RESUMO. O presente ensaio tem por finalidade precípua analisar a novíssima Lei nº 13.834, de 2019, que criou no ordenamento jurídico a conduta criminosa de denunciação criminosa com a finalidade eleitoral, inerindo o artigo 326-A do Código Eleitoral.
Palavras-chave. Direito Penal. Código Eleitoral. Denunciação Criminosa. Artigo 326-A. Finalidade eleitoral.
Entrou em vigor, em 05 de junho de 2019, a novíssima Lei nº 13.834, de 04 de junho de 2019, que cria a nova conduta de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, no âmbito do Código Eleitoral.
Antes de tudo é importante frisar que a censurável prática de denunciação criminosa é tipo penal praticado contra a administração da justiça, artigo 339 do CP, presente no rol dos Crimes contra a Administração Pública, consistente em dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente.
A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.
Dentro da estrutura do tipo derivada, percebe-se que a pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção, questão que deve ser aferida na terceira fase do sistema trifásico da dosimetria da pena, artigo 68 do Código Penal.
O autor, sabendo da inocência de alguém, procura os órgãos de persecução criminal ou não para dar início à investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa.
O tipo penal em apreço foi redesenhado por meio da lei nº 10.028, de 2002, dirimindo diversos problemas levantados na época pela doutrina em torno dos procedimentos que eram instaurados.
Quanto à investigação criminal, a legislação processual central e reitora possui sua disciplina no artigo 4º a 23 do Código de Processo Penal, muito embora existam outras normas processuais especiais em nosso ordenamento jurídico de acordo com a dogmática fática.
O processo judicial é regido por inúmeras normas específicas, em especial, o Código de Processo Penal.
A investigação administrativa é disciplinada de acordo com o estatuto do servidor de cada órgão público.
O inquérito civil público é procedimento investigatório atribuído ao Ministério Público, geralmente procedimento preparatório para propositura da ação civil pública, consoante lei nº 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985.
E por fim, a Lei nº 8.429, de 1992 que disciplina as normas da ação de improbidade administrativa.
A nova lei tipifica o crime de denunciação criminosa com finalidade eleitoral, para acrescentar o artigo 326-A do Código Eleitoral, in verbis:
Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral:
A pena prevista para o citado delito é de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto. A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.
O novo delito tem a mesma pena do crime de denunciação criminosa, artigo 339 do Código Penal, de 02 a 08 anos, e nos dois casos, comum e eleitoral, não há possibilidade jurídica de suspensão condicional do processo, artigo 89 da Lei nº 9.099/95, porque a pena mínima é superior a 01 ano.
Aqui a grande novidade do delito em apreço é a possibilidade da imputação de ato infracional, este normalmente conhecido na doutrina como definidor de conduta análoga a infração penal atribuída a adolescente em conflito com a lei.
Certamente, não foi esta a intenção do legislador desavisado. A previsão de imputação de ato infracional a adolescente em conflito como a lei com a finalidade eleitoral, somente se justificaria quando o autor desejasse atingir parentes ou familiares políticos do adolescente, ou mesmo o próprio adolescente, quando por exemplo, este estivesse prestes a alcançar a idade exigível para se candidatar a algum pleito eletivo.
Talvez quisesse o legislador pátrio utilizar-se do termo “ato infracional” para abarcar hipóteses que dão ensejo a procedimentos investigativos de ação civil pública, ato de improbidade administrativa ou mesmo falta disciplinar no âmbito da Administração Pública, é o que se pensa e o que se pode imaginar, mas certamente, não foi tão feliz com a expressão genérica utilizada como elementar do tipo.
A meu sentir, poderia o legislador ter cercado de maior cautela, acrescentando, um parágrafo no artigo 326-A do Código Eleitoral, com a seguinte descrição.
§ 4º Considera-se ato infracional qualquer conduta ilícita, que não constitua infração penal, mas que possa dar ensejo indevidamente, a processo judicial, investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa.
Criaria, destarte, espécie de interpretação autêntica contextual, onde o próprio legislador forneceria o alcance hermenêutico da norma, a fim de se evitar possível insegurança jurídica.
A nova roupagem do delito de denunciação criminosa com a finalidade eleitoral, sendo prevista no Código Eleitoral, também se justifica no período de eleições, com colorido de crime de competência da justiça federal, porque se houver a prática de crime de denunciação criminosa fora do período eleitoral, a meu sentir, ainda que praticado com a finalidade eleitoral, seria regido pelas normas do artigo 339 do Código Penal, e inevitavelmente, a competência seria da justiça comum e não da justiça eleitoral.
O § 3º do art. 326-A do Código Eleitoral foi vetado. Citado parágrafo previa que incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído.
As razões do veto se referem à possível ofensa ao princípio da proporcionalidade na cominação de pena do § 1º do artigo 324 do Código Eleitoral.
Senão vejamos:
“A propositura legislativa ao acrescer o art. 326-A, caput, ao Código Eleitoral, tipifica como crime a conduta de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral. Ocorre que o crime previsto no § 3º do referido art. 326-A da propositura, de propalação ou divulgação do crime ou ato infracional objeto de denunciação caluniosa eleitoral, estabelece pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, em patamar muito superior à pena de conduta semelhante já tipificada no § 1º do art. 324 do Código Eleitoral, que é de propalar ou divulgar calúnia eleitoral, cuja pena prevista é de detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Logo, o supracitado § 3º viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada. ”
O legislador pátrio na tentativa de conter a indústria do ódio e da intolerância que tomou conta do país, notadamente, em tempos de disputas eleitorais, com divisões da sociedade brasileira em detrimento da harmonização social e da cultura da paz, trouxe mais um instrumento de proteção legal, a conduta típica de denunciação criminosa com finalidade eleitoral, elemento subjetivo do injusto, onde o autor, inadvertidamente, aciona a máquina estatal de persecução criminal para desovar a sua peçonha, imputando a alguém infração penal, crime ou contravenção e até mesmo ato infracional, dando causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, de que sabe inocente a pessoa com a finalidade eleitoral.
O delegado de polícia, a autoridade judiciária, o membro do Ministério Público e a autoridade administrativa são atores de promoção de justiça, detentores de funções nobres e relevantes, e não podem ser acionados e usados como instrumentos de vingança de autores inconsequentes que querem utilizar-se do sistema de justiça para destilar ódio e vingança no âmbito das disputas eleitorais.
Por derradeiro, há de salientar que muito embora tenha o legislador criado o novo tipo penal, com a inserção do artigo 326-A, bem próximo da injúria eleitoral, o recente comando normativo é classificado como crime contra administração da Justiça Eleitoral, que deve ser amparada e protegida das incursões de pessoas que não sabem o verdadeiro valor da democracia.