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Algumas notas sobre a Lei nº 8.742/1993

(amparo assistencial ao idoso ou deficiente mental)

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Agenda 01/12/2005 às 00:00

4. A matéria previdenciária na Constituição Federal de 1988.

            A preocupação com um mínimo social, ainda que nos textos legais de forma tímida e indireta, de há muito encontrava eco internacional. A própria Declaração dos Direitos do Homem, de 1948, assinada no âmbito da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em seu artigo 25, assegura que toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado, que lhe assegure, assim como à sua família, a saúde, o bem-estar e especialmente a alimentação, o vestuário, a casa, a assistência médica e os serviços sociais necessários; tem, ainda, direito aos seguros em caso de desemprego, doença, invalidez, velhice e em outros casos de perda dos meios de subsistência por circunstâncias independentes de sua vontade.

            No Brasil, as Constituições de 1934, 1937, 1967 e a de 1969 (Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969), já traziam o seguro social como direito dos trabalhadores, de sorte que aqueles que trabalhavam deveriam contribuir para o sistema, na expectativa de direito a benefícios [17].

            Específica e mais recentemente, já na Constituição de 1969, bem como na antiga Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS, Lei nº 3807, de 26 de agosto de 1960), havia a retórica da preocupação com a questão dos desamparados. O texto constitucional anterior, em seu artigo 165, dispunha que a previdência asseguraria, dentre outros direitos, assistência nos casos de doença, seguro-desemprego, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante a contribuição da União, do empregador e do empregado (inciso XV).

            Na Constituição Federal atual de 5 de outubro de 1988, como anota Valéria SANT’ANNA, não há de maneira propriamente dita a conceituação do termo Seguridade Social, mas no seu artigo 194 é enunciada a sua abrangência, dispondo que a mesma compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social [18].

            Da mesma maneira, a abrangência da Previdência Social foi estabelecida no artigo 201, sendo um sistema que, mediante contribuição, atende a cobertura dos eventos de doença, invalidez e morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão (inciso I); a ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda (inciso II); a proteção à maternidade, especialmente à gestante (inciso III); a proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário (inciso IV); e, pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.

            Por fim, no artigo 203, se lê que a Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à Seguridade Social, tendo por objetivos: a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice (inciso I); o amparo às crianças e adolescentes carentes (inciso II); a promoção da integração ao mercado de trabalho (inciso III); a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária (inciso IV); e, a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (inciso V).

            Conclui-se assim que a Previdência Social [19] poderia ser entendida como o sistema encarregado da Seguridade Social e das prestações e dos benefícios previdenciários concedidos àqueles que são efetivamente segurados, ou seja, àqueles que contribuem para o sistema e para o seu fomento. É, portanto, o sistema de proteção social que visa assegurar a subsistência do trabalhador e de sua família quando este não puder trabalhar em virtude de doença, acidente, gravidez (no caso das trabalhadoras), prisão, morte ou velhice, mantendo dez benefícios diferentes [20], incluindo aposentadorias, pensão por morte, salário-maternidade [21] e auxílio-doença [22]. Já a Assistência Social [23] como o sistema incumbido de levar amparo àqueles necessitados e excluídos, em franca desvantagem individual e social, em franca hipossuficiência, independentemente de contribuir ou não para o seu custeio e fomento. Consoante estudo do economista Raul Velloso, da Previdência Social saem as aposentadorias, que devem resultar de um equilibrado cálculo atuarial que venha a determinar os valores dos benefícios em função das contribuições dadas ao sistema pelos segurados, pelos empregadores e pelo Estado, ao passo que a Assistência Social está representada pelos programas de renda mínima e de transferências diretas a pessoas, financiados pelos recursos orçamentários [24].

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            A distinção, via senso comum, não é de razoável visualização e, em princípio, para os desamparados, é de pouca utilidade prática, visto que a origem dos recursos que fomentam ambos os sistemas partem de empregados e empregadores, e a incumbência de operacionalizar e estabelecer o viés prático de levá-los a quem necessita dos benefícios é de responsabilidade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal.

