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Inoponibilidade das exceções ao terceiro de boa-fé nos títulos cambiais

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Agenda 21/04/1998 às 00:00

10. CONCLUSÃO

           Considerando que título de crédito é um documento indispensável para o exercício literal e autônomo nele mencionado e que esse direito, ao título, não se incorpora;

           considerando ser a declaração nele emitida de caráter constitutivo de um direito autônomo e independente da relação fundamental;

           considerando que cada pessoa que adquire a cártula recebe um direito próprio que tinha ou poderia ter quem lhe transferiu o título;

           considerando não estar o devedor obrigado a cumprir a prestação sem a exibição da cambial;

           considerando que hoje só se permite a emissão de títulos de crédito nominativos;

           considerando como títulos abstratos aqueles que se desvinculam do negócio jurídico subjacente por força de Lei;

           considerando que o Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que a Convenção de Genebra, ao se inserir no direito interno, não se sobrepõe as demais normas jurídicas em vigor;

           considerando que, embora a matéria referente às teorias da criação e da emissão não tivesse sido bem regulamentada no direito pátrio, prevalece a primeira delas por determinação do Decreto 57.663 _ norma jurídica posterior ao Código Civil Brasileiro;

           considerando que, pela teoria da criação, o direito cambiário se verifica no momento da subscrição do título, restando a eficácia do mesmo subordinada à sua circulação, ainda que contra a vontade do emitente;

           considerando que exceção e objeção não se confundem, posto que esta se lança contra a existência do próprio crédito e aquela, afirma apenas um encobrimento da eficácia;

           considerando que o art. 51, do Decreto 2.044, em vigor, admite apenas defesas fundadas em direito pessoal do réu contra o autor, em defeito de forma do título ou em falta de requisito necessário ao direito de ação;

           considerando que o princípio da inoponibilidade das exceções ou objeções aos terceiros de boa-fé tem por finalidades precípuas a ampla circulação dos títulos de crédito e a garantia e a segurança à sua aquisição, em face de um interesse social vigente,

           conclui-se, pelo todo exposto, que são inoponíveis ao terceiro de boa-fé nos títulos cambiais abstratos: (a) as exceções fundadas em convenções extracartulares, mesmo quando ele saiba da existência dos vícios ou que a causa debendi esteja nele mencionada; (b) as objeções fundadas na aquisição a non domino, por se ter adotado no sistema pátrio a teoria da criação e, não, a da emissão dos títulos de crédito e, finalmente, (c) as defesas baseadas em vícios de emissão dos títulos de crédito, pelo mesmo motivo: sendo estranho à relação de emissão, ignorando, por certo, das eventuais alegações, não poderia o portador defender-se delas, de modo eficaz.

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           Entende-se, ainda, que pelo só fato da existência do artigo 51 do Decreto 2.044, a teoria da inoponibilidade das exceções tem aplicação como regra geral, indicando a Lei, de forma estrita, os casos em que ela pode deixar de ser deduzida, permitindo-se a oposição ao pagamento.

           A limitação mencionada no dispositivo supracitado _ ao contrário do que muitos pensam _ não exclui as demais exceções que, mesmo não derivando do direito cambiário, possam resultar de outros princípios de direito comum, por isso cuidou--se, neste trabalho, de apreciar com maior afinco os arts. 16 e 17 da Lei Uniforme de Genebra, por serem eles que traçam as diretrizes fundamentais para o entendimento da teoria demonstrada.

