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Legalidade x Desburocratização: o princípio da afetividade e a adoção à brasileira

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A adoção precisa parar de ser tratada como última opção, pois, para estes pequenos largados à própria sorte por quem supostamente os deveria proteger, aquela é, talvez, a única alternativa de ser família.

RESUMO:A presente produção científica tem por objetivo discorrer sobre a prática da adoção à brasileira, conduta que, mesmo possuindo tipificação no Código Penal Brasileiro, mais especificamente em seu artigo 242, é extremamente recorrente em nosso país, não se sabendo precisar sequer quando teve início, tampouco quantas famílias se constituíram mediante a modalidade – e, como demonstraremos, não há vestígios que indiquem que deixará de suceder. Com uma pesquisa bibliográfica intensa e exaustiva sobre o tema, demonstrou-se necessário, além de uma contextualização histórica do próprio instituto da adoção, em igual importância resultou discorrer acerca da evolução social e legislativa do Direito de Família. Mediante intensa e exaustiva pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e legal buscou-se condensar neste trabalho científico no que tange, em especial, a grande influência do princípio da afetividade, que não se encontra no ordenamento tal qual sua importância o requer, em posição adjacente estão os também princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente para tornar possível a discussão da modalidade de adoção à brasileira no ordenamento, em que pese a sua legalidade e a desburocratização do instituto, recorrentemente alvo de críticas pelos mais renomados doutrinadores. A Constituição Federal de 1988 será igualmente vislumbrada em diversos pontos, a fim de mostrar quão essencial foi sua promulgação para que os demais regramentos pudessem trazer reais avanços sociais. Ato contínuo, a análise de um caso concreto será explanada para que se possa demonstrar o atual entendimento dos Tribunais brasileiros quanto a legalidade da adoção à brasileira.  

PALAVRAS-CHAVE:Princípio da afetividade; Afeto; Adoção; Adoção à brasileira.


1 INTRODUÇÃO

As mudanças advindas da legislação, bem como o contexto atual no que diz respeito ao tema da adoção, trazem alguns questionamentos e debates ao meio jurídico brasileiro. Questões relevantes quanto à desburocratização e à legalidade são alvos de juristas e doutrinadores constantemente. Diante desse cenário, busca-se através deste trabalho, a realização de uma análise sob o olhar da legislação brasileira e estrangeira sobre o tema da adoção e suas implicações práticas atualmente no Brasil.

O processo adotivo no ordenamento brasileiro possui uma vasta gama de requisitos, o que o torna extremamente burocrático. Buscando-se a flexibilização desse processo surgem, constantemente, tentativas de inovações legislativas que objetivam desburocratizar ou, pelo menos, torná-lo mais célere. Não obstante, diante da morosidade do poder legislativo em julgar os projetos e das “falhas” que existem na legislação, bem como de outros entraves, alguns pensadores, como é o caso de Maria Berenice Dias, entendem que não é fácil consertar a norma, havendo, portanto, a necessidade de uma nova lei que solucione esse celeuma.

Entender o contexto histórico, bem como os avanços do instituto da adoção no Brasil é de grande valia para que se compreenda como se chegou à condição atual, principalmente porque o Direito de Família é considerado um dos que mais sofrem modificações no ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, a pesquisa em doutrina foi crucial para tal contextualização, com igual importância, a compreensão das leis, tais como, a Constituição de 1988, o Código Civil de 2002, a Lei Nacional de Adoção (Lei n.º 12.010/2009), em observância dos Tratados Internacionais, que compilam o aparato legal do instituto.

Os objetivos do presente trabalho compreendem, a partir de uma análise evolutiva do direito de família, demonstrar que, com base no princípio da afetividade, bem como nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente, a adoção à brasileira carece de um olhar mais atento dos legisladores brasileiros, bem como verificar a questão da legislação e da (des)burocratização do instituto da adoção como um todo.

No que diz respeito a adoção à brasileira, este trabalho traz uma breve análise de um caso concreto ocorrido no ano de 2009, no estado do Rio Grande do Sul, que culminou em referência jurisprudencial.