            Por fim, cite-se que no Capítulo II do texto da Carta Política, que trata dos direitos sociais [25], corroborou-se a Previdência Social na categoria de direto social no artigo 6º (na redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000), bem como no artigo 7º, especialmente nos incisos II (seguro-desemprego em caso de desemprego involuntário), III (FGTS), IV (salário-mínimo capaz de atender necessidades básicas), VIII (décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria), XII (salário-família para os dependentes do segurado), XVIII (licença gestante), XIX (licença paternidade), XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança), XXIV (aposentadoria), XXV (assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas) e XXXIV, parágrafo único (integrando os trabalhadores domésticos na Previdência Social).


5. Exegese da Lei nº 8742/1993 e sua interpretação judicial.

            Com relação à Lei Orgânica de Previdência Social (LOAS, Lei nº 8742/1993), a mesma teve o condão de regulamentar o dispositivo contido no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal. Ela trouxe a definição do conceito de Assistência Social, que está exposto em seu artigo 1º, considerando que a mesma é um direito do cidadão e dever do Estado, sendo política de Seguridade Social não contributiva, que deverá prover os mínimos sociais, e ser realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, de forma a garantir o atendimento às necessidades básicas.

            O artigo 2º da mesma lei dispõe que são objetivos da Assistência Social (caput) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice (inciso I); o amparo às crianças e adolescentes carentes (inciso II); a promoção da integração ao mercado de trabalho (inciso III); a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária (inciso IV); e, a garantia de 1 salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (V). A Assistência Social deverá realizar-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, e ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais (parágrafo único).

            Ademais, a assistência social reger-se-á (artigo 24, caput) pelos princípios da supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica (inciso I); da universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas (inciso II); do respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios [26] e serviços [27] de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade (inciso III); da igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais (inciso IV); e, da divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão (inciso V).

            Da mesma maneira, a lei, em seu artigo 5º (caput), dispõe acerca das diretrizes seguintes: descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo (inciso I); participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis (inciso II); e, primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de Assistência Social em cada esfera de governo (inciso III).

            No tocante ao benefício em questão, qual seja, o contido na Lei Orgânica de Previdência Social (LOAS, Lei nº 8742/1993, amparo assistencial ao idoso e ao deficiente, benefício de prestação continuada), o mesmo, se concedido, é pago ao idoso ou deficiente mental no valor de um salário-mínimo.

            Ante a uma interpretação restritiva dos mandamentos contidos na lei, ao idoso, o benefício é pago àquele com idade mínima de 67 anos, desde que não exerça atividade remunerada (artigo 38 da Lei nº 8742/1993 combinado com o artigo 1º da Lei nº 9720/1998). Ao deficiente, é pago à crianças (0 a 12 anos), adolescentes (entre 12 e 18 anos), bem como aos portadores de deficiência incapacitante para a vida independente, bem como aos abrigados em instituições públicas e privadas no âmbito nacional [28], que comprovem carência econômica para prover a própria subsistência. Nesse esteio, para a sua concessão, são necessários alguns critérios cumulativos: 1) Não estar os possíveis beneficiários recebendo benefício de espécie alguma ou vinculados a nenhum regime de previdência, ou pela Previdência Social oficial (§ 4º do artigo 20 da Lei nº 8742/1993); 2) A renda mensal da família deverá ser inferior a ¼ do salário-mínimo vigente na data do requerimento (§ 3º do artigo 20 da Lei nº 8742/1993). Ademais, para o deficiente, é necessário parecer de perícia-médica comprovando a deficiência (artigo 20, Lei nº 8742/1993).