           Todavia, calha ao todo reflexivo que preside este estudo o pensamento de Ladrière:

           A teoria representa apenas um mundo possível. Mas trata-se de saber o que há nela do mundo real. Para tanto é preciso fazer intervir o momento empírico (...). Mas só podemos observar uma parte bem pequena do imenso oceano dos fatos, não tocamos o continuum real senão em alguns pontos. Buscamos precisamente saber se há ressonância entre a realidade e nosso aparelho conceitual. Se verificarmos uma tal ressonância, temos direito de pensar que há chances de nossa teoria ser correta, ao menos para um determinado domínio. Mas evidentemente, isso não passa jamais de uma pressuposição. Em todo caso, a teoria não é uma imagem do mundo, é apenas uma reconstrução conjectural da realidade. (90)


NOTAS

  1. CICCONE apud MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1963. v. 5. pt 2. p. 49.
  2. VIVANTE, Cesare. Trattato di Diritto Commerciale. 5. ed. Milano : F. Vallardi, 1945. v. 3. p. 63. Il titolo di credito è un documento necessario per esercitare il diritto letterale ed autonomo che vi è mencionato. Si dice che il diritto menzionato nel títolo è letterale, perchè esso esiste secondo il tenore del documento. Si dice che il diritto è autonomo, perchè il possessore di buona fede esercita un diritto proprio, che non può essere ristretto o distrutto dai raporti corsi fra i precedenti possessore e il debitore. Si di che il titolo è il documento necessario per esercitare il diritto, sia principale sia accessorio, che esso porta con sè. Questo è il concetto giurídico, preciso e limitato, che deve sostituirsi alla frase volgare, per cui s´ínegna che il diritto è incorporato nel titolo.
  3. ASQUINI, Alberto. Titolo di Credito. Pádua : Giuffrè, 1966. p. 49. Titolo di credito è il documento di un diritto letterale destinato alla circolazione, idoneo a conferire in modo autonomo la titolarità di tale diritto al proprietario del documento, e necessario e sufficiente per legitimare il possessore all´esercizio del diritto stesso.
  4. NAVARRINI apud LUCCA, Newton de. Aspectos da Teoria Geral dos Títulos de Crédito. São Paulo : Pioneira, 1979. p. 18.
  5. WHITAKER, José Maria. Letra de Câmbio. 6. ed. Rio de Janeiro : RT, 1985. p. 18.
  6. MACHADO, José Luiz da Silva. Os títulos de crédito e seus caracteres singulares. Bahia Forense,. Salvador, v.1, p. 55-56, 1961.
  7. ASCARELLI, Tulio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. São Paulo : Saraiva, 1969. p. 3.
  8. MESSINEO apud LUCCA, Newton de. Aspectos da Teoria Geral dos Títulos de Crédito. São Paulo : Pioneira, 1979. p. 48. Si designa come letteralità (...) la característica per cui nei riguardi della qualità, dell´entitá e delle modalità del diritto menzionato nel titolo, à decisivo esclusivamente un elemento oggetivo ossia il tenore della scrittura contenuta nel titolo stesso.
  9. ASCARELLI. Corso di Diritto Commerciale. Milao : Giuffrè, 1962. p. 51.
  10. MACHADO, op.cit., p. 63.
  11. PINTO, Paulo José da Silva. Direito Cambiário: Garantia Cambiária e Direito Comparado. Rio de Janeiro : Forense, 1948. p.57.
  12. ASCARELLI, op.cit., p. 56.
  13. MENDONÇA, op.cit., p.47.
  14. BORGES, João Eunápio. Títulos de Crédito. 2. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1976. p.124.
  15. MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. 4.ed. Rio de Janeiro : Forense, 1985. v.1. p. 20-21.
  16. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 2.ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1961. t. 2. p.119.
  17. ASCARELLI, op.cit., p. 270.
  18. BORGES, op.cit., p. 14.
  19. Idem.
  20. PEREIRA, Pedro Barbosa. Curso de Direito Comercial. 2.ed. São Paulo : RT, 1968. v.2. p.136.
  21. SÃO PAULO (ESTADO). Tribunal de Justiça. Deferimento do pedido. Embargos nº 92.025. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 191, p. 189, 1960.
