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A tabela Price é ilegal?

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4. Equívocos utilizados para justificar o injustificável

Às vezes se comete um engano – proposital ou não – na tentativa de justificar um fato que é impossível, qual seja: que a tabela price não embute juros compostos (juros sobre juros ou juros exponenciais). Ora, o tema implica em conhecimentos de matemática, ciência exata.

Normalmente essa tentativa parte de um sofisma, ou seja, através de argumento que parte de premissas verdadeiras, ou tidas como verdadeiras, se chega a uma conclusão inadmissível, apresentada como resultado das regras formais do raciocínio.

Com efeito, do valor financiado acrescido de juros mês a mês, descontam o valor das parcelas já acrescidas do coeficiente da tabela price e, portanto, de juros compostos, isso na exata medida em que o valor das parcelas, já calculada a tabela price, por natureza, em virtude da fórmula, já embute os juros compostos.

Ora, é evidente que, ao descontar esse valor do saldo devedor acrescido dos juros, ao final, o saldo será zero (ou bem próximo de zero).

Portanto, o sofisma para justificar que o cálculo não embute juros compostos parte, como dito, das parcelas já acrescidas de juros da tabela price, exatamente como na demonstração que fizemos acima, mas com conclusão absolutamente equivocada.

Outro argumento utilizado - evidentemente por pessoas sem formação jurídica – diz respeito ao art. 993 do Código Civil, dispositivo que comprovaria a inexistência de juros compostos em sistemas de amortização.

O art. 993 comprova exatamente o contrário, mormente que determina a completa separação de juros e capital, impedindo a acumulação de juros vencidos no capital para contagem de novos juros.

Profissionais tecnicamente despreparados para a análise da tabela price argumentam, ainda, o seguinte: o débito dos juros, efetuado na data de cada parcela é decrescente e, portanto, não haveria capitalização.

Não há nada mais incongruente.

Como se trata de um sistema de amortização, é evidente que os juros são decrescentes. Todavia, o fato de ocorrer amortizações não significa, como prova MARIO GERALDO PEREIRA, que os juros calculados são capitalizados sobre o saldo amortizado.

Não é incomum encontrarmos quem diga que primeiro se paga juros sobre todo o capital. Este argumento só se justifica se o contrato for mensal, ou seja, se for tomado um empréstimo hoje para devolução em 30 dias, quando serão pagos os juros totais e o capital integral.

Não é o caso de empréstimos que duram 5, 10, 15 ou 20 anos, como os que normalmente são vinculados à aquisição da casa própria.

Em suma, os argumentos normalmente apresentados não vislumbram outro sistema de amortização que não seja a tabela price (TP) para justificar-se. Em outras palavras, partem das conclusões da própria tabela price para validar os princípios da mesma e se valem dos princípios da tabela price para chegar às mesmas conclusões.

São meros sofismas: se os princípios da tabela price forem considerados corretos, é evidente que suas conclusões também serão.

Enfim, as falhas decorrem da análise levada a efeito por profissionais sem capacitação técnica e científica para a análise da capitalização (juros compostos) existente na tabela price.

Antes de cometer verdadeiros dislates na análise da tabela price é de bom alvitre a qualquer profissional um estudo aprofundado do científico trabalho de MARIO GERALDO PEREIRA (Plano básico de amortização pelo sistema francês e respectivo fator de conversão – FCEA – Universidade de São Paulo, 1965).


5. Os tribunais e a tabela price

A evidência matemática que expusemos – capitalização composta de juros na tabela price – bem como sua relação com a proibição do anatocismo contido no art. 4º do Decreto n. 22.626/33 passou longo período sob a capa do desconhecimento matemático que impera no meio jurídico.

Todavia, recentemente, os tribunais e juízes vêm identificando esses aspectos e coibindo o uso da tabela price, providência salutar tendo em vista os funestos efeitos sociais de sua utilização.

Vejamos alguns trechos dessas decisões:

Com efeito, a avença fala num sistema de amortização "TP"que, ao que tudo indica, seja mesmo o da tabela price como afirmam os recorrentes, até porque está expressamente mencionada na certidão imobiliária de fls. 17, o qual incorpora, por excelência, os juros compostos (cf. Luiz Antonio Scavone Junior, Obrigações – abordagem didática, Editora Juarez de Oliveira, 1999, pág.. 188), o que contraria as Súmulas ns. 121 e 596 do STF, e 93 do STJ. (Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo - Agravo de Instrumento n. 886.106-1 - São Paulo – SP – Relator: Juiz SILVEIRA PAULILO, Julgamento: 27.09.1999 )

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Nos autos do processo n. 320/97, perante a 5a. Vara Cível de Goiânia – GO, asseverou o Juiz Carlos Alberto França:

Já em relação à capitalização de juros e utilização da tabela price, cuja ocorrência foi confirmada na perícia realizada, bastando verificar no laudo pericial anexado aos autos, tem razão o inconformismo dos autores.

