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A necessidade de regulamentação das uniões estáveis homossexuais

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Agenda 25/11/2005 às 00:00

CAPÍTULO V - DIREITO COMPARADO

            A questão da regulamentação das uniões homossexuais como entidades familiares tem sido debatida no mundo.

            Porém, a maioria dos países que admitem a união homossexual utiliza outra terminologia, que não seja casamento, para regulamentar tais uniões.

            "Dentre as críticas esboçadas a essa proposta, cumpre referir que a solução inserida na proposta dos pactos de parceria civil define a previsão jurídica, apenas, dos efeitos patrimoniais da relação afetiva homossexual, desviando, ou melhor, postergando o verdadeiro debate e enfrentamento político e cultural que representa a aceitação da união entre pessoas do mesmo sexo como sendo uma relação familiar." [16]

            A França reconheceu legalmente a união homossexual, pela Lei 99.944/99, que prescreve o pacto civil de solidariedade, garantindo direito à imigração, à sucessão e à declaração de renda conjunta, excetuada a adoção.

            A Holanda, mediante a Lei 26672, de dezembro de 2000, a Dinamarca, com a Lei 372/89, a Noruega, Lei 40/93 e a Suécia admitem a parceria registrada entre homossexuais, outorgando – lhes os mesmos direitos decorrentes do casamento efetivado entre heterossexuais, não lhes sendo permitida a adoção de crianças. O Parlamento Holandês, a partir de 1º de abril de 2.001, passou a aceitar o casamento de homossexuais com a possibilidade de adoção de crianças.

            Na Finlândia, é permitido o casamento entre homossexuais, regulamentado por Lei de 11 de março de 2.002.

            A união estável homossexual foi regulamentada na Alemanha em 2.001.

            Recentemente foi aprovada lei permitindo a união homossexual na Espanha.

            Em Portugal estuda – se legislação sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo, reconhecimento de uniões homoeróticas e parceria registrada.

            O Des. José Carlos Teixeira Giorgis afirma:

            "No Canadá, a discriminação, com base na orientação sexual, viola a garantia constitucional da igualdade.

            (...)

            No Canadá, os benefícios de saúde foram estendidos aos parceiros do mesmo sexo, também admitindo que pudessem ser tratados como membros de uma união estável; o governo oferece benefício médico, dentário e oftalmológico aos parceiros dos empregados homossexuais.

            Ali, uma província reconheceu, em 1997, a possibilidade de tutela e adoção por homossexuais." [17]

            No Brasil existe o Projeto de Lei 1.151, de 1.995, de autoria da então Deputada Federal Marta Suplicy, que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências, quanto a benefícios previdenciários e direitos sucessórios. Tal Projeto de Lei, apesar de estar pronto para ser votado, foi retirado de pauta em 31 de maio de 2.001, em razão de acordo entre os Líderes.


CAPÍTULO VI – JURISPRUDÊNCIA RELATIVA AO RECONHECIMENTO DAS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOSSEXUAIS.

            A Jurisprudência nacional, nas constantes controvérsias judiciais que envolvem pares homossexuais, está dividida quanto à mudança de paradigma e ao reconhecimento do "status" de entidade familiar a tais relações.

            UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO – Coabitação – Situação que não gera nenhum direito entre as partes, independente do período de convivência.

            Ementa Oficial: A união de duas pessoas do mesmo sexo, por si só, não gera direito algum para qualquer delas, independentemente do período de coabitação.

            UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO – Dano moral – Indenização – Pessoa que coabitava com vítima de Aids e assumiu o tratamento do de cujus expondo – se publicamente – Reivindicação ao pai do falecido em face de sua omissão – Inadmissibilidade – Verba indevida.

            Ementa Oficial: Não cabe dano moral a ser reivindicado do pai e herdeiro universal do falecido, vítima de Aids, por pessoa que, tendo com este coabitado, houver assumido assistência ao doente, expondo – se publicamente, em face da omissão daquele, a quem não pode ser atribuída culpa pela enfermidade de que o filho foi acometido.

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            (...)

            Finalmente, quanto ao recurso do apelante adesivo, gostaria de registrar que o fato de duas pessoas do mesmo sexo dividirem o mesmo teto, não importa por quanto tempo, não cria direito algum para qualquer deles e não cria laço algum senão o de amizade." (TJMG – 2ª Câm. – j. 03.12.1996 – rel. Juiz Carreira Machado – DJ 08.04.1997 – RT 742/393).