  22. BORGES, op.cit., p. 12-13.
  23. Idem.
  24. MARTINS, Fran, op. cit., p.20.
  25. BORGES, op.cit., p. 32.
  26. MARTORANO, Frederico. I Titolo di Credito. Napoli : Morano, 1970. p.50. (...)nei titoli di credito astratti la natura del rapporto fondamentale non emerge del contesto del titolo.
  27. MIRANDA, op.cit., p.9.
  28. Ibid., p. 209.
  29. LUCCA, op.cit.,p.117.
  30. MENDONÇA, op.cit., p.55.
  31. LUCCA, op.cit., p. 137.
  32. Idem.
  33. LUCCA, op.cit., p.142.
  34. BRASIL. Código Comercial (1850). Código Comercial. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira.37.ed. São Paulo : Saraiva, 1992. p. 392.
  35. MERCADO JÚNIOR apud MAIA FILHO, Gastão de Moura. A Lei Uniforme e os Títulos de Crédito. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.455, p.24., set. 1973.
  36. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso conhecido e provido, unânime. Recurso extraordinário n. 71.154 - PR. Aníbal Goulart Maia Filho e Odilon Mello de Freitas. Relator: Ministro Oswaldo Trigueiro, 04 de agosto de 1971 apud RESTIFFE NETO, Paulo. Lei do Cheque. 2.ed. São Paulo : RT, 1975. p. 7.
  37. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo n. 11.617. Relator: Desembargador Paulo Boeckel Veloso. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 220, p.229, 1967.
  38. REQUIÃO, Rubens. Cambial: invalidade da lei que exige seu registro. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Nova Série. v.1, p. 13-20, 1970.
  39. BRASIL. Código Comercial, op.cit., p.393-394.
  40. LUCCA, op.cit., p.73-94.
  41. ASCARELLI, op.cit., p. 290.
  42. LUCCA, op.cit.,p.88.
  43. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado: Direito das Obrigações. 2.ed. Rio de Janeiro : Borsoi, 1961. t.36. p.206-208.
  44. BORGES, op.cit., p. 24.
  45. MARTORANO, op.cit., p.423. Il titolo di credito nasce con la sottoscrizione del documento: de tal momento quest´ultimo acquista un valore particolare, divenendo un bene qualificato per la sua funzione strumentale rispetto all´acquisto e alla circolazione del credito cartolare. Il momento inizziale della circolazione del titolo di credito è costituito dall´emissone, cioè dalla fuoriuscita del documento dalla sfera di disponibilità del sottoscritore.
  46. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 17.ed. São Paulo : Saraiva, 1988. p.302.
  47. Idem.
  48. MIRANDA, op.cit, p. 36-38.
  49. BRASIL. Código Comercial, op.cit., p. 135.
  50. Idem.
  51. BRASIL. Código Civil Brasileiro, Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira. 42.ed. São Paulo : Saraiva, 1992. p. 220.
  52. Ibid. p. 97, 114, 220.
  53. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro : Rio, 1977. v.2. p.649. Edição histórica. Assim transcrito ipsis litteris: "Os títulos ao portador serão reivindicáveis em face do que dispõe o nosso artigo? Não. No caso de desapossamento injusto, a providência não é a reivindicação, mas a intimação do devedor para não pagar, e a substituição por outros, correndo as despezas por conta do reclamante, desde que não haja culpa da parte do devedor. Todavia, o art.521 permitte a reivindicação, no caso de perda ou furto. Dado o desapossamento injusto por um desses dois modos, os donos dos títulos poderá rehavel-os. Nos outros casos, e quando não for possível a reivindicação, usará o dono dos títulos da providencia do art. 1509. Fundiram-se em nosso direito, doutrinas divergentes".
  54. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro : Forense, 1980. v.8. t. 3. p. 308.
  55. BRASIL. Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor. Organização, seleção e notas de Theotônio Negrão. 20. ed. São Paulo : RT, 1990. p. 411- 412.
  56. Ibid., p. 397-398.
  57. BORGES, op.cit., p. 38-39.
