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Responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional

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Agenda 04/10/2005 às 00:00

VI – ATIVIDADE JURISDICIONAL DANOSA

Impraticável seria particularizar todas as formas em que a atividade jurisdicional se configura como danosa, responsabilizando o Estado ao ressarcimento. A vida é muito rica em acasos, impossibilitando esta catalogação. Assim, intenta-se enunciar possíveis exemplificações, tendo por finalidade ilustrar tais possibilidades.

O erro judiciário, em face do disposto no artigo 5º, inc. LXXV, da CF, engloba tanto o erro penal quanto o erro civil. A definição de erro, em seu âmbito civil, é: "Erro é o estado da mente que, por defeito do conhecimento da verdadeira situação das coisas, impede uma real manifestação da vontade (Fubini), e que se pode tornar anulável o negócio se for substancial e escusável" [32].

Não se pode confundir o erro com a independência que o magistrado têm no exercício da judicatura. A independência é a forma do juiz interpretar os institutos, as normas, enfim, o Direito. O erro, como acima exposto, é uma falsa idéia de algo, que leva a uma inexata mensuração da situação.

O erro judiciário divide-se em lato sensu e stricto sensu.

O erro judiciário lato sensu seria toda modalidade não prevista na legislação, como, v.g., o mau funcionamento ou a falha do aparelhamento judiciário. Este não seria identificado por atos do juiz, e sim "por inércia, negligência ou desordem na manutenção e funcionamento dos serviços judiciais" [33]. Esta modalidade de erro não se enquadra nos atos jurisdicionais, já que não são oriundos do magistrado, sendo assim objeto diverso do de nossa pesquisa.

Por sua vez, o erro judiciário stricto sensu estaria enquadrado nas figuras do art. 133, do CPC (e sua cópia, o art. 49, da LOMAN) e do art. 630, do CPP. Estes artigos enumeram situações diretamente ligadas as ações do juiz, sendo, desta maneira, pertinentes ao estudo.

Como já expendido, a análise deste erro em muito se aproxima a questão da independência do julgador. Pois, ao responsabilizarmos nos casos de dolo, fraude e culpa grave em sua atividade, comprometeríamos o sistema jurisdicional como um todo, já que, temerários por rechaças, estes não fariam a máquina judiciária trabalhar e a própria evolução do Direito. Mas, como já observado, o Estado seria responsabilizado diretamente, oferecendo esta defesa ao magistrado a ações fundadas no espírito de emulação e no descontentamento por uma decisão contrária a seus interesses.

É na ação indenizatória proposta contra o Estado que seria averiguada a presença deste erro, corporificado pela ação do magistrado eivada de dolo, fraude ou culpa grave. Como já salientado, não será uma interpretação divergente da norma ou das provas que caracterizará o erro. Cabe lembrar também que, quando agir sem dolo ou culpa grave – configurando somente um erro técnico, somente o Estado responderá pela indenização do dano.

Todavia, o erro judiciário só será concretizado após o esgotamento de todas as vias possíveis de reversão do mesmo, como, v.g., a utilização de recursos ou até de ações autônomas.

Intenta-se, neste momento, particularizar situações passíveis a indenização por se concretizarem a atuação jurisdicional danosa.

Exemplo desta atuação jurisdicional seria a prisão cautelar de pessoa inocente. Ela se concretizaria na prisão preventiva e na prisão resultante de pronúncia, pois são as únicas prisões cautelares que emanam do magistrado.

A prisão preventiva vem prevista no artigo 311 e seguintes do Código de Processo Penal. Sua natureza é acautelatória, por isso pode ser decretada a qualquer momento – tanto no inquérito policial quanto na ação penal – pelo magistrado, em casos que imprescindível seja garantir a ordem pública; para o andamento da instrução criminal; ou para certificar que a legislação penal será aplicada. Também existe o caso de garantia a ordem econômica, prevista na lei antitruste (Lei 8.884/84). Para sua decretação, além de algum dos elementos retro citados, exige-se, ainda, a materialidade do crime e indícios bastantes da autoria.

