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3. DIREITO DOS ANIMAIS

Há tempos os direitos dos animais vêm sendo discutido, seja em âmbito nacional, bem como internacional. Cada vez mais surgem defensores que lutam pelos direitos e o aumento do âmbito protecionista animal.

O que se observa na sociedade contemporânea, é que o indivíduo desenvolveu uma supremacia antropocêntrica sobre a natureza, se colocando acima das outras espécies de seres vivos, por se considerar mais desenvolvido. Com efeito, o direito dos animais surge como uma maneira de proteção do meio ambiente, baseada tanto no respeito à dignidade da vida, como no bem–estar animal (CAMPELLO; SANTIAGO, 2016).

Nesse sentido, Rossi (2016, p. 2) cita que “o especismo é uma barreira que separa os animais humanos de todos os animais não-humanos. [...] A vida, integridade física e a liberdade dos não-humanos são deliberadamente ignoradas”. É como se a espécie humana estivesse acima de tudo e de todos.

Quando se defende os animais, usa-se o postulado da dignidade, aumentando as fronteiras do princípio, que não somente é usado para definir o ser humano, mas também outras espécies. Sobre isso, Fensterseifer (2008, p. 40) alude:

O defensor dos direitos dos animais ou da vida em termos gerais é antes de qualquer coisa também um defensor dos direitos humanos, já que as consagrações, respectivas, dos direitos humanos e dos direitos dos animais tratam-se de etapas evolutivas cumulativas de um mesmo caminhar humano rumo a um horizonte moral e cultural em permanente construção.

Desse modo, os animais estão sendo considerados “sujeitos” de direito e com capacidade de receber proteção dos ordenamentos jurídicos. Conforme Toledo (2012, p. 209), “a possibilidade de os animais não-humanos serem sujeitos de direitos já é concebida por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo atualmente”.

Para proteger os animais, surgiram vários documentos e legislações de âmbito internacional, que buscam garantir dignidade e bem estar a eles, conforme será vislumbrado no tópico seguinte.

3.1 A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS EM ÂMBITO INTERNACIONAL

Vários são os documentos e legislações de âmbito internacional que visam a proteção dos animais. Como um dos mais importantes, destaca-se a Declaração Universal dos Direitos dos Animais.

Segundo Sparemberger e Lacerda (2015, p. 191), “essa declaração surgiu de um encontro que foi realizado pela ONU em 1970, e faz referência ao trato e cuidados que devem ser aplicados aos animais”.

A declaração foi assinada em 1978 e declara que todos os animais nascem igual perante a vida, tendo os mesmos direitos à existência sendo que, o homem, como uma espécie animal, não pode exterminar ou explorar os animais, mas sim tem o dever de colocar os seus conhecimentos a favor dos animais (Declaração Universal dos Direitos dos Animais, 1978).

Ademais, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais prevê que todo o animal tem direito à atenção, aos cuidados e a proteção do homem, não podendo ser submetido a maus tratos e atos cruéis sendo que, caso seja necessário matar o animal, este ato deve ocorrer de modo instantâneo, sem dor e angústias.

Além da declaração, pode-se mencionar o Apelo da Sevilha. Segundo Souza (2014, p. 114), “este documento emanou-se da Reunião Internacional realizada na Universidade de Sevilha, sob organização da UNESCO, em 1986. Em seu interior criminaliza todo o tipo de violência, inclusive a cometida contra os animais”. É um documento que visa garantir direitos fundamentais, dentre eles, o dos animais.

A Carta da Terra, criada em 2000, no RIO+, também é um documento de ordem internacional de cunho protecionista. O artigo 15 da Carta da Terra (2000) preconiza, in verbis:

15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração. a. Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas e protegê-los de sofrimentos. b. Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca que causem sofrimento extremo, prolongado ou evitável. c. Evitar ou eliminar ao máximo possível a captura ou destruição de espécies não visadas.