            EMENTA. SOCIEDADE DE FATO - Relação homossexual - Meação - Pretensão à extensão a todos os bens do falecido convivente - Simples sociedade de afeto mantida entre parceiros do mesmo sexo que não induz efeitos patrimoniais, à falta de normatização específica - Inexistência de respaldo a legitimar a aplicação analógica da Constituição da República de 1988 ou legislação ordinária que regulamente a união estável, de modo a conferir direito de herança ao apelante - Ruptura do liame informal que gera conseqüências meramente no âmbito do Direito das Obrigações - Presença dos pressupostos do artigo 1.363 do Código Civil - Necessidade da aferição da contribuição de cada um dos sócios para se proceder à partilha na proporção de seus esforços - Recurso parcialmente provido. (Apelação Cível n. 179.953-4 - TJSP - 10ª Câmara de Direito Privado - Relator: Paulo Dimas Mascaretti - 26.02.02 - V.U.)

            O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul foi o primeiro a proferir decisão, em 17de junho de 1.990, reconhecendo a união estável homossexual como entidade familiar.

            EMENTA: "

Relações homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados por pessoas do mesmo sexo – Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra – se competente para o julgamento da causa uma das Varas de Família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido" (AI 599075496 – Oitava Câmara Cível – Rel. Des. Breno Moreira Mussi, j. 17.06.99).

            Atualmente, apesar de alguns julgadores não reconhecerem as uniões homossexuais como entidades familiares, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconhece a existência de tais relações, suprindo a lacuna legal através da analogia, de maneira inovadora.

            EMENTA:

UNIAO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMONIO. MEACAO PARADIGMA. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando – se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio adquirido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação Provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros. (Apelação Cível Nº 70001388982, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 14/03/2001)

            EMENTA: "É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre os homossexuais, ante os princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual e é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso País, destruindo preconceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e as coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Apelação provida". (TJRS, 8ª Câmara Cível, APC 598 362 655. Rel. Des. José Siqueira Trindade, j. 1/03/00).

            EMENTA: APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. Embora reconhecida na parte dispositiva da sentença a existência de sociedade de fato, os elementos probatórios dos autos indicam a existência de união estável. PARTILHA. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Caracterizada a união estável, impõe-se a partilha igualitária dos bens adquiridos na constância da união, prescindindo da demonstração de colaboração efetiva de um dos conviventes, somente exigidos nas hipóteses de sociedade de fato. NEGARAM PROVIMENTO. (Segredo de Justiça) (Apelação Cível Nº 70006542377, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 11/09/2003)

            Porém, a mesma Oitava Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu que a união homossexual constitui uma sociedade de fato, regulamentada pelo Direito das Obrigações, e não pelo Direito de Família, não podendo ser equiparada à união entre heterossexuais.

            EMENTA:

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOSSEXUAL. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO À UNIÃO ESTÁVEL. O relacionamento homossexual entre duas mulheres não se constitui em união estável, de modo a merecer a proteção do Estado como entidade familiar, pois é claro o § 3º do art. 226 da Constituição Federal no sentido da diversidade de sexos, homem e mulher, como também está na Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, bem como na Lei 9.278, de 10 de maio de 1996. Entretanto, embora não possa se aplicar ao caso a possibilidade de reconhecimento de união estável, em tendo restado comprovada a efetiva colaboração de ambas as partes para a aquisição do patrimônio, impõe-se a partilha do imóvel, nos moldes do reconhecimento de uma sociedade de fato. Apelo parcialmente provido. (Apelação Cível Nº 70007911001, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Carlos Stangler Pereira, Julgado em 01/07/2004)