Consoante o art. 313 do CPP, além dos requisitos já elencados, necessário se faz, ainda, que o delito seja punido com reclusão.

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Deste modo, se não cumprir os requisitos objetivos prescritos em lei, tal prisão não pode ser procedida, pois o magistrado teria, sobremaneira, avançado à suas atribuições. Mas em nosso dia a dia, o que mais vemos é os magistrados alicerçando a decretação de tal prisão na garantia à ordem pública, por ser um elemento bastante genérico, abrangendo muitas situações. Todavia, revogada tal prisão – após a ocorrência da mesma – pelo Tribunal competente, julgada improcedente a demanda ou até no caso do próprio magistrado revogar sua decretação, caracterizada estaria a responsabilidade estatal e, subsidiariamente, a do magistrado, não obstante o respeito a independência dos juízes. Neste caso não existiria desrespeito a independência dos magistrados pois o dano pela atividade jurisdicional ocorreu – a prisão – e não deve o mesmo quedar sem a devida indenização.

A previsão da prisão decorrente da pronúncia consta nos art. 282 e 408, § 1º, ambos do CPP. Ocorrerá o dano, nesta prisão, se o réu for beneficiário, por lei, de liberdade provisória. Terá ele direito a esta liberdade provisória se for réu primário e dono de bons antecedentes. Terá direito, ainda, se o crime for afiançável, e arbitrada a fiança pelo juiz na sentença, liberto estará ele se a prestar.

Por ser apenas um procedimento preparatório ao Tribunal do Júri, este procedimento que pronuncia o réu não necessita de certeza sobre a autoria do fato, por aí ter vigência o princípio do in dúbio pro societate.

Outros exemplos de possíveis atividades deletérias advindas da jurisdição se encontram na concessão de liminar e/ou tutela antecipatória, já que ambas se perfazem em ato vinculado e não discricionário do magistrado.

Para a concessão de liminar, necessário se perfaz a presença de dois requisitos: o fumus boni iuris, i.é, a probabilidade do autor sair-se vencedor ao final da demanda; e o periculum in mora, que é o perigo da demora na prestação jurisdicional, que pode, ao fim da ação, tornar inviável os efeitos da sentença. No caso da tutela antecipada, necessária é a presença do periculum in mora e da verossimilhança dos fatos alegados, que se perfaz em uma quase certeza acerca do fato e do direito apresentados na lide.

Destarte, presentes os requisitos, o juiz obrigado está à concessão desta liminar ou tutela antecipada. Caso não a conceda, será caso gritante de denegação de justiça, que terá como supedâneo a teoria da falta do serviço público, mas advindo de ato denegatório do magistrado.

Ao revés do acima ventilado, em caso que não for cabível a liminar ou tutela, e esta for concedida, deve-se avaliar as razões que levaram o magistrado à concessão – averiguando o dolo ou a culpa, e se desta conduta exsurgir dano a alguém, a responsabilidade será do Estado, mas regressivamente do magistrado se este incorreu em dolo ou culpa grave.

Desta mesma maneira, desaparecendo os pressupostos para a concessão e manutenção desta liminar, deve o juiz revogá-la, pois se assim não o fizer e desta omissão resultar danos à parte, deve esta pleitear indenização ao Estado. Entretanto, neste caso em específico será dano originado da omissão do magistrado, por não haver proferido ato jurisdicional, que foge do tema deste trabalho.

A responsabilidade do magistrado pode se dar de duas maneiras, nesta situação de concessão de liminar ou de tutela antecipatória. A primeira delas quando o juiz conceder a liminar ou a tutela, mas o fazer com dolo ou fraude. Situação esta de bastante dificuldade na identificação. A segunda hipótese, um pouco mais fácil de se concretizar, ocorre quando presentes os pressupostos para a concessão da liminar, e o juiz a indefere. Sobremodo, impossível esta ação do juiz, havendo denegação de justiça.