Outro exemplo de tutela de direito dos animais em âmbito internacional, tem-se a Constituição da Suíça, que incluiu, em 1992, o título “da dignidade das criaturas”. Segundo Reis e Souza (2013, p. 117), “a Suíça foi o primeiro país da Europa a proteger os animais constitucionalmente. O artigo 80 confere ao Parlamento o dever de fazer uma legislação de proteção aos animais para todo o país”. Desse modo, estabeleceu-se constitucionalmente que, tanto o homem como o meio ambiente são protegidos de abusos, principalmente os decorrentes da engenharia genético, levando em conta a dignidade das criaturas, protegendo todas as espécies de animais e vegetais.

Evidencia-se, portanto, que há vários diplomas legais que protegem os animais. A maioria destes surgiu em consonância com as chamadas teorias de proteção dos animais, analisadas a seguir.

3.2 TEORIAS DE PROTEÇÃO DOS ANIMAIS

Para retratar a proteção dos animais, ao longo dos séculos, foram desenvolvidas algumas teorias protecionistas. O presente tópico tem como finalidade o estudo das teorias de proteção dos animais, que são a teoria do bem-estar e a teoria do abolicionismo.

3.2.1 A teoria do bem-estar dos animais

A teoria do bem-estar dos animais está em consonância com os preceitos da dignidade humana. O bem-estar animal é um meio de tornar a convivência dos animais a mais adequada possível, evitando atos de crueldade e que ocasionem sofrimentos e angústias. Darwin já ensinava há tempos que não existia diferenças fundamentais entre os homens e os animais, já que ambos sentem prazer, dor, felicidade e sofrimento.

O bem-estar possui íntima relação com a questão da saúde. Ao relacionar o termo saúde com o bem-estar “deve-se compreender que o mesmo se refere a um estado de harmonia, de equilíbrio dos sistemas corporais que participam do combate aos patógenos, da recuperação dos danos teciduais e/ou dos transtornos fisiológicos” (MANTECA; et. al., 2013, p. 4214). De acordo com Hotzel e Machado Filho (2004):

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Bem-estar animal é um termo subjetivo, influenciado pelas visões diferentes das pessoas e culturas diversas que compõem a sociedade. Existe, por isso, um grande debate na comunidade científica a respeito do conceito de bem-estar animal e, principalmente, de sua aplicabilidade aos contextos científico e produtivo.

A teoria do bem-estar animal teve seu início em 1926, com a Fundação da University of London Animal Welfare Society, que teve como premissa base que “problema animal deve ser resolvido com uma base científica com o máximo de simpatia, mas um mínimo de sentimentalismo” (CLOTET, 2005).

Por outro lado, na década de 70, surgiu um filósofo australiano, Peter Singer, que desenvolveu o bem-estar animal, com o intuito de prevenção do sofrimento animal. Sobre o tema, Barbosa (2010) comenta que “tomando como base sua obra Ética Prática, pode-se observar que, o bem-estar animal é uma filosofia contrária à crueldade com os animais, embora não lhes conceda direitos morais”.

Singer (2004) apud Rossi (2016) afirmava que homens e animais são seres sensíveis e, diante disso, são igualmente capazes de sofrer, devendo receber igual consideração.

A capacidade de sofrimento dos animais não pode ser mensurada, mas, de acordo com Rossi (2016, p. 25), é “através de provas fisiológicas e anatômicas comprovam o que os animais sentem, não diz respeito apenas a dores físicas, mas também a dores psicológicas (medo angústia, estresse, privação das mais variadas formas)”.

Esse conceito de bem-estar animal foi ganhando força com o decorrer dos anos tendo em vista o aumento da produtividade animal ocasionado por ele. Molento (2005, p. 1) “à medida que a sociedade passa a reconhecer o sofrimento animal como um fator relevante, pode-se inferir ao bem-estar animal (BEA) um valor econômico”.