            Segundo entendimento do DD Juiz Roberto Arriada Lorea, da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre, ao proferir sentença em 14 de fevereiro de 2.005, julgando procedente uma ação de dissolução de união estável entre casal homossexual, não só a união estável entre homossexuais é possível como também o casamento, pois "da leitura do art. 226, § 3º da CF, não decorre a conclusão ‘somente entre homens e mulheres’, ao contrário, não veda a possibilidade da proteção jurídica das relações estáveis entre pessoas do mesmo sexo. Assim, nos casos de vazio normativo, deve o juiz decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito". A decisão registra o reconhecimento da união estável homossexual pelo Tribunal Superior Eleitoral: "Ementa: REGISTRO DE CANDIDATO. CANDIDATA AO CARGO DE PREFEITO. RELAÇÃO ESTÁVEL HOMOSSEXUAL COM A PREFEITA REELEITA DO MUNICÍPIO. INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá provimento. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do relator. (ACÓRDÃO 24564 VISEU - PA 01/10/2004 Relator(a) GILMAR FERREIRA MENDES Relator(a) designado(a) Publicação PSESS - Publicado em Sessão, Data 01/10/2004). E conclui da seguinte maneira: "atribuir-se tratamento diferenciado aos jurisdicionados homossexuais seria um desrespeito ao analisado princípio da igualdade. Nesse sentido, seria um absurdo aceitar que o Poder Judiciário fechasse seus olhos não só para as modificações de nossa sociedade, como para a Constituição Federal que rege nossa nação. Buscando na "falta de legislação expressa" razão suficiente para julgar injustamente fatos que ocorrem entre "minorias sociais" que já são constantemente discriminadas".

            Em março de 2.004, parecer da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul, publicado no Diário de Justiça, autorizou os municípios gaúchos a aceitarem os registros de pedidos feitos por casais homossexuais que queiram comprovar sua união, impedindo a negativa dos cartórios sob a alegação de falta de previsão legal, orientação e jurisprudência.

            O Tribunal Regional Federal da Quarta Região reconhece a eficácia do princípio da igualdade de tratamento entre homossexuais e heterossexuais na hipótese de pensão estatutária.

            EMENTA CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO. COMPANHEIRO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. REALIDADE FÁTICA. TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS. EVOLUÇÃO DO DIREITO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE IGUALDADE. ARTIGOS 3º, IV E 5º. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

.

            1. A realidade social atual revela a existência de pessoas do mesmo sexo convivendo na condição de companheiros, como se casados fossem.

            2. O vácuo normativo não pode ser considerado obstáculo intransponível para o reconhecimento de uma relação jurídica emergente de fato público e notório. 3. O princípio da igualdade consagrado na Constituição Federal de 1988, inscrito nos artigos 3º, IV, e 5º, aboliram definitivamente qualquer forma de discriminação.

            4. A evolução do direito deve acompanhar as transformações sociais, a partir de casos concretos que configurem novas realidades nas relações interpessoais.

            5. A dependência econômica do companheiro é presumida, nos termos do § 4º do art. 16 da Lei nº 8.213/91. 6. Estando comprovada a qualidade de segurado do de cujus na data do óbito, bem como a condição de dependente do autor, tem este o direito ao benefício de pensão por morte, o qual é devido desde a data do ajuizamento da ação, uma vez que o óbito ocorreu na vigência da Lei nº 9.528/97.

            8. As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente desde quando devidas, pelo IGP-DI (Medida Provisória nº 1.415/96).

            9. Juros de mora de 6% ao ano, a contar da citação.

            10. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, nesta compreendidas as parcelas vencidas até a execução do julgado.

            11. Apelações providas. (Apelação Cível 2000.04.01.073643-8/RS, 6ª Turma, v.u., Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu, j. 21.11.2.000, DJ 10.01.2001, p.373)

            Maria Cláudia Crespo Brauner e Taysa Schiocchet informam que "em 2.000, o Tribunal Regional Federal da Quarta Região confirmou liminar em ação civil pública destinada a reconhecer, em todo o território nacional, direitos previdenciários aos companheiros homossexuais" [18]

            Em janeiro de 2.005, o Procurador do Ministério Público Federal, João Gilberto Gonçalves Filho, propôs ação civil pública, que tramita na Justiça Federal de Guaratinguetá, Estado de São Paulo, para legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo no território nacional. De acordo com o Procurador, "Os governadores dos Estados podem, se quiserem e independentemente de qualquer ação judicial, concordar com os termos da ação e fazer um acordo com o Ministério Público. A partir daí, o casamento entre homossexuais já estaria autorizado nos respectivos Estados, mesmo que a ação seja indeferida na Justiça." [19]

            Assim sendo, tais precedentes da jurisprudência, notadamente do Rio Grande do Sul, provam que o Brasil está caminhando para uma mudança de paradigma e para o avanço na regulamentação da união entre pessoas do mesmo sexo.

Sobre a autora
Claudia Santoro

procuradora do Município de Santo André (SP), especializanda em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTORO, Claudia. A necessidade de regulamentação das uniões estáveis homossexuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 875, 25 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7625. Acesso em: 24 nov. 2024.

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