  58. BRASIL.Dec.2.044, de 31 de dezembro de 1908. Define a letra de câmbio e a nota promissória e regula as operações cambiais. In: BRASIL. Código Comercial (1850). Código Comercial: Lei 536, de 25 de junho de 1850, atualizada e acompanhada de legislação complementar. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira. 37.ed. São Paulo : Saraiva, 1992. p.137-138.
  59. BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira. 25.ed. São Paulo : Saraiva, 1995. p.161.
  60. MENDONÇA, op.cit, p. 417.
  61. O ressaque é o direito que tem qualquer pessoa _ que goze do direito de ação e desde que não tenha havido disposição expressa em contrário _ de embolsar-se por meio de nova letra de câmbio à vista, sacada sobre um dos coobrigados e paga no domicílio deste (A.).
  62. ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Ação Cambial. São Paulo : Saraiva. 1991. p. 51.
  63. BRASIL.Dec.2.044 , op.cit., p.138.
  64. PEREIRA, op.cit., p.231.
  65. ASCARELLI, op.cit., p. 365-366.
  66. BRASIL. Decreto 57.663, de 24 de janeiro de 1966. Promulga as Convenções para adoção de uma Lei Uniforme em matéria de letra de câmbio e notas promissórias. In:BRASIL. Código Comercial (1850). Código Comercial: Lei 536, de 25 de junho de 1850, atualizada e acompanhada de legislação complementar. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira. 37.ed. São Paulo : Saraiva, 1992. p. 400-411.
  67. BRASIL.Dec.2.044, op.cit., p.133.
  68. BRASIL. Código de Processo Civil, op.cit., p.159.
  69. BORGES, op.cit., p. 125.
  70. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1980. p. 598.
  71. BRASIL. Dec.2.044, op.cit., p. 138.
  72. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro : Forense, 1989. v.2. p.1023.
  73. MIRANDA, op.cit., p.188.
  74. BORGES, op.cit.,p. 127.
  75. BRASIL. Decreto 57.663, op.cit., p. 398.
  76. ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Letra de Câmbio e Nota Promissória: Direito Cambiário I. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1984. p. 434.
  77. Idem.
  78. REQUIÃO, op.cit., p.304.
  79. Ibid., p. 380.
  80. BRASIL. Decreto 57.663, op.cit., p. 398.
  81. MATO GROSSO. Tribunal de Justiça. Recurso conhecido e provido, unânime. Apelação n. 009/75. Relator: Des. Jesus de Oliveira Sobrinho, em 5 de maio de 1975. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 252, p.318, 1977.
  82. GUANABARA (ESTADO). Tribunal de Justiça. Recurso conhecido, mas desprovido. Apelação n. 65.217. Relator: Des. Ivan Castro de Araújo Souza, em 8 de julho de 1969. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado da Guanabara, v. 26, p.240, 1970.
  83. BRASIL. Decreto 57.663, op.cit., p. 398.
  84. BORGES, op.cit.,p.127.
  85. MIRANDA, op.cit., p. 199.
  86. CARVALHO, Francisco Pereira de Bulhões. Sistemas de Nulidades dos Atos Jurídicos. 2.ed. Rio de Janeiro : Forense, 1981. p.140.
  87. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso conhecido, porém desprovido, unânime. Relator: Ministro José Carlos Moreira Alves, em 1 de junho de 1977. Adcoas, n. 54.632, 1978.
  88. LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. 3.ed. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1960. p. 505. v.1.
  89. MENDONÇA, op.cit., p. 429.
  90. LADRIÈRE, J. apud BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao Pensar. 14.ed. Petrópolis : Vozes, 1985. p.124.
Sobre o autor
André Côrtes Vieira Lopes

juiz de Direito no Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, André Côrtes Vieira. Inoponibilidade das exceções ao terceiro de boa-fé nos títulos cambiais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/747. Acesso em: 19 nov. 2024.

Mais informações

Monografia elaborada durante curso da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, sob a orientação do Prof. Paulo Penalva Santos.

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