Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

O psicopata e algumas considerações jurídicas pertinentes.

Exibindo página 3 de 3
Agenda 17/05/2019 às 01:50

11. A personalidade do psicopata na dosimetria.

Longe de apresentar qualquer mácula de inconstitucionalidade por atipia, a avaliação criminal da personalidade já se encontra sedimentada na práxis jurisprudencial, intuitivamente materializada em jargões como “indivíduo tendente ou predisposto à delinquência”, ou ainda “de ação contumaz”, entre outros. Simplesmente o fruto da presença recorrente destes acusados nos meios policiais e judiciários.

Vimos que a potencialidade de ressocialização de um psicopata depende fundamentalmente de sua disposição para refrear os impulsos antissociais pela conveniência mais imediata de manter-se livre da prisão, ainda que despido de avaliação ética sobre as condutas que o levam ao cárcere. E que esta sutil e importante medição analítica deve ser realizada por um profissional habilitado a fazê-la. Mas, retornando ao momento de fixação da pena no processo condenatório, caso precedido de um diagnóstico do transtorno, parece coerente afirmar que esta prova milite a princípio em favor da acusação e de um agravamento circunstancial da pena-base prevista em abstrato, atendendo ao art. 59 do Código Penal. E na fase de execução da pena, evite a progressão, o indulto e o livramento condicional, colocando o psicopata em contato precoce com a sociedade.

Sem embargo, o interesse da perícia psiquiátrica e psicológica pela defesa pode tanto radicar na constatação de alguma doença mental traduzível em inimputabilidade, ou semi-imputabilidade tratável por medida de segurança ou internamento; quanto de algum outro transtorno de personalidade em que a noção de culpa e remorso não esteja inexoravelmente comprometida, geralmente o transtorno narcisista típico. Haveria ainda a hipótese de que o psicopata diagnosticado e submetido a tratamento prévio à condenação possa estar respondendo satisfatoriamente a um processo analítico capaz de discernir um nível desprezível de potencialidade lesiva futura. E que isto se dê a partir de uma detecção de processo consciente que o detento manifeste ao analista, estabelecendo claramente a percepção causal entre uma conduta que afete terceiro e o retorno à prisão, ao longo de um período de consultas capaz de constatar a autenticidade deste aprendizado. No caso de imputados que estejam cumprindo decretação de prisão preventiva, a perícia pode servir do mesmo modo.


12. O ensino da ética como instrumento arrefecedor do psicopata institucional.

Há um aspecto educacional que merece atenção. Se a adequada avaliação entre o certo e o errado, o importante e o desimportante, o bem e o mal, também é uma condição pedagógica, falhas estruturais na educação provavelmente estejam agregando amplitude à ‘histeria coletiva’ de que nos fala Lobaczewski, evitando a adequada identificação, segregação e readequação social dos psicopatas. Olhando um pouco para trás, a disciplina moral e cívica (Organização Social e Política do Brasil, Dec.-Lei 869/69) foi suprimida da rede curricular. O ensino das limitações egocêntricas encontra-se bastante prejudicado no seio familiar. Quem não aprendeu o que é ser ético (e o porquê de respeitar limites) não tem condição de ensiná-lo, muito menos avaliá-lo adequadamente num contexto jurídico-criminológico extremamente complexo e via de regra psicopático, como é o crime organizado.

O ensino da ética ficou muito restrito ao ambiente religioso, quando deveria ser desenvolvido por meio de uma disciplina regular nas escolas, integrando ainda conceitos e instrumentos para o exercício de cidadania, fomentando o sentimento de pertencimento à âmbitos de expressão e relação mais amplos que o individual, como ‘sociedade’ e ‘pátria’. No atual contexto, relegada à fé metafísica, a ética tornou-se “opção” de conduta, não um imperativo categórico de direito-dever. A questão suscita revisões urgentes da estrutura curricular e a reorganização das instituições, a fim de compreender a problemática e alterá-la providencialmente.


13. Filtros institucionais.

Percebe-se que um sistema ressocializador e até mesmo socializador futuro que leve em conta o diagnóstico da psicopatia terá que necessariamente evitar a inserção de seus portadores em funções que ordinariamente exijam avaliações éticas inter-relacionadas, como o Professorado, o Direito, a Administração de Empresas, a Política e a Medicina, reservando-lhes atividades mais modestas e essencialmente mecânicas ou lógicas. Para as cúpulas de governo, Lobaczewski sugeriu um Conselho composto de médicos e psicólogos, competente para filtrar candidatos às eleições, o que de fato evitaria muitos dos transtornos relacionados ao mau uso do poder.