O fato de inexistir limitação legal de juros, vez que este juízo entende que o art. 193, §3º, da Constituição Federal ainda não está em vigor, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, não significa permissão para a capitalização mensal e a utilização da tabela price, que representa também capitalização mensal ou anatocismo.

Ao responder os quesitos de nº 3 e 12, formulados pelos autores, fls. 266 e 268, o Sr. Perito deixou claro a cobrança de juros capitalizados mensalmente e a utilização da tabela price.

A capitalização mensal de juros não tem amparo legal para o caso em debate, devendo a capitalização acontecer somente anualmente e a utilização da tabela price representa enriquecimento sem causa do credor, vez que capitaliza juros sobre juros de forma antecipada, durante todo o período de vigência do contrato, não podendo ser aplicada, conforme reiteradamente tem decidido o E. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.


5. A tabela price e o princípio da transparência do Código de Defesa do Consumidor

A tabela price é um sistema de amortização absolutamente inacessível, mormente em razão de sua intrincada fórmula matemática, inacessível ao homem médio.

Ademais, tem sido utilizada, principalmente no mercado imobiliário, como forma de não demonstrar o valor total envolvido no negócio jurídico.

Portanto, o sistema francês é utilizado para mascarar o preço real pretendido, principalmente nos contratos de compra e venda de imóveis (cf. Luiz Antonio Scavone Junior. Os Contratos Imobiliários e a previsão de aplicação da Tabela Price – Anatocismo. São Paulo, Revista de direito do consumidor n. 28 – Ed. Revista dos Tribunais – outubro/dezembro/1998, p. 129; Obrigações, abordagem didática – 2a. edição, São Paulo, Editora Jurez de Oliveira, 2000).

De fato, algumas empresas utilizam o artifício de prever contratualmente a tabela price, que é incluída somente após a conclusão das obras quando o infeliz adquirente já está absolutamente engolfado no financiamento.

Nesse sentido, mesmo sem entender, o contratante acaba aceitando o abissal acréscimo no valor das parcelas em virtude da inclusão dos juros capitalizados mensalmente, decorrentes da aplicação da tabela price.

Outrossim, a publicidade freqüentemente afronta a Lei n. 8.078/90 . Basta abrir os jornais e perceber que os anúncios, quando mencionam o fato, o fazem em letras miúdas, praticamente ilegíveis, utilizando a sigla "TP".

Aliás, já dissemos alhures que, a título de curiosidade, passamos a anotar os termos utilizados pelos clientes que nos procuram quando indagados acerca do significado de "TP": tabela progressiva, tabela padrão, tabela particular, taxa de prefixação; tabela preliminar; taxa preliminar e taxa de preparação, entre outros.

Mesmo aqueles que conhecem o significado, dificilmente sabem demonstrar os labirínticos cálculos envolvidos e prever o alcance dos aumentos que serão carreados às parcelas em decorrência da aplicação da tabela price.

Sendo assim, ainda que a tabela price não contivesse juros compostos, restaria inviável sua utilização no âmbito das relações de consumo em virtude do princípio da transparência esposado pelo Código de Defesa do Consumidor.

Ensina ROBERTO SENISE LISBOA que o direito à informação plena é fator de desenvolvimento da concorrência entre os fornecedores. Em qualquer modelo contratual, o direito à informação clara e precisa é de suma importância, verificando-se a sua ocorrência em razão do princípio da boa-fé entre as partes. A obrigação do predisponente de prestar a informação devida é pertinente desde a oferta, por qualquer meio, sob pena de responsabilização pré-contratual, se resultar dano a terceiro interessado, na formação do negócio jurídico em questão. A incompatibilidade com a boa-fé não pode, de qualquer forma, se verificar nas relações de consumo, por ser concepção norteadora de todo o sistema consumerista brasileiro (art. 4° , III, parte final, da Lei 8.078/90). Assim, qualquer infringência aos deveres de informação, segurança, lealdade e cooperação mútua, por meio de dispositivo negocial, caracteriza a nulidade do mesmo. (Roberto Senise Lisboa. Contratos difusos e coletivos. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais. 1997. pp. 158, 159 e 354).

Sobre os autores
Pedro Afonso Gomes

Economista. Perito Judicial e Extrajudicial, Avaliador, Auditor, Consultor, Professor, Sócio-Administrador da empresa Caminheiro Assessoria, Consultoria, Gestão e Perícias Ltda.

Luiz Antonio Scavone Júnior

advogado e administrador de empresas em São Paulo (SP), mestrando em Direito pela PUC/SP, professor de Direito da FMU

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Pedro Afonso; SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. A tabela Price é ilegal?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/736. Acesso em: 22 nov. 2024.

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