é também violadora do Direito de Liberdade a previsão de que este “será encaminhado obrigatoriamente à residência do empregado ou, na hipótese de impossibilidade de recebimento, à sede da empresa”. Como visto, está dentro da Liberdade Negocial operacionalizar negócios, cobrá-los e efetivá-los por meio de todos os meios razoáveis disponíveis.

O §2º, por outro lado, merece ser visto com temperamentos. O artigo pretende impedir que o integrante da categoria seja importunado indevidamente, de modo que, em síntese, a entidade sindical não pode realizar cobranças indevidas dos integrantes da categoria - o que parece razoável.

Já previsão do §1º (“A inobservância ao disposto neste artigo ensejará a aplicação do disposto no art. 598”[21]) é parcialmente inconstitucional. A obrigatoriedade da cobrança via boleto bancário ou equivalente eletrônico e as filigranas procedimentais atinentes criadas não são exigíveis e, portanto, não ensejam penalidade alguma, já que incompatíveis com a Constituição Federal, conforme já demonstrado.

Por outro lado, entende-se razoável que a realização de cobrança indevida, total (inexistentes os pressupostos autorizadores da contribuição) ou parcialmente (valores superiores aos devidos), possa ensejar a aplicação de penalidade pela fiscalização trabalhista, desde que, por uma questão de ponderação, seja identificado o dolo da entidade sindical. Não se pode perder de vista que as entidades sindicais não têm fins lucrativos e desenvolvem uma missão coletiva fundamental, de modo que não podem, a fim de não serem inviabilizadas e nem terem sua autonomia feridas, ser penalizadas pelo estado sem sólidos elementos demonstradores de uma prática desleal ou de má-fé.

2.6 Revogação da alínea “c” do caput do art. 240 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (art. 2º, “b”, da MP 873)

Conteúdo do dispositivo revogado:

Art. 240. Ao servidor público civil é assegurado, nos termos da Constituição Federal, o direito à livre associação sindical e os seguintes direitos, entre outros, dela decorrentes:

[…]

c) de descontar em folha, sem ônus para a entidade sindical a que for filiado, o valor das mensalidades e contribuições definidas em assembléia geral da categoria. (grifou-se)

Comentários: a revogação deve ser entendida como não possuindo qualquer efeito prático.

Isso porque, como visto no comentário anterior, quando o art. 8º, IV, da Constituição Federal, assegura que a contribuição confederativa será descontada na folha de pagamento do empregado, a Carta Magna garante, em síntese, que qualquer modalidade de contribuição destinada ao custeio do sistema sindical possa ser descontada, sem ônus para a entidade sindical, diretamente do salário dos trabalhadores.

Firmou-se que o objetivo da Constituição foi justamente o de assegurar uma prerrogativa não onerosa às entidades sindicais, facilitando seus financiamentos (o desconto em folha de pagamento evita uma série de procedimentos de gestão, acompanhamento e cobrança das contribuições sindicais, além de, é claro, assegurar uma inadimplência praticamente zero) e reduzindo ao máximo os custos operacionais das entidades.

Salienta-se que o art. 8º da Constituição Federal, logicamente, aplica-se aos servidores públicos, uma vez que se tratam de trabalhadores lato sensu (destinatários, assim, da organização sindical formulada pela Carta Magna) e, ademais, não faria qualquer sentido, neste aspecto, conferir tratamento diferenciado entre os sindicatos da iniciativa privada e dos servidores públicos, mormente em prejuízo à organização coletiva dos trabalhadores.

Ou seja, a própria Constituição da República assegura às entidades sindicais de servidores públicos de qualquer esfera (municipal, estadual, distrital ou federal), sem qualquer ônus financeiro, o desconto em folha de pagamento das contribuições sindicais e o art. 240, “c”, da Lei 8.112/1990, desse modo, apenas positivava na legislação infraconstitucional o que já estava previsto na Carta Maior.

A despeito do que ora se argumenta, curiosamente, a exposição de motivos da MP 873, dos pontos 2 a 14 (o documento enumera 20 pontos), cuida apenas dessa revogação. Vale a pena a transcrição das justificativas do governo:

2. Atualmente, o ordenamento jurídico confere às entidades representativas e sindicais a natureza de pessoa jurídica de direito privado, sendo vedado ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical (cf. art. 8º da Constituição).

3. Essa previsão encontra-se em consonância com os normativos internacionais que regem a relação entre o Estado e as entidades sindicais e representativas, haja vista que a Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), incorporada no ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto Legislativo nº 206, de 2010, preconiza, em seu art. 5º, que as “organizações de trabalhadores da Administração Pública devem usufruir de completa independência das autoridades públicas”.