Verifica-se, ainda, os princípios, quais sejam, o da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do princípio da afetividade, que é o princípio basilar na constituição desse trabalho, instituídos mediante a Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, que reverenciou o lado humano, buscando a isonomia social e possibilitando os inúmeros avanços obtidos na legislação brasileira, bem como sua aplicação nos tribunais brasileiros.

Começa-se elucidando, o mais breve possível, sobre o contexto histórico do instituto da adoção.


2 A HISTÓRIA DA ADOÇÃO NO BRASIL

O instituto da adoção, um dos mais antigos que se tem notícia, haja vista que possui registros trazidos na bíblia de que foi uma prática utilizada pelos hebreus, teve uma evolução bastante peculiar ao longo da história. Com a intensa cobrança e ideia de perpetuação da espécie, era utilizada como opção quando casais não conseguiam conceber filhos pelo meio natural, no intuito de “escapar a tão temida desgraça da extinção”, frase do civilista para Washington de Barros Monteiro, estimulando o dever de perpetuar o culto doméstico. Em Roma, onde o instituto se difundiu e ganhou contornos precisos a ideia era de que “adotar é pedir à religião e à lei aquilo que da natureza não pôde obter-se”, assumindo, assim, um conceito mais sentimental do que mera hereditariedade. (DIAS, 2015, p. 52). (VENOSA, 2014, p. 287-288).

Durante a Idade Média, o instituto chegou a cair em desuso por conta do Direito Canônico (...), mas durante a Idade Moderna, graças à legislação da Revolução Francesa, a adoção voltou à discussão, sendo inserida no Código Napoleônico de 1804. (VENOSA, 2014, p. 289).

Mesmo sempre estando presente no Brasil, foi apenas em 1990, com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que ganhou nova regulamentação no nosso país, embora o Código Civil de 1916 já tratasse sutilmente sobre o tema. Tudo até então era muito superficial, não em requisitos, pois estes eram tantos e absurdamente impessoais, em contrapartida, era tida a adoção como um negócio jurídico, gerando entre adotante e adotado um mero parentesco civil, que tinha como objetivo proporcionar filiação àqueles que não pudessem ter filhos biológicos. (PEREIRA, 2010, p. 411).

Foi a partir da década de 1990 que um novo paradigma veio a orientar a adoção, como a busca de uma família para aqueles que não tinham a possibilidade de permanecer na família biológica, prevalecendo, assim, o melhor interesse da criança e do adolescente como orientação jurídica, o que vale ressaltar que só foi possível graças a nossa Carta Magna de 1988, a Constituição Cidadã, que veio humanizada com princípios que prezam pelos direitos humanos de forma digna, sem qualquer tipo de discriminação, seja para a prole biológica ou para aqueles que são alvos desse ato tão nobre.

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Atualmente, a chamada Lei Nacional da Adoção (Lei Federal n.º 12.010/2009), que regula o procedimento da adoção no Brasil, atribui ao Estatuto da Criança e do Adolescente a adoção de crianças e adolescentes, mas manda aplicar seus princípios à adoção de maiores de idade, conforme o artigo 1.619, do Código Civil. (DIAS, 2015, p. 481).

A Constituição Federal de 1988, atualmente, em seu artigo 227, § 6º, assegura a igualdade entre filhos biológicos e àqueles constituídos mediante adoção, o que não havia antigamente no Código Civil de 1916, onde quando adviessem filhos biológicos, o adotado perderia o seu direito sucessório, sendo este somente daquele que carregava em suas veias o sangue do então de cujos, por exemplo. (BRASIL, 1916, s.p.). (BRASIL, 1988, s.p.).

Além dessas codificações, quais sejam, o Código Civil (Lei Federal n.º 10.406/2002), o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei Federal n.º 8.069/1990) e a nova Lei Nacional de Adoção (Lei Federal n.º 12.010/2009) são incorporados à legislação brasileira a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional (Convenção de Haia) e a Convenção sobre os Direitos da Criança, ambos tratados internacionais. Diante disso, pode-se perceber que o presente instituto passou por diversas mudanças, sempre tentando se aperfeiçoar, tal qual deve ser com o Direito, todavia, nunca teve uma estabilidade legislativa consolidada, até recentemente.

Diante do exposto, passarei a tratar do princípio da afetividade.


