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Um lixo chamado pacote

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Agenda 08/06/2019 às 15:00

Sedutor, enganoso, presunçoso e autoritário é o tal pacote anticrime do governo.

O Governo brasileiro enviou ao Congresso Nacional alguns projetos de lei alterando, dentre outras normas, o Código Penal, o Código de Processo Penal, o Código Eleitoral e a Lei de Execução Penal. Reunidos, chamou-os de “Pacote Anticrime”, um nome, por si só, sedutor, enganoso, presunçoso e autoritário.

Sedutor, pois busca, pela via errada, apoio da população em geral, afinal quem seria mesmo contrário a umas tais medidas como estas? Enganoso, sobretudo porque insusceptível de ser a solução para alguma coisa. Também é presunçoso, posto pretender algo que não está ao alcance de leis penais e processuais penais. Por fim, é autoritário (como a gente que o pensou), já que não foi ouvida a comunidade jurídica, nem a acadêmica, tampouco a sociedade civil.

Aliás, nem sequer preocupou-se em redigir e apresentar uma exposição de motivos, uma justificativa para as alterações, como sói (e deve) acontecer antes de se iniciar um processo legislativo verdadeiramente republicano e democrático, ainda mais de uma tal monta.

Aposta-se, mais uma vez erradamente, no incremento de leis penais incriminadoras (com o aumento de penas e criação de novos tipos penais) e de processo penal (subtraindo garantias processuais), para responder à gravíssima questão da segurança pública e da violência, a urbana sobretudo. Uma aposta que vem sendo feita há três décadas no Brasil, debalde...

É bem provável que toda essa opção pelo “fetichismo normativista” (Alberto Binder[1]), tenha começado entre nós a partir da Lei nº. 8.072/90, que tratou dos chamados Crimes Hediondos.

Desde então, estamos assistindo no Brasil o endurecimento das leis penais e processuais penais, cujo resultado, longe de ser o esperado e o prometido, mostra-se em números: o encarceramento em massa!

Agora, e cumprindo promessa de campanha, elabora-se uma ousada estratégia para prender mais gente: os acordos penais. É bem verdade que a Justiça Penal Negociada não é exatamente uma novidade no Brasil, pois inauguramos este modo de tratar os casos penais em 1995, com a Lei nº. 9.099 e, mais especialmente, com a transação penal (art. 76), expressamente prevista na Constituição Federal e limitada às infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 98, I).[2] Além disso, a transação penal, autorizada pelo Constituinte Originário, não leva ninguém ao cárcere, muitíssimo pelo contrário, evita-o. Trata-se, envesso, de uma medida despenalizadora e, sobretudo, descarcerizadora.[3]

Aqui, adota-se um dos aspectos mais perversos da Justiça Criminal estadunidense, certamente responsável pela gigantesca população carcerária daquele País, situando-o na primeira colocação dentre os países que mais tem gente presa no mundo. E, como se sabe, por lá quase todos os casos penais são resolvidos (?) a partir do plea bargaining[4], entupindo o sistema prisional americano de negros, imigrantes e brancos pobres (sim, lá também os há, mesmo porque “as suas políticas públicas não têm nada a ver com os anseios do povo, e estão estreitamente vinculadas aos interesses das grandes empresas”[5]).

Trata-se de mais uma importação absurda de institutos e categorias de um sistema completamente diferente do nosso, o Common Law, concebido para funcionar, ao contrário do Civil Law (e da tradição romano-germânica, como nós), com poucas leis e com obediência aos princípios e à jurisprudência, numa verdadeira e desastrosa “americanização à brasileira” (Jacinto Coutinho).[6]

Já temos a delação premiada, agora teremos os acordos penais, que tendem a ser, tal como a primeira, instrumentos de coação e opressão em mãos das “agências do poder punitivo” (Zaffaroni).[7]

São dois dispositivos em especial que, acrescentados ao Código de Processo Penal, possibilitarão tais ajustes.

No art. 28-A, prevê-se o chamado “acordo de não persecução penal”, acertado mesmo antes do processo. Já no art. 395-A, tem-se o acordo penal feito após iniciada a ação penal e anterior ao começo da instrução criminal. Em ambos se exige a confissão do investigado/acusado, erigindo-se este meio de prova como regina probationum, como outrora já o foi (e viu-se o que se passou).