Assim, o bem-estar do animal nada mais é do que regulamentar o seu uso sem técnicas de atrocidade e crueldade. Conforme Broom (2011) apud Manteca et. al. (2013, p. 4214):

[...] O bem-estar animal é um conceito científico que descreve uma qualidade de vida potencialmente mensurável de um ser vivo em um determinado momento, no entanto, ressalta que a abordagem científica do tema deve estar amplamente separada da ética. O bem-estar deve ser medido de forma objetiva, com uma avaliação completamente isenta de considerações éticas, devendo prover as informações necessárias para que as decisões éticas possam ser tomadas em situações Específicas [...].

A teoria não impede que os animais sejam utilizados pelo homem, seja para a alimentação, tarefas laborativas e outros atos costumeiros da sociedade. Ela apenas prevê que as condições oferecidas aos animais devem estar em consonância com os valores de dignidade, com a finalidade evitar dor e sofrimento, diferente da teoria do abolicionismo, que será tratada na sequência.

3.2.2 A teoria do abolicionismo

A teoria do abolicionismo animal não é muito destacada nos tempos atuais. Alves (2015) explica que a invisibilidade da escravidão e do sofrimento animal é um fato real e existente que a miopia humana finge desconhecer. Desse modo, a dominação e a exploração animal são uma realidade que o cérebro “evoluído” e egoísta humano ignora. Por conta disso, o movimento abolicionista animal é pouco conhecido e valorizado.

O abolicionismo, como o próprio nome alude, é um movimento de defesa animal e refere-se à abolição das formas de exploração dos animais.

O abolicionismo animal é um movimento que defende os direitos das espécies, advoga a abolição da dominação e da exploração dos animais por meio de uma ética biocêntrica que respeita a vida de todos os seres sencientes da Terra. Em geral, defende o veganismo e a educação não violenta e criativa, como base moral da posição dos direitos animais (ALVES, 2015).

O movimento é recente, surgido na década de 80 e busca a defesa dos direitos fundamentais dos animais. Segundo Pedras (2012), a teoria que luta efetivamente pelos direitos dos animais é a abolicionista. Esta teoria, decorrente de uma corrente mais radical, preza pela extensão dos direitos fundamentais aos animais não-humanos.

Pelo abolicionismo, não pode haver qualquer forma de exploração animal, sendo que estes possuem valor equiparado à personalidade humana, quanto a necessidade de possuírem bens jurídicos basilares, como a vida, integridade psicológica, física e liberdade de movimentação. Assim, entende-se que os que prezam pela atribuição de direitos básicos aos animais não-humanos desejam ver jaulas vazias, e não jaulas maiores (PEDRAS, 2012).

Um dos estudiosos mais influentes para essa teoria é o filósofo Ton Regan que busca, através dos seus estudos, reforçar a ideia de que o animal era dotado de direito de dignidade, sendo este um valor absoluto. Oliveira (2004, p. 285) comenta que:

O filósofo americano amarra de tal modo as duas categorias de direitos que acaba por produzir um círculo: se os direitos humanos podem ser fundamentados (através do postulado do valor inerente), não se justifica a exclusão dos animais (preconceito especista); por outro lado, apenas se os critérios adotados para a atribuição de direitos aos animais forem aceitos (sensibilidade e consciência de si) é que se podem legitimar os direitos humanos (evitando critérios excludentes como linguagem e racionalidade ou capacidade de reivindicar direitos).

Para a teoria abolicionista, portanto, o animal deve ser um ser livre, não submetido de qualquer forma ao ser humano, seja para exploração, alimentação ou qualquer outra forma. Como um ser dotado de dignidade, qualidade intrínseca, merece amparo e resguardo de todos os direitos que envolvem uma vida digna.

Realizadas as análises pertinentes a proteção dos direitos dos animais, a seção seguinte tratar-se-á acerca da possibilidade ou não de penhora de animais domésticos.