3 O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Quando se menciona o princípio da afetividade devemos ter em mente o conceito de Maria Berenice Dias, um dos pilares do moderno Direito das Famílias, que entende que: “A afetividade é o princípio que fundamenta o Direito de Família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida”. (DIAS, 2015, p. 52).

A partir da nova conjuntura que a Constituição Federal de 1988 apresentou ao ordenamento jurídico pátrio, sendo aquela uma das mais avançadas do mundo em matéria de relações familiares, cujas linhas fundamentais se projetaram no Código Civil de 2002, como bem ressalta Paulo Luiz Netto Lobo, é importante observar que mediante essa nova roupagem, significativas mudanças puderam ser sentidas na realidade social e das quais surgiu a necessidade de pensar a premissa da afetividade, alçado a condição de princípio geral após o advento da Constituição de 1988, que o traz, embora implicitamente, como aduz entendimento doutrinário majoritário, opinião esta corroborada pela juspsicanalista Giselle Câmara Greoninga:

O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da afetividade. (Grifo nosso). (GROENINGA, 2008, p. 28).

Nota-se pela fala da distinta especialista o quanto tem crescido a valoração dada aos laços que constituímos ao longo da vida em relação ao mero fator biológico/sanguíneo que liga os seres humanos e que, de fato, é o que faz ter sentido a vida, é o que propicia uma melhor qualidade de vida, são essas pessoas com as quais estamos ligados que nos estimulam a sermos melhores e a dar valor aos momentos mais simples. A profundidade dos laços que criamos ao longo da vida define muito do que somos.

Logo, antes se priorizava o ter, hoje se busca a valorização do ser, elevando o indivíduo e os direitos humanos, o que aflui para a valoração da afetividade, o que está intimamente ligado ao também princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, consequência daquilo que se chama de personalização do Direito Privado. (FACHIN, 2001, pp. 01-02).

Para bem resumir e significar o princípio da afetividade, nada como a máxima atribuída à Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka de que “o novo Direito de Família é baseado mais na afetividade do que na estrita legalidade”. (TARTUCE, 2016, p. 5). É o afeto o elo emocional que une as pessoas, fazendo com que elas se identifiquem como uma família. Foi o reconhecimento da afetividade que deu origem a termos como socioafetividade, posse de estado de pai e posse de estado de filho.

Nas legislações precedentes o princípio da afetividade não possuía a menor significância no ordenamento, tanto que novos enlaces surgiam mediante o arranjo de famílias a fim de fundirem patrimônios. Hoje, vemos até os legisladores irem de encontro aos grandes cultos religiosos e seus preceitos para que se dê, necessariamente, maior valor ao afeto, à busca da felicidade, ao direito de amar a quem o coração escolher, sem que seja apontado o que é certo ou errado nisso.

Foi em razão deste princípio que profundas alterações no pensar da família brasileira começaram a ocorrer, tal como pontua Luís Roberto Barroso quando diz que foi a afetividade que contribuiu para o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, o que culminou na histórica decisão do Supremo Tribunal Federal em decisão, publicada no Informativo n. 635: (TARTUCE, 2012, s.p.).

União Estável Homoafetiva - Legitimidade Constitucional - Afeto como Valor Jurídico - Direito à Busca da Felicidade - Função Contramajoritária do STF (Transcrições) RE 477554/MG* RELATOR: Min. Celso de Mello EMENTA: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF). O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA. O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO. (...) RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Especial n.º 477.554/MG. Rel. Min. Celso de Mello, j. 01.07.2011, publicado no Informativo n.º 635).

Além desse reconhecimento, foi com fundamento no princípio da afetividade que também se pôde admitir a reparação civil pelo abandono afetivo (BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Recurso Especial n.º 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012) e, por fim, mas não menos importante, podemos falar do reconhecimento da paternidade socioafetiva como nova forma de parentesco e mediante tal reconhecimento espontâneo, a indissolubilidade do vínculo filial (BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n.º 234.833/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 25/09/2007, DJ 22/10/2007, p. 276).

Demonstrada a relevância do princípio da afetividade seguiremos para a adoção à Brasileira.


4 A ADOÇÃO À BRASILEIRA

Carlos Alberto Gonçalves define a adoção como “o ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha”, porquanto, em definição mais completa, Maria Helena Diniz que diz que “a adoção é o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha”. (GONÇALVES, 2010, p. 362). (DINIZ, 2017, p. 416).

