Com o passar dos dias, observa-se uma situação que se repete constantemente: a vitimização e a letalidade policial só aumentam e a polícia brasileira acaba sendo conhecida como a que mais mata e a que mais morre.
No dia a dia, observa-se o cortejo fúnebre chegar ao cemitério escoltado por várias viaturas policiais, bem como a presença de muitos policiais fardados objetivando prestar uma última homenagem ao seu colega de trabalho que honrou a promessa de dar a vida por sua pátria.
Com o passar do velório, são ditas palavras de conforto à família e, em seguida, o agente falecido é escoltado pela guarda fúnebre para receber suas últimas homenagens. Nesse momento, há a salva de tiros e o “toque de silêncio”, instante este que se torna o mais triste. Em seguida, o comandante, com a cabeça para baixo, fala “em funeral, apresentar armas”, e todos prestam uma dolorosa continência ao saudoso amigo. Por seguinte, há a baixa do túmulo e a entrega da bandeira brasileira à família do policial falecido, o representando como um herói da nação.
A cena se repete por todo o país, uma esposa, mãe ou filho(a) recebe uma terrível ligação telefônica, geralmente do Comandante Militar, informando que, infelizmente, aconteceu uma coisa ruim e que, em nome da Polícia Militar, ele sente muito. É uma situação que vem acontecendo constantemente e que, lamentavelmente, vem se tornando rotina na sociedade brasileira.
Porém, pergunta-se, será que isso é normal? Será que essa realidade também está presente no dia a dia de outros países? A resposta é simples e direta: NÃO.
Ao colocar a triste situação em números, há um grande espanto. O 10° Anuário Brasileiro de Segurança Pública coloca o Brasil no topo do ranking entre os países com a maior letalidade policial, tanto na condição de vítima como de algoz. Infelizmente, a sociedade e a polícia espelham violência um no outro.
Ao comparar a taxa de letalidade policial de 2015, o Brasil passa na frente de países que são considerados os mais violentos do mundo, quais sejam, África e Honduras. O Brasil apresenta a taxa de 1.6, Honduras, 1.2, e África, 1.1.
Fora isso, é imprescindível falar que morre em torno de 500 policiais por ano no Brasil, este número é chocante ao ser comparado com os Estados Unidos, país esse que tem um alto número de gangues perigosas, terrorismo e liberdade para compras de armas de fogo em “lojinhas”. O número chega, em média, a 70 policiais mortos por ano.
Além disso, o que torna a situação ainda mais absurda, é que, para cada morto, tem-se, em média, três feridos, totalizando mais de 30 mil policiais feridos em 20 anos no Brasil.
Dessa forma, pergunta-se o porquê de tal situação. Assim, vem este artigo ser apresentado objetivando demonstrar o dia a dia do Policial Militar, as suas dificuldades e os índices de mortalidade, assim como os motivos que geram a existência de tais índices altíssimos.
1. DA PROBLEMÁTICA: A POLÍCIA BRASILEIRA É A QUE MAIS MATA E A QUE MAIS MORRE
O Brasil é um dos países que apresenta uma das mais altas taxas de mortes violentas intencionais do mundo, com uma cifra que se aproxima das 60 mil vítimas por ano. Tais retumbantes números são o retrato mais perverso dos inúmeros problemas que cercam a segurança pública e a justiça no Brasil.
Os policiais militares brasileiros integram esse universo, havendo, em 2017, um total de 367 mortes, sejam elas dentro ou fora do serviço. Tal fenômeno ganha uma grande dimensão, pois é de se observar que deveria existir uma proteção daqueles que têm a função de proteger a sociedade.
Além disso, é imprescindível falar acerca da preocupação existente com relação às pessoas que, na ponta da linha, decidem como e quando aplicar a força que o Estado lhes outorga. O fato é que o uso da força pelos agentes estatais é um tema central para a democracia brasileira, pois é esta que os diferencia de um cidadão comum.
Em síntese, é evidente que deve haver um equilíbrio nos parâmetros da legalidade, necessidade e proporcionalidade, tendo o policial que proteger a sua vida e a de outro cidadão, o que, infelizmente, não acontece.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, há uma alta vitimização e letalidade policial no país. Foram 11.197 mortes causadas por policiais entre 2009 e 2013, sendo, aproximadamente, 6 (seis) mortes diárias. Em um período de 5 (cinco) anos, 1.770 policiais foram mortos, sendo 490 mortes apenas em 2013.