4. Tendo em vista a nítida natureza privada dessas entidades e o dever estatal de não ingerência sobre as organizações sindicais e representativas, deve-se concluir que o custeio das entidades deve ser realizado por meio de recursos privados, provenientes das contribuições individuais dos servidores voluntariamente filiados, sem qualquer interferência, participação ou uso da Administração Pública.

5. Existem, atualmente, cerca de 300 entidades (entre sindicatos e associações), que representam aproximadamente um milhão e duzentos mil servidores (entre ativos e inativos). Do total de servidores públicos, 40% (quarenta por cento) encontra-se filiado a alguma dessas entidades representativas de classe e lhes repassam, anualmente, via desconto em folha de pagamento, custeado pelo Poder Público, cerca de R$ 579 (quinhentos e setenta e nove) milhões.

6. O ato formal que gera o vínculo entre o servidor e a entidade representativa é a filiação, que deve ser voluntária, expressa e individual, não podendo ocorrer por mera decisão de assembleia, sem o ato individual expresso.

7. O custeio das entidades representativas no setor público ocorre por meio de contribuições mensais (mensalidades) de cada servidor. Nesse sentido, não há contribuição sindical ou confederativa nos moldes do setor privado pré-Reforma.

8. A alínea “c” do art. 240 da Lei nº 8.112, de 1990, estabelece a possibilidade de desconto em folha, sem ônus para a entidade sindical, do valor das mensalidades e contribuições definidas em assembleia geral da categoria. A alínea "c" do caput do referido artigo define como sendo direito do servidor tal desconto, no entanto, da leitura do dispositivo fica claro que não se trata de um direito legítimo dos servidores mas sim de um privilégio dos sindicatos, de uma vantagem indevida e custeada pelos impostos pagos pela população brasileira.

9. Entende-se que tal previsão contida na Lei nº 8.112, de 1990, é de todo inadequada, considerando a natureza privada das entidades e a necessidade de independência em relação ao Estado. Esse dispositivo estabelece privilégio injustificável em prol das entidades sindicais de servidores públicos, as quais deveriam custear suas operações por meios exclusivamente privados, sem qualquer interferência ou favor estatal.

10. Ademais, tal prática, ao conferir vantagem indevida e beneficiar organizações privadas, viola princípios basilares da administração pública, em especial o artigo 37 da Constituição Federal, que determina a observância dos princípios da impessoalidade e moralidade. Levando em conta o cenário acima narrado, conclui-se ser inadequado manter no Estatuto dos Servidores Civis Federais a previsão de desconto do valor das mensalidades e contribuições sindicais definidas em assembleia geral. Claramente, o Estado brasileiro estará privilegiando um grupo, já influente e próximo à tomada de decisões, em detrimento dos demais cidadãos.

11. A verdade é que, assim como ocorreu na relação entre estado e igreja, deve haver uma evolução no sentido de uma total autonomia na relação entre estado e entidades sindicais, a fim de conferir independência para cada uma das partes, afastar qualquer conflito de interesse que por ventura possa acontecer e evitar ações ou condutas inadequadas tanto por parte do estado quanto por parte das entidades sindicais. É seguro afirmar que, dessa forma, o Brasil avançará e modernizará a maneira como se dá a relação sindical, construindo uma relação mais sadia e adequada, seja entre estados e entidades sindicais, seja entre entidades sindicais e servidores, com mais transparência, independência e liberdade.

12. O Estado não deve possuir ingerência sobre qualquer relação envolvendo a entidade sindical e o servidor público e não pode conferir tratamento diferenciado e preferencial para uma categoria específica de trabalhadores. Trata-se, afinal, de relação de cunho exclusivamente privado. O custeio das atividades sindicais, portanto, não resta dúvida, deve ser operacionalizado por mecanismos próprios do sindicato, devendo o Poder Público atuar de forma isenta, justa e imparcial em relação à matéria, reforçando o princípio de igualdade perante a lei, que é um dos alicerces da república.

13. A forma de pagamento do custeio sindical é assunto interna corporis da entidade, sujeita a normativos oriundos do próprio sindicato, sem participação, em nenhuma medida, dos órgãos ou entidades integrantes da Administração Pública Federal. Os sindicatos e associações que forem diligentes, fizerem uma representação adequada, prestarem um serviço relevante aos seus membros, receberão as contribuições em dia e sem questionamentos.