4. A (IM) PENHORABILIDADE E OS DIREITOS DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS

Para visar a satisfação dos interesses do exequente na ação de execução, a penhora de bens é um meio apto a garantir o cumprimento da obrigação. A questão, contudo, se permeia em quais bens são possíveis de ser penhorados ou não.

Nesse sentido, o presente tópico tem como objeto a análise acerca dos bens legalmente penhoráveis admitidos pelo direito processual civil vigente, bem como a (im) possibilidade de penhora de animais de estimação e a relação de afeto como método de proteção.

4.1 BENS LEGALMENTE PENHORÁVEIS

A penhora é um meio de satisfação da dívida, apta a realizar o cumprimento da obrigação, sendo um ato processual da execução. Theodoro Júnior (2017) compreende a penhora como um ato de afetação cuja consequência é a sujeição dos bens aos fins da execução, colocando-o à disposição do juízo, com o objetivo de realizar a finalidade da execução, ou seja, dar satisfação ao credor.

Em que pese a penhora servir como meio de satisfação da dívida, nem todos os bens do devedor podem ser penhorados. A legislação prevê a existência de bens impenhoráveis ou inalienáveis12.

Para tratar dos bens legalmente penhoráveis, este é um conceito de exclusão. A lei lista os bens impenhoráveis e o residual será penhorável. O art. 833 enumera os casos dos bens patrimoniais que, apesar de serem disponíveis, são impenhoráveis. No tópico inicial do artigo, eles já foram descritos, cabendo aqui, tão somente, mencionar os mais importantes que são o vestuário, pertences de uso pessoal, vencimentos, salários, soldos, pensões, montepios, livros, máquinas, utensílios da profissão e seguro de vida.

Theodoro Júnior (2017, p. 456) explica que “essa limitação à penhorabilidade encontra explicação em razões diversas, de origem ético-social, humanitária, política ou técnico-econômica”.

Ademais, explica-se a possibilidade de penhorabilidade com a relação a transmissão do bem. Rocha (2017, p. 24) cita que “[...] a penhora só pode incidir sobre uma situação jurídica ativa disponível de natureza patrimonial e cuja titularidade possa ser transmitida forçadamente nos termos da lei substantiva”.

Dentro da impenhorabilidade do bem, a doutrina divindade os bens em relativamente e absolutamente impenhoráveis.

Sobre os bens relativamente impenhoráveis, Theodoro Júnior (2017, p. 469) menciona que “consideram-se bens relativamente impenhoráveis aqueles cuja penhora a lei só permite quando inexistirem outros bens no patrimônio do devedor que possam garantir a execução”.

O artigo 834 do Código de Processo Civil traz um exemplo de bens relativamente impenhoráveis, in verbis: “art. 834. Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis” (BRASIL, 2015).

Já sobre a impenhorabilidade absoluta, esta compreende o fato de que o bem não pode ser levado à penhora em hipótese alguma.

Assim, para exemplificar, “são absolutamente impenhoráveis os bens gravados com cláusula de inalienabilidade ou qualquer outro bem que, as partes, por meio de negocio processual, tenham resolvido que não poderá ser penhorado em uma execução estas figurem” (CÂMARA, 2015, p. 346).

Porém, esta impenhorabilidade não atingirá as dívidas contraídas referentes ao próprio bem13.

Visto isso, passa-se à compreensão acerca da situação dos animais de estimação e o processo de execução.

4.2 CONCEITO DE “ANIMAL DE ESTIMAÇÃO”

Os animais de estimação fazer parte das composições familiares atuais e expressam a afetividade existente entre humanos e animais, tais como cachorros, gatos, dentre outros.

Segundo Medeiros (2013), esses animais são tratados como animais humanos, perdendo seu referencial do “ser”. Desse modo, evidencia-se nas famílias modernas que, o numero de filhos diminuiu e aumentou o número de animais de estimação, paradoxalmente, passou-se a tratar esses animais de estimação como se fossem ‘animais-filhos’.