Tais números se enfatizam ainda mais ao analisar uma das principais capitais do Brasil, qual seja, São Paulo. Em uma pesquisa realizada, a taxa de mortes por 100 mil policiais militares foi de 50, em 2013, e de 38,67, em 2014. Para efeito de comparação, o Brasil registrou as taxas de 25,4, em 2013, e 26,3, em 2014; o estado de São Paulo, 10,9 e 10,3, respectivamente para os mesmos.
Analisando-se os casos de letalidade policial, observa-se que estes ocorrem tanto em serviço como fora dele. Em 2013, ano com o maior número de mortalidade dos agentes, qual seja, 490 mortes, 121 mortes ocorreram durante alguma operação e 369 mortes ocorreram fora do serviço.
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2013 |
2014 |
2015 |
2016 |
2017 |
Policiais mortos em serviço |
121 |
79 |
80 |
93 |
77 |
Policiais mortos fora de serviço |
369 |
336 |
288 |
293 |
290 |
Total |
490 |
415 |
368 |
386 |
367 |
Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. |
Indaga-se a existência de tais números. Devido à baixa valorização do trabalho policial, os agentes estatais se veem obrigados a trabalhar de forma particular, principalmente como seguranças privados, para completar a renda e sustentar a família.
De fato, no decorrer de uma operação ou estando a serviço da corporação, o policial encontra-se revestido com uma maior segurança, pois tem o apoio de seus colegas, uma viatura e uma farda, o que, de fato, não ocorre em trabalhos realizados de forma particular, ficando o funcionário desprotegido e vulnerável.
Em síntese, no Brasil, 73% dos policiais militares tiveram algum colega próximo vítima de homicídio em serviço e 77,5% tiveram algum colega próximo vítima de homicídio fora do serviço. Tal situação gera, de fato, uma péssima saúde mental nos agentes de plantão, pois estes passam a conviver com um sentimento de medo e insegurança.
Fora o exposto, ao falar da vitimização, ou seja, das mortes decorrentes das atividades policiais, os números não são tão diferentes, estes continuam alarmantes. Pois bem, ainda em análise ao Anuário Brasileiro de Segurança Pública, percebe-se que, no ano de 2017, 5.159 pessoas morreram em decorrência de intervenções policiais, sejam elas em serviço ou fora deste.
Uma polícia violenta, mas que também é vítima da criminalidade. Esse é o retrato explanado no Brasil, através do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Em apenas 5 (cinco) anos, a polícia brasileira matou tanto quanto a americana em três décadas. Em análise aos números, nos Estados Unidos, cerca de 400 pessoas são mortas pela polícia a cada ano. O país tem uma forte cultura pela arma de fogo: 88,8 entre 100 americanos possuem um tipo de armamento – número 10 vezes maior que o Brasil, por exemplo. Por outro lado, a taxa de homicídios é 80% menor que no Brasil, com 4,7 mortes por 100 mil habitantes.
Já no Reino Unido, foram apenas dois policiais mortos em serviço nos últimos sete anos e apenas três disparos efetuados entre maio de 2012 e abril 2013. Os baixos índices de criminalidade no Reino Unido atestam a restrição às armas de fogo em território britânico, além da menor pobreza e desigualdade social. Somente 5% dos homicídios no Reino Unido envolvem a presença de armas de fogo.
Tais números alarmantes evidenciam que existe algo de errado no país e que tal problema deve ter uma atenção governamental para ser modificado. Como causas para tais situações, vê-se a existência da luta de classes, a qual aumenta o número da criminalidade, bem como se vê a alienação midiática, esta que gera uma insegurança da sociedade perante os policiais, e, por fim, a falta de gestão governamental, a qual cria uma desvalorização do trabalho dos agentes, seja na forma do salário ou nas condições de trabalho.
2. DA LUTA DE CLASSES INFLUENCIADA PELA CULTURA BRASILEIRA
Ab initio, imprescindível falar acerca do conceito de luta de classes, pois bem: “Luta de classes é um conceito marxista que se refere a um fenômeno social de tensão ou antagonismo que existe entre as pessoas ou grupos de diferentes classes sociais devido aos competitivos interesses socioeconômicos e desejos dessas pessoas diante da lógica do modo de produção capitalista, dando forma a um conflito que se expressa nos campos econômico, ideológico e político “.
Em síntese, para Karl Marx, tudo se encontra em um constante processo de mudanças e o motor dessas mudanças é justamente os conflitos resultantes das diversas contradições que podem existir dentro de uma mesma realidade, ou seja, na realidade capitalista, essas contradições seriam as distintas posições ocupadas pelas diferentes classes sociais.
É exatamente por conta da luta de classes que há uma intensa prática de crimes e uma expressa necessidade da atividade policial.
