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A ilegalidade da jornada reduzida trabalho prevista no art. 3º do Decreto nº 1.590/95

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Agenda 27/06/2019 às 09:00

IX - DESVANTAGENS NA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS COM A APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 1.590/95

Recorro aos rudimentos da aritmética básica aprendida nos primeiros anos do ensino fundamental para explicar a incoerência lógica de redução (ou “flexibilização a la brasileira”) de jornada de trabalho.

A aprovação da exótica espécie de jornada de trabalho deve, no mínimo, ser precedida pelo atendimento do interesse público. E qual seria o interesse público que prepondera ao interesse particular de trabalhar menos com o mesmo salário? A ausência de resposta, de per si, já fulminaria a vigência do art. 3º do Decreto nº 1.590/95. Como explicar que para a Administração Pública é melhor ter servidor trabalhando 6 horas diárias, quando seu cargo exige o cumprimento de 8 horas diárias, sobretudo pelo crescente déficit de funcionários da União?

Abaixo, foram construídas duas hipóteses que desmontam qualquer argumento para sustentação do dispositivo normativo sob ataque:

a) atribuições funcionais conferidas a 3 servidores com jornada diária de trabalho de 6 horas podem ser cumpridas por 2 servidores com jornada diária de 8 horas.

Exemplo: setor/seção na Universidade aberto ao público durante os períodos matutino, vespertino e noturno, ininterruptamente, entre 7:00h e 23:00h (considerando, no mínimo, 1 hora de intervalo para refeições – art. 5º, § 2º, do Decreto nº 1.590/95).

- 2 funcionários com jornada de 8 horas diárias – entre 7:00h e 16:00h e entre 14:00h e 23:00h; ou

- 3 funcionários com jornada de 6 horas diárias – entre 7:00h e 13:00h, entre 12:00h e 18:00h e entre 17:00h e 23:00h?

Vantagem da 1ª opção: economia de um servidor e, portanto, menos gastos com pessoal

b) atribuições funcionais conferidas a 1 servidor com jornada diária de trabalho de 6 horas podem ser cumpridas por 1 servidor com jornada diária de trabalho de 8 horas (considerando, no mínimo, 1 hora de intervalo para refeições – art. 5º, § 2º, do Decreto nº 1.590/95).

Exemplo: setor/seção de Instituto Federal que atende ao curso noturno de Engenharia Mecânica, sendo as aulas ministradas entre 18:30h e 22:30h (hora-aula de 50 minutos e intervalo de 20 minutos).

- 1 funcionário com jornada de 8 horas diárias – entre 14:00h e 23:00h; ou

- 1 funcionário com jornada de 6 horas diárias – entre 17:00h e 23:00h?

Vantagem da 1ª opção: maior tempo disponível para organização de suas tarefas internas e para atendimento qualitativo (“melhor”) e quantitativo (“mais”) às demandas dos corpos discente e docente, e da própria Administração Superior da IFE.


X - CONCLUSÃO

Considera-se que:

a) é tema pacificado o indispensável manejo de proposição legislativa para criação e alteração da jornada de trabalho de servidores civis da União, estando contida na iniciativa do Chefe do Executivo federal, conforme art. 61, § 1º, inciso I, alínea ‘c’ da Constituição de 1988;

b) neste quesito, a Lei nº 8.112/90 cuidou de reproduzir, no art. 19, as regras GERAIS sobre jornada de trabalho, inaplicáveis àquelas disciplinadas em LEIS ESPECIAIS;

c) não há, nesse mesmo art. 19, autorização legislativa expressa para instituição de regulamento específico aos casos ali delineados, como o legislador fez, por exemplo, nos artigos 25, § 6º (reversão), 45, § 1º (consignação facultativa), 52 (valores das indenizações do art. 51), 54 (ajuda de custo), 58 (passagens e diárias), 60 (indenização de transporte), 71 (adicional de atividades penosas), 76-A (Gratificação por Encargo de Curso e Concurso) e 92 (Licença para o Desempenho de Mandato Classista);

d) há carreiras e cargos com variabilidade temporal na jornada de trabalho (20h, 30h, 40h), e em todos os casos instituída por Lei Ordinária e com redução proporcional dos estipêndios;

e) os julgamentos de prestações de contas de IFE, pelo TCU, sinalizam prática reiteradamente irregular na execução do art. 3º do Decreto nº 1.590/95, a ponto de tencionarem avaliação NACIONAL acerca da jornada “flexibilizada” ali estabelecida;

f) os achados de auditoria nas contas de IFE detectados pela CGU inclinam-se pelo descumprimento contumaz do dispositivo em alusão;

g) as recomendações e determinações exaradas pelos órgãos de controle interno e externo federais têm, em regra, efeitos inter partes, com implementação a longo prazo até alcançar a avaliação da gestão das 109 entidades educacionais federais existentes (Decreto nº 9.665, de 2 de janeiro de 2019[1]);