Os animais de estimação, pela sua importância, estão passando por um processo de humanização, no qual são considerados iguais aos seres humanos. Sobre o tema, Carrão (2017, p. 27) alude:

Estudos mostram que os animais de estimação podem captar sentimentos, expectativas e intenções e, por terem o olfato bastante apurado e capacidade de captar frequências inaudíveis para o homem, eles percebem também alterações químicas do organismo humano, possibilitando identificar o humor, saúde e estado geral. Os animais têm sido considerados sujeitos nas suas relações com os seres humanos, esse processo foi chamado de “humanização” dos animais de estimação, em virtude de os mesmos acabarem apresentando diversos papeis na vida de seus donos, inclusive o de membro da família onde cada família apresenta características próprias e peculiares (CARRÃO, 2017, p. 27).

Assim, os animais de estimação podem ser considerados aqueles destinados ao convívio com os seres humanos, em decorrência de relações de afeto e companheirismo. Do mesmo modo que os demais animais, os animais domésticos (leia-se “de estimação”) possuem direitos, a seguir retratados.

4.3 DIREITOS DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS

Assim como os demais animais, os animais domésticos, também chamados de estimação possuem direitos. Conforme Souza (2014, p. 113), “os animais possuem direitos que lhes são inerentes por natureza. Não têm personalidade jurídica, entretanto, são portadores naturais do direito à vida. Eles têm seus direitos estampados em estatutos e normas jurídicas”.

“Embora tradicionalmente os animais sejam tratados como instrumentos ao dispor do homem, deve-se reconhecer que nos últimos 30 anos essa perspectiva vem sendo questionada. Isso talvez se explique pelo crescente número de famílias que contam com um animal de estimação” (CORREIA, 2015).

Sobre o processo de domesticação dos animais, Lourenço (2008, p. 44) cita que:

A se julgar pelas descobertas arqueológicas mais recentes, o registro de domesticação mais antigo de que se tem notícia é o do cão. A transição do lobo (Canis lupus), para o cão (Canis lupus familiaris) data de aproximadamente 12.000 anos. O primeiro animal a ser domesticado e, simultaneamente explorado economicamente, foi a ovelha, muito provavelmente pelo fato de não competir diretamente com o homem pela comida (tal como ocorreu também com as cabras e, posteriormente, o gado). Vale especial destaque a domesticação do cavalo (3.000 a. C.), que trouxe mudanças culturais e econômicas bastante significativas. Fato é que há cerca de 4.000 anos atrás a maior parte de nossas plantas e animais domésticos já se encontrava permanentemente incorporada à nossa cultura.

O processo de domesticação dos animais criou novas perspectivas nos âmbitos familiares. Disto, decorreu, inclusive, a mudança do status dos animais na sociedade. É comum que, em alguns anos, as pessoas ao se referirem aos animais da casa como “filhos”, pela importância que já ocupam no espaço familiar.

Diante disso, os animais de estimação, portanto, tem direito à vida digna e condições sadias de subsistência, sendo que os proprietários devem zelar pelos animais.

Ademais, proteção do direito dos animais domésticos advém da ideia de que eles possuem sentimentos. Desse modo, é razoável tomar a expressão “animais” como indicativa de “seres capazes de sentimento”. A norma que veda tratamento cruel a animais deve, ao menos, referir-se àqueles que efetivamente têm a capacidade de sentir. A ideia de crueldade está intrinsecamente ligada à imposição desnecessária de dor (CORREIA, 2015).

O tópico seguinte tem como objeto a análise acerca da penhora dos animais de estimação e o afeto como possível instrumento de coibição e proteção.