Como já dito, o Direito carece de se manter sempre em atualização para que possa acompanhar os avanços sociais que acontecem de tempos em tempos, dia após dia, pois, sabemos o quanto a sociedade é hoje diferente do que era a 50 (cinquenta) anos atrás. As relações vão evoluindo, conceitos vão mudando, e foi o que aconteceu com o Direito das Famílias que, sem dúvida, foi um dos ramos que mais sofreu alterações com o decorrer dos anos. Ele lida diretamente com pessoas, o bem jurídico mais importante tutelado pela nossa Constituição Federal.

Sabemos das barreiras conservadoras que ainda existem e por muito persistirá, entretanto, a duras penas se conseguiu, por exemplo, e com muito louvor, ampliar o conceito de família, que já não é somente aquele atrelado ao matrimônio, pelo contrário, são tantos os tipos de famílias hoje albergadas pelo nosso ordenamento que fica inviável tratar aqui um a um, uma vez que o trabalho não visa esse fim, no entanto, não deixa de ser pertinente, haja vista que são justamente tais avanços que me permitirão discorrer sobre o modelo de adoção em questão.

As estruturais e amplas mudanças que aconteceram com o presente instituto, que possui diversas modalidades, todas sempre prezando pelo melhor interesse da criança e do adolescente, no entanto, neste momento nos compete tratar de uma em específico, qual seja, a adoção à brasileira, a qual caracteriza-se quando a genitora ou a família biológica entrega a criança a um terceiro estranho, em que este provavelmente a registrará como se sua fosse, sem chegar a instaurar o competente processo de adoção.

Seja por quaisquer dos inúmeros possíveis motivos existentes, a família biológica – ou, muitas vezes, a mãe – não tem interesse ou não pode fazê-lo e acaba decidindo não ficar com o filho, entregando-o, na melhor das hipóteses, em casas de acolhimento ou abandonando-a na porta de alguma família escolhida aleatoriamente – ou não. Seja quando essa criança é deixada ou quando as pessoas que, sabendo da situação resolvem se dispor a ficar a criança, esta acaba por ser acolhida e zelada, gerando, então, um vínculo que, na maioria dos casos, não há interesse, tampouco necessidade em ser rompido.

Muitas vezes, em razão do medo que aqueles então responsáveis – e que já estão emocionalmente envolvidos e apegados – encontram em ter que enfrentar o mundo burocrático presente no ordenamento jurídico brasileiro, passível até de indeferimento caso não cumpram os requisitos impostos, leva-os a essa prática há muito recorrente e tão comum em nossa realidade social. Tal qual demonstra Fabrina Moreira ao dividir em dois grupos distintos aqueles que realizam a adoção à brasileira:

As pessoas que realizam a “adoção à brasileira”, podem ser divididas em dois grupamentos distintos do ponto de vista de móvel psicológico para o ato: os que precipitadamente realizam essa colocação indevida por medo de constarem na fila de interessados em adoção. Com eventual demora na chamada por especificação excessiva das características da criança pretendida (geralmente branca, recém-nascida e do sexo feminino), poderia haver o medo de envelhecimento dos interessados, com profundo distanciamento em relação à faixa etária do “adotado” (quebra da mística de geração natural no seio familiar) ou frustração decorrente de situação não resolvida (mito do tempo perdido, que poderia ser aproveitado com uma criança já inserida na família); os que recorrem à “adoção à brasileira” com apreensão de desaceitação do Poder Judiciário (ou do Ministério Público) em aceitar o perfil dos interessados. Há pessoas que têm insegurança em suas atitudes, imaginando que o juiz de Direito (ou o promotor de Justiça) possa criar dificuldades à colocação adotiva com objeções variadas (falta de recursos financeiros, anomalias psíquicas, inadequação para os cuidados de uma criança etc.). (MOREIRA, 2011, p. 19).

