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A (in)constitucionalidade da extinção da indenização de 40% sobre o FGTS

Agenda 12/08/2019 às 16:58

Antes da regulamentação do art. 7º, I da Constituição, é viável suprimir a indenização de 40% sobre o FGTS para trabalhadores que sofrem despedida arbitrária ou sem justa causa?

Há relativa dúvida sobre a possibilidade jurídica de extinguir a indenização de 40% sobre o FGTS paga em razão da rescisão do contrato de trabalho sem justa causa. A questão é complexa e somente pode ser compreendida a partir da recuperação de certos dados históricos e de dispositivos constitucionais.

O regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi introduzido, no Brasil, no período da ditadura, pela Lei n. 5.107/1966. A partir deste ato normativo, ao trabalhador, em tese, caberia optar pelo sistema fundiário, recentemente introduzido, ou pelo então vigente regime estabilitário, cujo teor garantia estabilidade ao empregado que completasse mais de dez anos de serviço no mesmo empregador, o que impedia a rescisão do contrato de trabalho, salvo por motivo de falta grave ou força maior.

A substituição de regimes, sob o ponto de vista do trabalhador, foi desproporcional. Substituir o regime do FGTS pelo da estabilidade decenal franqueou aos empregadores a possibilidade, quase irrestrita, de rescindir o contrato de trabalho sem justa causa. É o que se chama de direito potestativo do empregador de rescisão contratual.

O regime do FGTS, pela Constituição de 1988 (CF/1988), tornou-se obrigatório. Deixou, portanto, de ser uma opção. Com isto, extinguiu-se, em definitivo a estabilidade decenal prevista na CLT. Na prática, quando havia a opção, os empregadores, obviamente, preferiam admitir pelo regime cuja adoção permitia a livre rescisão contratual. A CF/1988 apenas oficializou este pragmatismo. A partir de então, nas relações empregatícias, haveria apenas um regime que é o fundiário.

A CF/1988 (art. 7º, I), por outro lado, buscou amenizar a substituição entre o regime de estabilidade pelo do FGTS, ao assegurar, como direito fundamental dos trabalhadores, relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, cujos termos ainda preverá indenização compensatória, entre outros direitos.

Aliás, o art. 7º, I, da CF/1988 está localizado no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais). Contempla, portanto, direito fundamental e, nesta condição, encontra proteção contra qualquer proposta legislativa, inclusive emenda constitucional, tendente a aboli-lo, por ser considerado cláusula pétrea (CF/1988, art. 60, §2º, IV).

O texto constitucional é claro. É direito do trabalhador ser protegido contra despedida arbitrária ou sem justiça causa. Além desta tutela, terá direito à indenização compensatória, entre outros direitos (o dispositivo usa o plural).

No entanto, mais de trinta anos se passaram desde à promulgação da CF/1988 e o art. 7º, I, ainda carece de regulamentação. A Constituição, provisoriamente, estabeleceu no art. 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) indenização de 40% sobre o FGTS até que houvesse a promulgação de lei complementar capaz de conferir concreção aquele dispositivo constitucional.

A indenização de 40% sobre o FGTS, repisa-se, encontra-se consignada nos atos de disposições constitucionais transitórias. É evidente o seu caráter precário cujo objetivo é ocupar, provisoriamente, um espaço até regulamentação definitiva do art. 7º, I, da CF/1988. A espera dura quase trinta e um anos, o que, em última análise, patenteia o descumprimento e a negativa de força normativa da Constituição.

Uma das consequências da aplicação do art. 7º, I, da CF/1988 diz respeito à internalização da Convenção n. 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esta convenção prevê medidas contra o desemprego ao impor à necessidade de o empregador justificar o término da relação contratual (art. 4º) e conferir ao empregado a possibilidade de se defender previamente (art. 7º). É uma das formas de materializar aquele comando constitucional, embora seja insuficiente para regulamentá-lo inteiramente.

Em outro dizer, ainda que haja a internalização da Convenção n. 158 da OIT, continuará a necessidade de regulamentar o art. 7º, I, da CF/1988, porquanto o texto daquele instrumento internacional é insuficiente para abranger toda a amplitude do aludido mandamento constitucional.

A Convenção n. 158 da OIT foi aprovada em 1985. No Brasil, foi aprovada em 1992, pelo Congresso Nacional, ratificada em 1995 e promulgada em 1996. Entretanto, de maneira inconstitucional, seja pela inobservância do princípio da similaridade de formas, quer pela franca violação a princípios trabalhistas, como os da proteção e do retrocesso social, seja, sobretudo, pela violação ao direito humano e fundamental ao trabalho, pouco menos de um ano de sua vigência, foi denunciada no final de 1996. Atualmente, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) ação direta de inconstitucionalidade (ADI n. 1625) contra o decreto de denúncia da mencionada convenção, ainda pendente de julgamento.

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Este cenário permite a extração de algumas considerações.

O art. 7º, I, da CF/1988 necessita de urgente regulamentação. O primeiro passo necessita do STF, com o julgamento da ADI n. 1625 para considerar como inconstitucional a denúncia da Convenção n. 158 da OIT.

A outra parte da regulamentação deverá ser materializada por lei complementar. Esta incumbência é do Poder Legislativo. Seu texto deverá promover acréscimos à proteção do empregado contra despedida arbitrária ou sem justa causa, em complemento às previsões da Convenção n. 158 da OIT, estabelecer indenização compensatória e prever outros direitos. Somente desta maneira concretizará o mandamento constitucional.

Posto este cenário parece possível analisar a constitucionalidade de suposta extinção da indenização de 40% sobre o FGTS.

Antes da regulamentação do art. 7º, I, da CF/1988 esta medida é inconstitucional, porquanto, ainda que de sorte provisória, o pagamento da indenização de 40% sobre o FGTS é, atualmente, a forma precária de concretizar aquele direito fundamental dos trabalhadores de proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa.

Depois da regulamentação do art. 7º, I, da CF/1988, a depender dos direitos previstos na futura lei complementar, a extinção da indenização de 40% sobre o FGTS poderá, ou não, ser considera constitucional. Será constitucional na hipótese de a regulamentação ser mais favorável ao trabalhador. Será, por seu turno, inconstitucional caso a nova regulamentação seja menos favorável aos trabalhadores. Os princípios da proteção, da norma mais favorável e da proibição do retrocesso social amparam esta conclusão.

Sobre o autor
Bruno Gomes Borges da Fonseca

procurador do Trabalho, lotado na Procuradoria Regional da 23ª Região, ex-procurador do Estado do Espírito Santo, pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Bruno Gomes Borges. A (in)constitucionalidade da extinção da indenização de 40% sobre o FGTS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5885, 12 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75895. Acesso em: 22 dez. 2024.

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