O mesmo foco diagnóstico deveria ser adotado pelos Conselhos de Fiscalização Profissional e OAB, não apenas para a avaliação de habilitação e exclusão dos quadros profissionais, mas de própria assepsia interna.


14. Conclusões.

Embora haja estudos inconclusivos que tenham investigado causas biológicas e genéticas para o distúrbio antissocial, a compreensão do caráter proibitivo, ou pelo dos efeitos prejudiciais que a conduta provoca (imorais), não se vê prejudicada e este é um entendimento praticamente unânime dos especialistas. O senso ético distorcido do psicopata inclusive recomendaria, sob o prisma repressivo e preventivo da ação estatal, maior rigor no cálculo da pena e na aplicação de medidas cautelares voltadas à constrição da liberdade de ir e vir, especialmente se no exercício de uma função que envolva poder, ou a administração de patrimônio alheio, público ou privado.Também é preciso dedicar especial atenção à proteção de vítimas, testemunhas e provas do processo.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Muito ingênuo seria o legislador se, diante da suspeita de ação psicopática, restringisse o poder coercitivo do Estado à conduta criminal pretérita esmiuçadamente comprovada. A antevisão do comportamento delinquente a partir da personalidade, embora não possa figurar como elemento estrutural do delito ou tipo penal de forma isolada, é perfeitamente viável como anteparo complementar indiciário apto a atender a prevenção social da pena e a garantia processual do poder punitivo do Estado. Trata-se de um dos elementos de avaliação dosimétrica da pena (primeira fase), e pode servir para calibrar com maior precisão as medidas cautelares dirigidas à produção probatória do Estado-juiz, especialmente a constrição preventiva da liberdade de um sujeito suspeito ou comprovadamente psicopata, seja ele de atuação isolada ou coordenada em associação criminosa.

Sob o prisma da prevenção social, a periculosidade extremada de alguns destes indivíduos não pode ser negligenciada, mesmo que necessariamente atrelada à elementos indiciários ou probatórios de conduta em curso, já que a rigor não se pode punir/prevenir a mera cogitação criminosa. É preciso ter em mente que alguns psicopatas são responsáveis pelas piores atrocidades físicas e psicológicas praticadas desde os primórdios da sociedade civil organizada. Isto vai de homicidas que destroçam famílias num único ato, a políticos corruptos que durante anos desviam preciosos recursos do erário, prejudicando inúmeros usuários do sistema público de saúde e inibindo uma educação de qualidade aos cidadãos economicamente menos favorecidos.

A incapacidade de avaliação ética do psicopata, potencialmente desbordável a um ato ilícito, é um fato científico. Uma realidade, não uma hipótese como as abandonadas teorias morfológicas dos primórdios da criminologia. Por isto merece tratamento não apenas médico e psicológico, mas jurídico-interpretativo diferenciado. 


Referências bibliográficas:

Beck, Aaron T. e outros. Terapia Cognitiva dos Transtornos da Personalidade. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.;

Da Silva, Jordan Freitas Prazeres. Psicopatia a partir da psicanálise: desmistificando a visão da mídia. Mneme – Revista de Humanidades. 2015.;

De Cervantes, Miguel. Dom Quixote de La Mancha. Revan, 2002.;

Frankl, Victor E. Em busca de sentido. 36ªed. Petrópolis: Vozes, 2008.;

Freud, Sigmund. Estudos sobre a histeria. Vol. 2. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.;

______. O Eu e o Id. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.;

Inginieros, Jose. O homem medíocre. 3ªed. Chain: Curitiba, s/a;

Lobaczewski, Andrew. Ponerologia: psicopatas no poder. Campinas: Vide Editorial, 2014.;

Hare, Robert D. Sem Consciência. Porto Alegre: Artmed, 2013.

Silva, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.;

Sina, Amalia. Psicopata corporativo. São Paulo: Évora, 2017.

Sobre o autor
Alexandre Rocha Pintal

Advogado da Fundação Estatal de Saúde de Curitiba, inscrito na OAB/PR sob o n.º 42.250, pós-graduado em Direito Público, do Trabalho e Previdenciário, autor de Direito Imigratório (Juruá 4ª ed., 2014), articulista de revistas e sites especializados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!