No que concerne a responsabilidade do requerente de liminar, tanto em cautelar como em tutela antecipada, segundo o disposto no artigo 811 [34] do CPC, a responsabilidade seria de quem pleitear a cautelar. Discordamos deste entendimento, defendido também pelo notável HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [35].

Explica-se: quem decide sobre a concessão ou não da tutela é o juiz, analisando a presença dos pressupostos pertinentes a cada liminar ou tutela. Como ele é agente estatal, responsabiliza objetivamente e diretamente o Estado pelos danos daí advindos. Mas, comprovada a manipulação pela parte, com o fito de ludibriar o julgamento do magistrado, responderá regressivamente ao Estado os danos que este indenizou, como ocorre no caso da ação penal privada na revisão criminal.

Como dito anteriormente, nem de longe se objetivava demonstrar todas as possibilidades em que os atos do magistrado responsabilizariam ao Estado indenizar. A vida é muito rica em acasos e eventos, o que torna inexeqüível tal mister. Mas, a toda sorte, e de maneira genérica, quedaram demonstradas as possibilidades mais latentes de responsabilização estatal.


VII. POSICIONAMENTO DO STF ACERCA DO TEMA

Nosso Guardião Constitucional, o Supremo Tribunal Federal, muito pouco tem se manifestado sobre o tema. Acredita-se que, por imperar a teoria da irresponsabilidade pelos atos judiciais, poucas têm sido as demandas propostas versando sobre a matéria.

E, no escopo de minimizar pleitos dessa natureza, o Pretório Excelso assentou sua jurisprudência no sentido de que o Estado não é responsável civilmente por atos jurisdicionais, invocando o argumento de que não existe disposição legal específica para tanto.

Seguem alguns julgados emanados pela Suprema Corte, em três períodos diversos após a promulgação da Constituição Cidadã:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: ATOS DOS JUÍZES. C.F., ART. 37, § 6º. I. - A responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. II. - Decreto judicial de prisão preventiva não se confunde com o erro judiciário, C.F., art. 5º, LXXV, mesmo que o réu, ao final da ação penal, venha a ser absolvido. III. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido.

(STF – 2ª Turma - RE 429518 AgR / SC – Rel. Min. CARLOS VELLOSO - DJ 28.10.2004 p. 49).

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATO DO PODER JUDICIÁRIO. O princípio da responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos expressamente declarados em lei. Orientação assentada na Jurisprudência do STF. Recurso conhecido e provido.

(STF – 1ª Turma - RE 219117 / PR – Rel. Min. ILMAR GALVÃO - DJ 29.10.1999 p. 20).

Responsabilidade objetiva do Estado. Ato do Poder Judiciario. - A orientação que veio a predominar nesta Corte, em face das Constituições anteriores a de 1988, foi a de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciario a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do S.T.F. Recurso extraordinário não conhecido.

(STF – 1ª Turma - RE 111609 / AM – Rel. Min. MOREIRA ALVES - DJ 19.03.1993 p. 4281).

Com a devida vênia ao entendimento do STF, e consoante a refutação esposada a esse argumento que dá sustentáculo às decisões transcritas, existe expressa determinação legal que responsabiliza o Estado por todo e qualquer ato de agente público que venha a proporcionar lesão. Trata-se do § 6º do art. 37 da Constituição Federal.

A responsabilidade estatal é princípio em nosso ordenamento. Para afastar a responsabilidade do Poder Judiciário proveniente de lesões que este possa perpetrar, deveria a lei, de maneira expressa, excepcionadar tal situação. A exceção, desta feita, não deveria ser para a ocorrência da indenização (como entende o STF), e sim para a sua isenção.