No primeiro caso (“acordo de não persecução penal”), o investigado deverá, caso aceite a “solução negociada”, reparar o dano ou restituir a coisa à vítima (salvo impossibilidade de fazê-lo); renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por determinado período; pagar prestação pecuniária; além de cumprir, por prazo determinado, outra “condição”[8] indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Segundo a proposta, não será admitido este acordo prévio quando o investigado for “reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, salvo se insignificantes as infrações penais pretéritas.” Eis um sério problema: qual o critério para se concluir que se trata de uma “conduta criminal habitual, reiterada ou profissional”? Seria a prática de três crimes, ou dez? Onde estão, em nosso ordenamento jurídico penal, tais categorias? Sabemos, por exemplo, o que é reincidência (arts. 63 e 64, do Código Penal), mas o restante... sabe-se lá!

Já no acordo penal, quando já há processo, a situação é mais absurda, pois, além da confissão, exige-se do acusado a dispensa da produção de provas e a renúncia ao direito de recurso, considerando-se, ademais, que a respectiva decisão homologatória será uma sentença condenatória. Portanto, haverá uma condenação penal sem produção de prova e sem o interrogatório judicial do condenado, o que viola, evidentemente, o art. 5º., LIV, da Constituição, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

Por outro lado, a pena aplicada nesta sentença condenatória sui generis (digamos assim) será fixada atendendo-se aos “parâmetros legais”, logo poderá ser proposta a aplicação da pena máxima cominada abstratamente no tipo penal. Alguém duvida? Eu não, pois os conheço bem.

Uma outra “curiosidade” é a previsão (no § 7º.)  que o Juiz não homologará o acordo se “as provas existentes no processo forem manifestamente insuficientes para uma condenação criminal.” Pergunta-se: quais seriam estas provas se não houve nem sequer a audiência de instrução e julgamento? O que há nos autos, tão-somente, são meros atos investigatórios ou, no máximo, provas produzidas antecipadamente (cautelares, técnicas e irrepetíveis).

  Aliás, talvez em ato falho, consignou-se no § 2º., que o réu poderá ser beneficiado a depender do grau de sua colaboração “para a rápida solução do processo.” Aqui, traindo-se, mostrou-se a lógica da proposta: um processo rápido e eficiente, às favas com o devido processo legal.

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Repete-se esta igual lógica (neoliberal) no inciso IV do § 2º., do art. 185 do Código de Processo Penal: para “prevenir custos com deslocamento ou escolta de presos”, permitir-se-á o interrogatório por videoconferência (adiante voltamos ao assunto).

Trata-se, como se vê, quase que de um processo penal empreendedor, afinal de contas estamos “numa sociedade que faz da concorrência interindividual uma justa competição.”[9]

Antecipando-se ao Supremo Tribunal Federal (que ainda não decidiu definitivamente acerca da matéria), e se arvorando constituintes originários, os mentores do “Pacote Anticrime” afrontam a Constituição Federal (art. 5º., LVII), alterando o art. 283 do Código de Processo Penal, para permitir a prisão imediata em virtude de condenação criminal exarada por órgão colegiado (acrescentou-se, no mesmo sentido, o art. 617-A). Perceba-se que aqui é mais grave a violação ao princípio da presunção de inocência, considerando que temos órgãos colegiados de primeiro grau, como no Tribunal do Júri (Conselho de Sentença) e na Justiça Militar, dos Estados e da União (Conselho de Justiça).

Portanto, caso aprovado o projeto de lei e sancionado pelo Presidente da República, não somente será admitida a execução provisória da pena após uma decisão condenatória de segundo grau, mas também no Tribunal do Júri e na Justiça Militar. Este dispositivo é, inacreditavelmente, um absurdo!

Quanto ao Júri, tem-se uma regra ainda mais expressa, com a modificação introduzida na alínea “e”, do inciso I, do art. 492, do Código de Processo Penal, permitindo-se a execução provisória da pena aplicada pelo Juiz-Presidente, ainda que tenha sido interposto o recurso de apelação, salvo “se houver uma questão substancial cuja resolução pelo Tribunal de Apelação possa plausivelmente levar à revisão da condenação.” Sabe-se lá o que é esta tal de “questão substancial.” De toda maneira, sabemos muito bem em que isso vai dar...

Da mesma maneira, dispõe-se que “a apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri não terá efeito suspensivo”, salvo quando verificado pelo Tribunal que o recurso não tem propósito meramente protelatório ou “levanta uma questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou alteração do regime de cumprimento da pena para o aberto.”