Acontece que também devido a morosidade do processo adotivo, mesmo após as tentativas – falhas, diga-se de passagem – em mudar esse cenário, tentando agilizar, por exemplo, ao estabelecer prazos para os procedimentos, ainda existe uma enorme quantidade de crianças e adolescentes em abrigos e uma quantidade ainda maior de pais em potencial, no entanto, a ânsia por constituir família, o vínculo que antecede sem se ter planejado, acaba por (in)felizmente levar à prática da “adoção” mais rápida, pois além de não possuir o aval judicial que a legalidade exige, a conduta ainda se encontra tipificada no ordenamento brasileiro, no artigo 242, do Código Penal:

Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil. (BRASIL, 1940, s.p.).

Não há dados que mostrem quando especificamente começou a ser realizada essa prática, ou quantas pessoas adentraram em seios familiares por meio dela, mas o que não deixa dúvidas é que ela seguirá existindo, seja para acalantar os corações que buscam essa alternativa para concretizar um sonho, seja para facilitar pessoas mal-intencionadas que o fazem tão somente para, por prazer ou ganância, disseminar o mal.

Ora, é fato que estes “pais ilegais” optam pelo procedimento mais fácil por não acreditarem no sistema oferecido pela legislação, realizando todos os atos à margem da lei, sem se preocuparem (naquele momento) com as consequências deste ato, que poderá ser descoberto um dia, ou não. No mundo social esta prática de adoção sequer é conhecida como crime, pelo contrário, acredita-se que a sua realização é um ato nobre, não devendo de forma alguma ser investida de ilegalidade. Na realidade e de acordo com a legislação, tal ato sequer pode ser chamado de adoção, uma vez que não preenche os requisitos legais, sendo na verdade, uma simulação errônea de filiação (CAVALCANTE, 2013, s.p.).

Você sabia que o status criminal que recebe essa prática não é de conhecimento de todos? A lei, por mais que esteja aí para todos não é de conhecimento geral, são poucos os que, de fato, o possuem. No mais, as pessoas que praticam o ato são movidas pelo desejo de aumentar sua prole ou mesmo pela conexão que sentiu com aquela criança e/ou adolescente. Quando casos envolvem crianças, sabemos que existe um cuidado e uma preocupação maiores, devendo sempre ser conduzidos com muita cautela e ter em mente o melhor interesse daquela e é fundado por esse entendimento, qual seja, o de buscar o melhor interesse da criança, que os Tribunais Superiores vêm sendo favoráveis, como demonstra o HABEAS CORPUS Nº 385.507 - PR (2017/0007772-9):

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE MENOR. APARENTE ADOÇÃO À BRASILEIRA E INDÍCIOS DE BURLA AO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO. PRETENSOS ADOTANTES QUE REUNEM AS QUALIDADES NECESSÁRIAS PARA O EXERCÍCIO DA GUARDA PROVISÓRIA. VÍNCULO SOCIOAFETIVO PRESUMÍVEL NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES DESENVOLVIDAS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. 1- O propósito do habeas corpus é definir se deve ser mantida a ordem de acolhimento institucional da menor diante do reconhecimento, pelos graus de jurisdição ordinários, de que houve tentativa de burlar o cadastro nacional de adoção. 2- Conquanto a adoção à brasileira evidentemente não se revista de legalidade, a regra segundo a qual a adoção deve ser realizada em observância do cadastro nacional de adotantes deve ser sopesada com o princípio do melhor interesse do menor, admitindo-se em razão deste cânone, ainda que excepcionalmente, a concessão da guarda provisória a quem não respeita a regra de adoção. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso de Habeas Corpus. RELAÇÕES FAMILIARES. Habeas Corpus nº 385.507 – PR (2017/0007772-9), da 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Adrighi, j. 27/02/2018).

Assim, por mais que a medida que deva ser adotada pelos órgãos protetivos seja a de afastamento da criança e da então família que praticou o ato ilegal, levando-a para uma casa de acolhimento, em razão da excludente que existe no próprio Código Penal, qual seja, a de diminuir a pena ou conceder o perdão judicial – o que vem sendo recorrente – o que os Tribunais vêm fazendo acaba por não ser considerado inconstitucional, logo, possível. Levando em conta o psicológico dessa criança, o vínculo afetivo que se presume existir na relação, eles optam por permitir que o menor seja mantido com a família que o acolheu por entenderem que melhor atende às suas necessidades.

Transcorrida a etapa da Adoção à Brasileira iremos mencionar o princípio da afetividade nos Tribunais brasileiros e a sua aplicação.

Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

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