14. Os benefícios pretendidos pela proposta consistem em garantir a autonomia da liberdade sindical e associativa, constituindo mudança positiva para o servidor, que ampliará, dessa forma, seu poder de escolha e terá seus representantes mais próximos e com contato frequente. Também ensejará maior transparência e clareza para os servidores a respeito das suas contribuições, quanto é arrecadado, qual a utilização dos recursos e assim por diante. Além disso, afasta o envolvimento da Administração Pública federal em relações exclusivamente privadas, o que está em consonância com os ordenamentos constitucional e internacional e com os princípios de justiça, razoabilidade e proporcionalidade.

O Poder Executivo, após editar uma MP que chega ao descalabro de tentar obrigar os sindicatos a cobrarem suas contribuições via boleto bancário, de repente lembrou da existência da autonomia sindical (a “forma de pagamento do custeio sindical é assunto interna corporis da entidade, sujeita a normativos oriundos do próprio sindicato”), invocando-a, de forma distorcida, para prejudicar o custeio das entidades sindicais de servidores públicos federais.

A exposição de motivos parte de premissas equivocadas.

1) O de que a previsão de desconto em folha sem ônus para as entidades sindicais seria “privilégio injustificável em prol das entidades sindicais de servidores públicos, as quais deveriam custear suas operações por meios exclusivamente privados, sem qualquer interferência ou favor estatal”: como visto, a todas as entidades sindicais é assegurado o desconto em folha sem ônus (art. 8º, IV, da CF), não se tratando de privilégio das entidades de servidores públicos; o tratamento diferenciado seria justamente negar o desconto em folha apenas às entidades dos servidores públicos.

2) A “prática, ao conferir vantagem indevida e beneficiar organizações privadas, viola princípios basilares da administração pública, em especial o artigo 37 da Constituição Federal, que determina a observância dos princípios da impessoalidade e moralidade”: respeitar o sistema sindical constitucional aplicável às entidades sindicais de servidores públicos é dever da administração pública, sendo imoral e personalista, na verdade, o manifesto propósito da medida de, imediatamente e de surpresa, tentar dificultar o custeio e criar despesas para as entidades sindicais.

3) “O Estado não deve possuir ingerência sobre qualquer relação envolvendo a entidade sindical e o servidor público e não pode conferir tratamento diferenciado e preferencial para uma categoria específica de trabalhadores”: não há nem nunca houve esse tratamento privilegiado alegado, consoante já demonstrado; ao contrário, a MP 873 tenta conceder à administração pública e aos empregadores o privilégio de desrespeitar a Constituição Federal, recusando aplicação ao art. 8º, IV, da Constituição da República, seja por meio da negativa do desconto em folha de pagamento das contribuições sindicais, seja cobrando pela providência.

4) “Os benefícios pretendidos pela proposta consistem em garantir a autonomia da liberdade sindical e associativa, constituindo mudança positiva para o servidor, que ampliará, dessa forma, seu poder de escolha e terá seus representantes mais próximos e com contato frequente. Também ensejará maior transparência e clareza para os servidores a respeito das suas contribuições, quanto é arrecadado, qual a utilização dos recursos e assim por diante”: a passagem é nebulosa, não sendo possível se compreender como a pretensa vedação ao desconto em folha da contribuição sindical iria gerar tamanha “transparência” e “melhoria” na atuação sindical (aparentemente, a tese é de que os representantes, diante das entidades sindicais encurraladas financeiramente, iriam “resolver trabalhar” desesperadamente para tentar convencer os servidores a contribuírem).

2.7 Estipulação de vigência imediata da Medida Provisória, a partir de sua publicação (art. 3º da MP)

Comentários: uma vez tendo sido editada uma medida provisória – a qual é instituída em situações de, em tese, relevância e urgência da matéria (a existência desses requisitos será analisada mais adiante) -, natural a vigência imediata.

Afinal, a estipulação de um período de vacatio legis em MP é, até certo ponto, contraditória com a premissa de urgência da alteração normativa.

O dispositivo, portanto, não carece de muitos comentários.

Sobre o autor
Charles da Costa Bruxel

Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Direito na área de concentração de Constituição, Sociedade e Pensamento Jurídico pela Universidade Federal do Ceará (2021). Especialista em Direito Processual Civil pela Damásio Educacional (2018). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho (2013). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2016). Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (2011). Analista Judiciário - Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), exercendo atualmente a função de Assistente em Gabinete de Desembargador. Explora pesquisas principalmente o Direito Processual do Trabalho, Direito do Trabalho, Direito Processual Civil e Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUXEL, Charles Costa. Comentários detalhados, artigo por artigo, à Medida Provisória n. 873 e ao Decreto n. 9.735. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5774, 23 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73145. Acesso em: 22 nov. 2024.

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