Ou seja: na prática, certamente, réu condenado pelo Tribunal do Júri sairá preso e algemado da sala de sessões, invariavelmente! E não serão os Tribunais que o impedirão, mesmo porque, e como é sabido, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº. 118.770/SP, acolheu a tese de que “a condenação no júri abala fortemente a presunção de inocência e, com isso, fica autorizado o imediato início da execução penal, logo após a leitura da sentença.” O autor desta verdadeira pérola foi o Ministro Luiz Roberto Barroso, em voto divergente. O relator, Ministro Marco Aurélio, foi voto vencido.

Observa-se que se trata de um julgamento secreto (no momento da resposta aos quesitos), cuja decisão é adotada por leigos e não é motivada.

Ainda a propósito do procedimento no Júri, também se apresenta a ideia de que o recurso em sentido estrito interposto em relação à decisão de pronúncia não impedirá a realização do respectivo julgamento. Assim, pronunciado o réu, ainda que interposto o recurso (art. 581, IV, CPP), o Juiz poderá realizar o Júri. Neste sentido, são alterados os arts. 421 e 584, § 2º., do Código de Processo Penal.

Portanto, doravante, o acusado pronunciado irá imediatamente a Júri, ainda que tenha interposto recurso. Agora vejam o despautério: condenado o réu, inicia-se imediatamente a execução provisória da pena; algum tempo depois (na maioria das vezes, muito tempo depois), o recurso em sentido estrito é julgado procedente, absolvendo-se o acusado, impronunciando-o, desclassificando o crime, ou mesmo anulando a pronúncia. E então? O absurdo é manifesto!

Referimos agora à modificação proposta para o art. 609 do Código de Processo Penal, atinente aos embargos infringentes e de nulidade. Como se sabe, trata-se de dois recursos: os embargos infringentes, que têm por objeto a matéria decidida por maioria e que diga respeito a uma questão de fundo, ou seja, ao mérito do caso penal. Já os embargos de nulidade impugnam questões exclusivamente processuais, decididas também por maioria. Como está atualmente redigido o mencionado dispositivo, cabíveis ambos os recursos quando, de qualquer maneira, o acórdão for desfavorável ao réu. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.

Pois bem. Qual a mudança sugerida? O cabimento dos recursos só será admissível quando, além de não unânime, o acórdão for absolutório. Assim, caso o recorrente tenha sido condenado por unanimidade, mas tenha havido algum voto divergente, por exemplo, quanto à aplicação da pena, do regime prisional ou relativamente a uma nulidade processual, inadmissíveis serão os recursos, pois não houve absolvição. Aqui, também na prática, desaparecem os embargos de nulidade, visto que uma questão exclusivamente processual nunca levará à absolvição do acusado, aos menos em nosso ordenamento jurídico.

A alteração é impertinete, pois os embargos infringentes e de nulidade buscam, na verdade, melhor apurar determinada questão decidida por maioria pelo Tribunal, tendo em vista que o(s) voto(s) divergente(s) indica(m) uma séria dúvida sobre o acerto da decisão colegiada. Em última análise, aplica-se o princípio do favor libertatis ou favor rei, “base de toda a legislação penal de um Estado inspirado, na sua vida política e no seu ordenamento jurídico, por um critério superior de liberdade. Não há, efetivamente, Estado autenticamente livre e democrático em que tal princípio não encontre acolhimento. É uma constante das articulações jurídicas de semelhante Estado, um empenho no reconhecimento da liberdade e autonomia da pessoa humana. No conflito entre o jus puniendi do Estado por um lado e o jus libertatis do arguido por outro, a balança deve inclinar-se a favor deste último se se quer assistir ao triunfo da liberdade”, conforme lição sempre atual de Giuseppe Bettiol.[10]

A respeito, muito pertinente também a lição de Carnelutti:

“No se necesita otra cosa para se deducir que la coincidencia de las opiniones aumenta la probabilidad de que deriven de esa fuente y así la probabilidad de su verdad.” Logo, “nos basta el principio indiscutible de que las divergencias entre las opiniones de distintos hombres en torno al mismo objeto, no se explican sino con el error de alguno de ellos; si no existiese error, todos estarían de acuerdo, puesto que la verdad no es más que una.”[11]

