Considerações Finais.
A Carta Cidadã de 1988 elencou como fundamentos do Estado democrático de Direito a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político, sendo a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, bem como o combate à pobreza e marginalização alguns dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
O catálogo dos direitos e garantias fundamentais, esculpido no Título II da Constituição Federal, deve informar todo ordenamento jurídico brasileiro; destarte, tais normas e princípios constitucionais devem orientar a atividade interpretativa, pois representam fundamento de validade das regras jurídicas infraconstitucionais.
Assim, compreende-se a importância de princípios auxiliares da interpretação concretizante, como o princípio da unidade da constituição, da concordância prática e, principalmente, da interpretação conforme a constituição aduzida por Canotilho [38].
O constitucionalismo brasileiro, a partir de 1988, assentou-se no viés comunitário, dando prioridade à dignidade da pessoa humana e aos valores igualitários, esgrimindo, o novo texto, características de constituição dirigente ao definir programas, fins e tarefas.
Ocorre que a cultura jurídica brasileira, e por que não adjetivar, a cultura constitucional, está comprometida com a manutenção do status quo, fazendo com que a prática constitucional ande à deriva dos princípios constitucionais, ou seja, tem-se uma Constituição dirigente e, em contrapartida, uma cultura jurídica privatista, ou seja, a constituição garantia imprime as características dessa cultura.
O constitucionalismo comunitário é representado por uma estrutura normativa que abrange uma série de valores, sendo, assim, a Constituição "texto e contexto". Os direitos e garantias fundamentais representam o núcleo essencial, como refere Sarlet [38], do ordenamento constitucional, devendo servir de orientação da exegese constitucional.
Além do caráter principiológico, urge lembrar a importância do preâmbulo da Constituição na busca de sua concretização, eis que o preâmbulo faz parte da própria Constituição.
Outra característica que assevera o prisma comunitário do texto constitucional condiz com o fato de possuir cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que implicam o referencial de Constituição aberta, como já dito, evitando o engessamento de seus preceitos, enfatizando valores sociais, culturais e éticos da sociedade num determinado contexto histórico.
Por óbvio, a abertura do texto constitucional permite a efetiva participação do cidadão, das entidades de classes no processo de interpretação da Constituição Federal, concretizando-a face à democratização do processo interpretativo. No contexto constitucional, na busca do real objetivo da norma, exsurge a atividade do Poder Judiciário como verdadeiro vetor para a concretização da Constituição.
Outrossim, a participação popular jurídico-política também é compreendida através dos instrumentos processuais insertos na Constituição para a busca da concretização do texto. Trata-se de mecanismos e remédios processuais, dentre os quais destacam-se: o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção, a ação popular, a ação civil pública e os incidentes de inconstitucionalidade.
O Poder Judiciário, neste sentido, é o último intérprete da Constituição Federal, sendo o Supremo Tribunal Federal a Corte máxima para o exercício de tal mister.
Forte no constitucionalismo comunitário brasileiro, tem-se a concepção de Constituição atrelada à idéia de ordem concreta de valores, principalmente, quando se atribui ao Supremo Tribunal Federal um papel político, recorrendo à procedimentos interpretativos de legitimação das aspirações sociais.
Assim sendo, é inevitável constatar que ao Poder Judiciário atribui-se também um valor político, sendo necessário repensar a prática constitucional. Deve-se adequar a prática constitucional aos valores inseridos no texto por um poder constituinte legítimo, por conseqüência, o pensamento e a prática comunitária dependem da Corte Constitucional e da atuação das demais instâncias do Judiciário, eis que este é o verdadeiro responsável pela concretização da constituição como força normativa da comunidade ética.
Feitas tais considerações, as quais acabam por refletir na própria legitimidade do poder judiciário, constata-se imprescindível a adequação da prática constitucional aos valores constitucionais. De outra forma, é forçoso reconhecer: a política constitucional deve nortear as decisões atinentes à Corte Constitucional e aos demais órgãos do Poder Judiciário, ou seja, à prática constitucional.
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STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
Notas
01
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4ª ed. Lisboa: Coimbra, 2000, p. 253-257.02
O que, diga-se de passagem, acabou por selar o fim do que alguns denominaram "direito alternativo".03
STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 180-18104
STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 180.05
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de Constitucionalidade de políticas públicas, p. 43.06
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de Constitucionalidade de políticas públicas, p. 43.07
BERCOVICCI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. p. 297.08
STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 189.09
COPETTI, André. A Jurisprudencialização da Constituição no Estado Democrático de Direito. Artigo publicado junto ao Anuário da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2002. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2002, p. 311.10
OHLWEILER, Leonel. Estado, administração pública e democracia: condições de possibilidade para ultrapassar a objetificação do regime administrativo. Artigo publicado junto ao Anuário da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2002. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2002.11
BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Dos Direitos Sociais aos Interesses Transindividuais, p. 67.12
STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 21.13
STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 189.14
STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 181.15
MORAIS, José Luis Bolzan. Constituição ou barbárie: perspectivas constitucionais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). A Constituição concretizada construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 123.16
STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 181-18217
FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição: mutações constitucionais e mutações inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986. p.218.18
RODRIGUEZ, Jose Julio Fernandez. La inconstitucionalidad por omision: teoria general, derecho comparado. El caso español. Madrid: Civitas, 1998. p. 144-145.19
STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 181.20
STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 180.21
A doutrina alemã, ainda em meados da década de quarenta, já sustentava a idéia de que "o juiz é o Führer do processo".22
O professor Carlos Maria Cárcova (1993) atribuiu como pressupostos da democracia: liberdade e igualdade; o reconhecimento da pluralidade (respeito ao diverso); e a busca de cooperação e negociação (ante a complexidade social), ou seja, de acordos. Para um maior aprofundamento sobre o tema vide – CÁRCOVA, Carlos Maria. El Discreto Encanto de la Democracia. Ed. Crítica Jurídica, México: 1993, pág 13 a 50.23
CAPPELLETTI, MAURO. Juízes Legisladores. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Ed. Sergio Antonio Fabris, 1993. p. 21.24
CARVALHO, Amilton Bueno de. Papel dos Juízes na democracia. Artigo publicado junto à Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, núm. 68, pág. 345.25
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do Direito. Ed. RT, 1996.26
CAPPELLETTI, MAURO. Juízes Legisladores. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Ed. Sergio Antonio Fabris, 1993. p. 26.27
CAPPELLETTI, MAURO. Juízes Legisladores. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Ed. Sergio Antonio Fabris, 1993. p. 26.28
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CAPPELLETTI, MAURO. Juízes Legisladores. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Ed. Sergio Antonio Fabris, 1993, p. 46.30
CAPPELLETTI, MAURO. Juízes Legisladores. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Ed. Sergio Antonio Fabris, 1993, p. 17.31
CÁRCOVA, Carlos Maria. Los Jueces en la encrucijada: entre el decisionismo y la hermenêutica controlada. Artigo publicado na Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul núm. 68, pág. 316-31732
STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 113.33
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 5ª. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1160.34
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STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 111-112.36
Nesse sentido, STRECK preleciona: "Desse modo levando em conta as peculiaridades européias (locus da preocupação fundamental de Canotilho, e as diferenças entre o caráter revolucionário originário do texto constitucional português e o caráter social e (não revolucionário) da Constituição brasileira, é possível afirmar que continuam perfeitamente sustentáveis as teses relacionadas ao caráter dirigente e compromissário do texto constitucional brasileiro. Idem. Ibidem.37
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 1998, p. 565.38
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 81.