4.4 O AFETO COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO À IMPENHORABILIDADE DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

Como visto, os animais domésticos possuem proteção e direitos. Neste sentido, importante compreender a questão da penhorabilidade dos animais em contrapartida a relação de afeto existente entre o animal doméstico e o ser humano.

Silva (2017) menciona que há “uma função social da propriedade do animal de estimação (revela-se que há interesses sociais relevantes que devem ser tomados em consideração ao se avaliar o tratamento que possa ser conferido a um animal)”.

Os animais domesticados estão sendo adaptados ao convívio humano, a partir de prática de troca de fato, carinho e amor. Etho News (2001) apud Vieira (2016) cita que o animal de estimação facilita a comunicação entre os membros da família, independentemente da geração pertencentes. Ele não julga, pelo contrário, arbitra problemas familiares, através da capacidade de aliviar atritos, desviando a atenção para si mesmo. Ademais, é um excelente barômetro do nível de ansiedade e tensão do grupo familiar. Ou seja, fornece livremente seu afeito, facilita a comunicação e reduz o estresse através do seu incentivo para brincadeiras e atividades recreativas.

Desse modo, “em nome do princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, valores de nossa ordem constitucional, de se proteger a afetividade que as pessoas agregam aos animais (valores humanos) diretrizes contra os maus tratos” (SILVA, 2017).

Como pensar que um animal dotado de tamanha importância no âmbito familiar possa a vir ser penhorado e posteriormente expropriado do núcleo familiar como objeto de “pagamento” de uma obrigação? Mesmo parecendo absurdo imaginar esta ideia, o assunto já foi objeto em processo de execução.

É sabido que, no processo de execução, os semoventes podem ser penhorados. Ademais, estes nada mais são do que animais. Portanto, pela letra literal da lei, o animal doméstico também poderia ser alvo de penhora com o intuito de satisfação da obrigação.

Em que pese tal análise, a questão do afeto se mostra como um instrumento de proteção à impenhorabilidade dos animais de estimação que, por vezes, são considerados membros da família.

Um caso que gerou discussão sobre o tema foi a indicação à penhora de um cachorro da raça Chow-Chow, nos autos de Execução de Título Extrajudicial, na Comarca de Chapecó, pertencente ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Em decisão de primeira instância, o Juiz de Direito, Dr. Márcio Rocha Cardoso, ao analisar o pleito, sustentou que, apesar do animal ser um bem móvel, apto a penhora, tal medida se tornaria desproporcional.

Nesse sentido, argumentou que:

Qualquer pessoa, com mínima sensibilidade, não pode ignorar que um cachorro, tratado como animal doméstico, é dotado de sentimentos que o ligam aos seus "familiares", sendo certo que tal medida importaria em graves prejuízos, não só ao cão, mas ao seu dono, caso vendido para outrem como se fosse um objeto qualquer

(Comarca de Chapecó, autos n. 0500747-10.2011.8.24.0018, j. 8-4-2015).

Ademais, salientou que “ora, se uma geladeira, um televisor, uma mesa, enfim, objetos domésticos inanimados, são protegidos pela impenhorabilidade do bem de família, que dirá um ser vivo, com capacidade de expressar afeto e conviver, na maioria das vezes, como integrante do núcleo familiar”.

Com essa fundamentação, pautada em questões de afetividade e sentimentalismo, o magistrado indeferiu o pedido de penhora do animal doméstico.

O que se aufere, portanto, é que o animal de estimação deve ser equiparado ao bem de família e, assim, inviável a sua penhora.

Sobre as autoras
Fernanda Trentin

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora no Curso de Direito na UNOESC, Campus de São Miguel do Oeste.

Andreia Hertes Fusieger

Bacharel em Direito pela UNOESC - Campus São Miguel do Oeste

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRENTIN, Fernanda; FUSIEGER, Andreia Hertes. Quanto vale seu pet?: A impossibilidade de penhora de animais de estimação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7346, 12 ago. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/76205. Acesso em: 22 dez. 2024.

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