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h) há resistência das IFE para regularização dos processos concessórios de jornada “flexibilizada”, sobretudo em função de os beneficiários são parcela do capital votante para eleição de dirigentes e integrantes de colegiados nas Universidades e Institutos Federais;

i) a concessão de jornada “flexível” resulta em vantagem dirigida unicamente ao servidor, em detrimento do interesse público, já que não se vislumbra, em qualquer situação, que a Administração Pública concessora terá benefício com a redução da jornada diária de trabalho de seu corpo funcional;

j) um dos pressupostos para deferimento de jornada “flexível” – “em função de atendimento ao público” – está em rota de colisão pela concessão de redução da jornada de trabalho do servidor, tendo em vista que o funcionamento dos serviços restará prejudicado pela supressão de 25% da carga horária, de 8 horas diárias para 6 horas diárias;

l) a despeito de as Universidades, mesmo abrindo mão da plenitude da carga horária de seus servidores, acenando à sociedade e ao Estado que prescinde parcialmente da jornada de trabalho em sua integralidade, ainda assim realizam sucessivos processos de contratação de pessoal efetivo, aumentando o número de servidores e consequentemente as despesas com pessoal e encargos sociais, sob o pálio da autonomia universitária prevista no art. 207 da Constituição de 1988; e

m) há ganho salarial injustificado em razão da elevação do valor da hora trabalhada dos servidores em 33%, prestigiando um segmento funcional específico lotado e em exercício em IFE, quando a majoração remuneratória, ainda que indireta, deve ser positivada por lei,

É urgente a revogação do art. 3º do Decreto nº 1.590/95, com imediato retorno das jornadas de trabalho àquelas previstas por disposição legal, além da revisão dos processos de provimento de vagas, mediante concurso público, com a adequação das futuras contratações de pessoal em face da nova conjuntura prospectada com a elevação do tempo de permanência do servidor nas dependências do órgão/entidade público federal na prestação de atendimento ao público em geral.


XI - NOTAS

[1] consulta à legislação federal por intermédio do Portal da Legislação - http://www4.planalto.gov.br/legislacao/, acessado em 28.05.19

[2] pesquisa de relatórios produzidos pela Controladoria-Geral da União - https://auditoria.cgu.gov.br/, acessado em 29.05.19

[3] Informações sobre os editais de 2016 - http://www.concursos.unb.br/index.php/tecnicos-2016 -, e de 2018 - http://www.concursos.unb.br/index.php/2018 -, realizados pela Fundação Universidade de Brasília – FUB, cujos links foram acessados em 29.05.19

[4] estimando salário mensal atual em R$ 6.000,00, os R$ 29 milhões foram obtidos pela fórmula: (R$ 6.000,00 + R$ 1.320,00 de 22% de contribuição patronal ao RPPS da União) x 301 servidores x (12 meses + Gratificação Natalina + Terço Constitucional)

[5] Relatório, Voto e Acórdão disponíveis no link https://contas.tcu.gov.br/etcu/AcompanharProcesso?p1=33583&p2=2018&p3=8, acessado em 29.05.19

[6] Relatório, Voto e Acórdão disponíveis no link https://contas.tcu.gov.br/etcu/AcompanharProcesso?p1=25335&p2=2017&p3=0, acessado em 29.05.19

[7] Relatório, Voto e Acórdão disponíveis no link https://contas.tcu.gov.br/etcu/AcompanharProcesso?p1=29827&p2=2017&p3=5, acessado em 29.05.19

[8] Relatório, Voto e Acórdão disponíveis no link https://contas.tcu.gov.br/etcu/AcompanharProcesso?p1=28094&p2=2015&p3=8, acessado em 29.05.19

[9] Relatório, Voto e Acórdão disponíveis no link https://contas.tcu.gov.br/etcu/AcompanharProcesso?p1=29826&p2=2017&p3=9, acessado em 29.05.19

[10] Relatório, Voto e Acórdão disponíveis no link https://contas.tcu.gov.br/etcu/AcompanharProcesso?p1=34628&p2=2017&p3=7, acessado em 29.05.19

[11] disponível em https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:ministerio.planejamento.orcamento.gestao;secretaria.gestao.publica:portaria:2012-02-17;97, e acessado em 29.05.19

[12] disponível em http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/190426_tabela-de-remuneracao-78-jan2019-1.pdf, e acessado em 29.05.19

[13] disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1626023, e acessado em 29.05.19

[14] disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2261176, e acessado em 29.05.19

[15] disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2424990, e acessado em 29.05.19

[16] disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/Anexo/ANL11907/ANL11907-XII-XVI.htm, e acessado em 29.05.19

Sobre o autor
Lúcio Oliveira da Conceição

Sou Advogado desde 2008, servidor da Controladoria-Geral da União; exerceu a função de Chefe da Assessoria Especial de Controle Interno no Ministério do Turismo (mar/2017 a jan/2019)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Lúcio Oliveira. A ilegalidade da jornada reduzida trabalho prevista no art. 3º do Decreto nº 1.590/95. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5839, 27 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74290. Acesso em: 22 nov. 2024.

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