Com razão, Ricardo Gloeckner, pois, “é justamente sobre as bases do ´direito a um processo em regime de igualdade` que algumas propostas de alteração legislativa se fazem presentes, por exemplo, a da supressão de recursos e algumas prerrogativas do acusado.”[12]

Há ainda outras absurdidades como, por exemplo, a extração compulsória de material biológico para efeito de determinação do perfil genético, antes mesmo do trânsito em julgado da decisão condenatória (alteração proposta no art. 9º.-A, da Lei nº. 7.210/84), desautorizando o art. 8-2, “g”, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, norma de natureza supralegal, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal.[13]

Aliás, por entenderem que a questão tinha relevância jurídica e social, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceram a existência de repercussão geral para julgar a constitucionalidade dos bancos de dados genéticos de condenados por crimes hediondos. A questão chegou à Suprema Corte por meio de um recurso extraordinário que questiona acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Segundo a decisão da corte mineira, a criação de base de informações desse tipo não viola o princípio da não autoincriminação porque decorre de condenação criminal transitada em julgado. O recurso é relatado pelo Ministro Gilmar Mendes. Para ele, a inclusão e manutenção de perfil genético de condenados em banco de dados estatal não é aceita, de forma unânime, como compatível com direitos da personalidade e prerrogativas processuais, consagrados pelo art. 5º., da Constituição Federal. Segundo o Ministro, os limites dos poderes do estado de colher material biológico de suspeitos ou condenados por crimes, de traçar o respectivo perfil genético, de armazenar os perfis em bancos de dados e de fazer uso dessas informações são objeto de discussão em diversos sistemas jurídicos (Recurso Extraordinário nº. 973.837).[14]

Também está entre as “medidas” propostas pelo Governo, o acréscimo do art. 4º-A, na Lei nº. 13.608/18, que dispõe sobre o serviço telefônico de recebimento de denúncias e sobre recompensa por informações que auxiliem nas investigações policiais, criando-se o “informante do bem” (sic), o wistleblower, velho conhecido do Direito Norte-Americano e, portanto, mais um contrabando legislativo. Incorpora-se este tal “assoprador de apito” ao serviço público brasileiro, nas esferas federal, estadual e municipal, com direito, inclusive, a uma recompensa de até cinco por cento do valor recuperado a partir da deduragem.

Sobre isso, João Ubaldo Ribeiro, lembrou certa vez, que “os próprios militares e policiais encarregados dos inquéritos tinham desprezo pelos dedos-duros – como, imagino, todo mundo tem, a não ser, possivelmente, eles mesmos. E, superado aquele clima terrível seria de se esperar que algo tão universalmente rejeitado, epítome da deslealdade, do oportunismo e da falta de caráter, também se juntasse a um passado que ninguém, ou quase ninguém, quer reviver. Mas não. O dedurismo permanece vivo e atuante, ameaçando impor traços cada vez mais policialescos à nossa sociedade.” E, conclui: “Sei que as intenções dos autores da ideia são boas, mas sei também que vêm do desespero e da impotência e que terminam por ajudar a compor o quadro lamentável em que vivemos, pois o buraco é bem, mas bem mesmo, mais embaixo.”[15]

Outrossim, modifica-se, ainda que sutilmente, a disciplina do interrogatório por videoconferência. Hoje, o § 2º., do art. 185, do Código de Processo Penal, impõe que a videoconferência só pode ser realizada “excepcionalmente”. A alteração proposta retira exatamente aquele advérbio de modo, tornando regra o que era para ser exceção. Lamentável, ainda mais se tratando, como se sabe, de um meio de defesa, cuja presença física do interrogado junto ao interrogante é fundamental e, por isso, sempre aconselhável. E, a fim de tornar ainda mais banal a videoconferência, retira-se do inciso IV, daquele mesmo § 2º., a palavra “gravíssima”.

Arvorando-se agora legislador constituinte, os proponentes das “medidas” querem estabelecer a competência do Juiz Federal de execução penal para toda ação de natureza penal que tenha por objeto fatos ou incidentes relacionados à execução da pena ou infrações penais ocorridas no estabelecimento penal federal. Ora, quem trata da competência dos Juízes federais é o art. 109 da Constituição Federal! Mais um erro grosseiro, portanto.

Também se autoriza que o Juiz Federal determine a gravação de atendimentos de advogados nos estabelecimentos penais federais de segurança máxima (novo art. 3º., § 5º., da Lei nº. 11.671/08), arrostando-se as prerrogativas prevista no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, mais particularmente o art. 7º., III da Lei nº. 8.906/94.