Explica-se: Em uma sociedade capitalista, o trabalho é essencial na vida humana, pois é uma forma de prover as necessidades para a subsistência, as fontes de identidade e as oportunidades de realização, assim como é uma forma de determinar padrões de status, o que reflete, também, nas escolhas individuais de carreira e educação.
Dito isso, devido à alta taxa de desemprego, qual seja, 13,1 % , e à alta necessidade de se destacar na sociedade, ou seja, de seguir os padrões impostos e ser aceito na mesma, bem como pela falta de oportunidade de emprego e crescimento profissional, há uma grande incidência na prática de crimes, o que, consequentemente, exige uma maior atividade policial.
Dessa forma, percebe-se que o trabalho está diretamente ligado ao contexto sociocultural, pois a centralidade deste está sujeita às variações culturais. Com o passar do tempo, os indivíduos atribuem um novo significado ao trabalho, seja este relacionado à classe social ocupada pelo indivíduo, à educação adquirida ao longo da vida, esta que apresenta uma grande carência no Brasil, aos fatores sócios demográficos e a cultura vivenciada, e, por fim, às experiências adquiridas com os trabalhos realizados.
Em síntese, segundo a pesquisa de MOW (1987), o significado de trabalho concentra-se em quatro principais dimensões, quais sejam, sua centralidade, suas normais sociais, a importância dos seus objetivos e os resultados valorizados.
Trazendo tais dimensões à atividade policial, percebe-se que a centralidade do trabalho resume-se ao grau de importância conferido à vida do indivíduo, pois o trabalho dos agentes públicos, por si só, carrega muita complexidade, trazendo um risco de perigo iminente a todo instante.
Com relação às normas sociais, observa-se que o policial apresenta direitos e obrigações para com a sociedade, tendo que conviver com aspectos positivos e negativos de seu trabalho, ou seja, tendo que conviver com o sentimento de angústia gerado com o decorrer do trabalho.
Já com relação à dimensão da importância dos objetivos do trabalhador, observa-se que o policial, acima de tudo, almeja defender sua pátria, mesmo diante do fato de ter que arriscar a sua própria vida. Em pesquisa feita pela Revista Brasileira de Segurança Pública, foi dito o seguinte, in verbis:
Insisto em cumprir o meu papel, que é fazer a diferença na sociedade composta de pessoas e família que são vítimas da violência e que não têm a quem recorrer.
Seguirei enfrentando os desafios e fazendo o possível para bem atender a sociedade e combater a corrupção interna.
Crença na importância do nosso trabalho, ainda que as condições digam ao contrário.
Por fim, porém, não menos importante, a dimensão do trabalho acerca dos resultados valorizados, estes que, infelizmente, não condizem com a realidade brasileira, pois se sabe que o salário é inversamente proporcional ao grau de importância da atividade policial, bem como que esta, em síntese, oferece péssimas condições para ser exercida. Assim, dependendo da experiência individual de cada um na realização do trabalho, este que passa a ser uma experiência extremamente significativa ou nada significativa, o valor dado à realização do mesmo é diferente, o que, de fato, influi nos números levantados, sejam estes de letalidade policial ou vitimização.
Através de um pensamento psicológico, as pessoas insatisfeitas com o seu trabalho, o que chega a 72% no Brasil, tendem a realizá-los de forma menos eficiente, com falta de concentração e foco, o que, de fato, encontra-se relacionado à satisfação, ao orgulho, à exuberância e ao prazer, assim como pelo desapontamento, pesar, angústia, desespero e sofrimento.
Trazendo tal pensamento para a atividade policial, entende-se que um policial que entra em uma operação de forma não concentrada e sem foco, tem uma maior possibilidade de gerar uma vitimização decorrente de atividade policial, bem como de colocar sua vida em risco, constando, infelizmente, nos índices de letalidade.
Observando o lado contrário, qual seja, o lado dos infratores, entende-se que estes, ao se verem em uma situação sem oportunidades, em uma situação de sofrimento, ou até, em um emprego infeliz, tendem a praticar crimes. Em pesquisa feita pela Revista Brasileira de Segurança Pública, um agente entrevistado falou o seguinte, in verbis:
Sem dúvida nenhuma, (o que me tira a vontade de ser policial é) prender pobre. Penso que fazer o papel de “lixeiro social” é um dos duros golpes que recebo todo dia que prendo um pobre cujo leque de opções de vida apontava, na maioria das vezes, para a criminalidade.
Dessa forma, percebe-se que a tão conhecida luta de classes influencia diretamente na atividade policial, pois a maneira pela qual os indivíduos processam as informações e experiências anteriores, encontra-se relacionada à posição assumida na sociedade, marcada por diferenças de gênero, cor, etnia, idade, nível socioeconômico e região de moradia.