Observe-se ainda que, no julgado de lavra do Min. Moreira Alves, nos idos de 1993, foi invocado entendimento de julgados anteriores à promulgação da CF/88 para fundamentá-lo. Com clareza meridiana, o próprio STF, ao beber de sua jurisprudência para alicerçar as decisões mais recentes, incorre em desrespeito a Carta de 1988. Assim o é pelo fato de existir – como exaustivamente prelecionado – preceito constitucional que alberga expressamente a responsabilização estatal por atos de seus agentes (§ 6º do art. 37), não existindo assim motivação para a refutação assentada.


VIII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Várias são as observações que hão de ser feitas, levando-se em consideração a responsabilidade estatal por atos jurisdicionais, haja vista a previsão legal para tanto (mormente os dispositivos constitucionais).

Primeiro, deve-se ressaltar a responsabilidade do Estado pelos atos do magistrado na atuação jurisdicional, pois a contrario sensu, afrontaria de maneira brutal o prelecionado por nossa Constituição Cidadã.

Sendo o magistrado agente do Estado, vindo a infringir dano a qualquer indivíduo, na qualidade de funcionário público que é, responsável será o Erário, de maneira direta, e posteriormente, se seus atos forem eivados de dolo ou culpa, o próprio magistrado, indireta e regressivamente, pelo que o Erário Público arcou.

Se assim não o fosse, certamente o preceito da isonomia, constante em nossa Carta Maior no status de princípio, seria gravemente ofendido, já que a igualdade não estaria sendo velada se o magistrado, como agente do Estado que é, não fosse responsabilizado como qualquer um outro.

O que justifica o ressarcimento pelos danos advindo das atividades jurisdicionais, encontram guarida, no caso de dano causado por ato lícito ou ilícito do magistrado, a teoria do risco administrativo, que se funda na equânime distribuição dos encargos e ônus públicos, já que o estado busca, de forma precípua, o bem-estar social. Especificamente no caso de ato ilícito, o Estado reaverá a soma que pagou, por intermédio da ação regressiva, caso seu agente tenha operado com dolo ou culpa em suas atribuições que resultaram o dano.

Mas o lesado não pode, sob a escusa de que foi agredido, pleitear diretamente a indenização. Deve ele tentar reverter a decisão que lhe impinge dano, por intermédio dos recursos que nosso ordenamento faculta e de ações autônomas – ação rescisória e revisão criminal –, sob o risco de caracterizar-se culpa da vítima, já que, de certa maneira, contribuiu para a perpetuação deste dano. Excepcionalmente, notam-se casos em que, mesmo sendo possível a interposição dos recursos, os danos já se propalam de imediato, atingindo a honra e a reputação do indivíduo. Nestes eventos, possível é a ação ressarcitória desde o acontecimento do dano.

Para a caracterização da responsabilidade do Estado, necessário se faz, tão somente, o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo indivíduo e uma atuação estatal. Portanto, como os atos do magistrado são os atos do Estado, como afirmou CHIOVENDA, não resta dúvidas que o Estado será obrigado a arcar com a indenização, e o magistrado, por via de ação regressa, em casos que seus atos estejam eivados de dolo ou culpa.

Como já dito e explicitado, nenhum dos argumentos favoráveis a retrógrada teoria da irresponsabilidade têm base jurídica e lógica o suficiente para serem respeitados. Se assim fossem, concretizariam um manto para acobertar o desleixo de agentes da justiça, o que não é concebível. Infelizmente, não é este o entendimento de nossa Suprema Corte.

A responsabilização do Estado por atos do juiz é apenas uma brisa na ventania que gostaríamos que se desencadeasse em busca de uma melhoria na Justiça. Se em um futuro quisermos que o Estado Brasileiro ofereça um serviço público judiciário de qualidade, devemos cobrá-lo agora, no presente.

Oxalá isto ocorra, para o crescimento e fortalecimento de um país cada vez mais democrático, humanitário e justo.

Sobre o autor
Adriano Aparecido Arrias de Lima

advogado em Maringá (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Adriano Aparecido Arrias. Responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 823, 4 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7381. Acesso em: 22 nov. 2024.

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