Viola-se, outrossim, o princípio de reserva de jurisdição que, segundo o Ministro Celso de Mello, no julgamento do Mandado de Segurança nº. 23452/RJ , "importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política , somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem haja eventualmente atribuído o exercício de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais". Estamos nos referindo ao § 8º., do art. 3º., da Lei nº. 11.671/08, no qual se permite que regime prisional possa ser excepcionado por decisão do diretor do estabelecimento penal federal, “no caso de criminoso colaborador, extraditado, extraditando ou se presentes outras circunstâncias excepcionais.”

Curioso, para usar um eufemismo, é o acrescentamento do inciso III ao § 1º., do art. 1º., da Lei nº. 12.850/13, nominando-se expressamente algumas organizações criminosas existentes no Brasil, como o Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho, Família do Norte, Terceiro Comando Puro e Amigo dos Amigos. Impagável essa!

Também há previsão de uma outra alteração nesta mesma lei, com o acréscimo do § 9º., ao art. 2º., impedindo a progressão do regime de cumprimento de pena e de outros benefícios prisionais, descurando-se, mais uma vez, da Constituição Federal, mais particularmente, o seu art. 5º., XLVI, que trata da individualização da pena.

Sabe-se que a individualização da pena engloba, não somente a aplicação da pena propriamente dita, mas também a sua posterior execução, com a garantia, por exemplo, da progressão de regime.

E o art. 59 do Código Penal, que estabelece as balizas para a aplicação da pena, prevê expressamente que o Juiz sentenciante deve prescrever “o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade”, o que indica induvidosamente que o regime de cumprimento da pena é parte integrante do conceito “individualização da pena”.

Logo, não se pode admitir que, a priori, alguém seja condenado a cumprir a sua pena em regime integralmente fechado, vedando-se absolutamente qualquer possibilidade de progressão.

Como ensina Luiz Luisi, “o processo de individualização da pena se desenvolve em três momentos complementares: o legislativo, o judicial, e o executório ou administrativo.” Explicitando este conceito, o mestre gaúcho ensina: “Tendo presente as nuanças da espécie concreta e uma variedade de fatores que são especificamente previstas pela lei penal, o juiz vai fixar qual das penas é aplicável, se previstas alternativamente, e acertar o seu quantitativo entre o máximo e o mínimo fixado para o tipo realizado, e inclusive determinar o modo de sua execução. Aplicada a sanção penal pela individualização judiciária, a mesma vai ser efetivamente concretizada com sua execução. Esta fase da individualização da pena tem sido chamada individualização administrativa. Outros preferem chamá-la de individualização executória. Esta denominação parece mais adequada, pois se trata de matéria regida pelo princípio da legalidade e de competência da autoridade judiciária, e que implica inclusive o exercício de funções marcadamente jurisdicionais. Relevante, todavia no tratamento penitenciário em que consiste a individualização da sanção penal são os objetivos que com ela se pretendem alcançar. Diferente será este tratamento se ao invés de se enfatizar os aspectos retributivos e aflitivos da pena e sua função intimidatória, se por como finalidade principal da sanção penal o seu aspecto de ressocialização. E, vice-versa.” (grifei).

E conclui o autor: “De outro lado se revela atuante o subjetivismo criminológico, posto que na individualização judiciária, e na executória, o concreto da pessoa do delinqüente tem importância fundamental na sanção efetivamente aplicada e no seu modo de execução.”[16]

Neste mesmo sentido, Rodríguez Devesa afirma que “pueden distinguirse tres fases en el proceso de determinación de la pena aplicable: individualización legal; individualización judicial e individualización penitenciaria.”[17]

Portanto, não restando dúvidas de que a possibilidade de progressão de regime é parte integrante da individualização da pena, afigura-se-nos inconstitucional esta modificação proposta, desde que constitui elemento impeditivo daquela garantia.

Por fim, não esqueçamos da nova disciplina proposta para a legítima defesa, uma verdadeira “licença para matar”, muito ao gosto dessa gente. Esta questão, porém, por ser eminentemente de Direito Material, foge do escopo deste artigo. Deixo o leitor, então, e por todos, na boa companhia de Luís Greco[18] e José Carlos Porciúncula.[19]

Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. Um lixo chamado pacote. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5820, 8 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74439. Acesso em: 27 dez. 2024.

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