            Para a divisão da renda familiar, é considerado o número de pessoas que vivem sob o mesmo teto, assim entendidos o cônjuge, o (a) companheiro (a), os pais, os filhos e irmãos emancipados, de qualquer condição, menores de 21 anos ou inválidos. Para fins de conceituação de família, nos termos do artigo 20 da Lei nº 8742/1993, dispõe o artigo 1º, parágrafo único, alínea a do Decreto nº 1330, de 8 de dezembro de 1994, que esta será a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes. Outras disposições relativas ao pedido estão dispostas no citado Decreto nº 1330/1994 e no Decreto nº 1744 de 5 de dezembro de 1995, que regulamentam a implementação do benefício.

            O benefício poderá ser pago a mais de um membro da família, desde que comprovadas todas as condições exigidas. No entanto, o valor do amparo assistencial concedido a outros membros do mesmo grupo familiar passarão a fazer parte do cálculo para a apuração da renda familiar. Anote-se que o benefício assistencial é intransferível, não gerando direito à pensão a herdeiros ou sucessores, não sendo também paga a prestação equivalente ao 13º salário.

            O pedido, além da possibilidade de ser feito administrativamente por formulário próprio fornecido pelo próprio Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pela operacionalização e pagamento do benefício, pode muito bem ser devido pela via judicial, não obstante os inconvenientes da possível demora na apreciação do pedido. Incabíveis à espécie procedimentos vexatórios para a comprovação de sua necessidade. O procedimento, analisada a peculiaridade da causa, pode muito bem ser requerido via procedimento ordinário ou mesmo, diante do valor da causa, pelo procedimento sumário [29].

            Uma vez concedido, o benefício de prestação continuada deverá ser revisto a cada dois anos para avaliação das condições que lhe deram origem (artigo 21 da Lei nº 8742/1993), cessando ainda o pagamento no momento em que forem superadas essas condições, com a morte do beneficiário (artigo 21, § 1º) ou cancelado se constatadas irregularidades na sua concessão ou utilização (artigo 21, § 2º).

            Uma vez concedido o benefício, em teor do artigo 31 do Decreto nº 1744/1995, o pagamento de benefício decorrente de sentença judicial far-se-á com observância da prioridade garantida aos créditos alimentícios, na forma da lei.

            Ab initio, poderia parecer que o petitum em nada difere daqueles que ordinariamente são deduzidos aos milhares nas comarcas de todos o país. Mas não a questão não é tão simples quanto parece, uma vez que os critérios estabelecidos pela Lei nº 8742/1993 para a concessão do benefício de prestação continuada do amparo assistencial ao idoso e ao deficiente mental são deveras rigorosos e complexos, passíveis de muitas modificações no plano fático durante o desenrolar do processo de conhecimento. Senão, vejamos algumas questões.

            Não obstante a Lei nº 8742/1993 encontrar no benefício de prestação continuada resguardo histórico em lei anterior com escopo semelhante, qual seja, a Lei n° 6179, de 11 de dezembro de 1974, que instituiu o então existente amparo previdenciário para os maiores de 70 anos ou inválidos, também conhecido como renda mensal vitalícia, as fontes para o seu estudo são, salvo melhor juízo, extremamente escassas, assim como todo o objeto de estudo relativo ao Direito Previdenciário. O que encontramos nas bibliotecas com relação à legislação são regulamentos antigos, leis e decretos revogados, situação que se repete invariavelmente nas livrarias de obras usadas (os conhecidos "sebos"). No mercado editorial de livros novos, com algumas poucas exceções, as livrarias estão inchadas por inúmeras obras muito bem apresentadas nas capas e na encadernação, mas também muito irritantes, que se intitulam como de Direito Previdenciário, mas que tem um valor jurídico-doutrinário muito baixo, uma vez que freqüentemente são compilações ou simples compêndios que reproduzem regulamentos, decretos, leis, medidas provisórias e outras normas hierarquicamente inferiores (como portarias e ordens de serviço), vezes até sem muito nexo e coerência, tratando a questão através do viés dos Direitos Tributário e Fiscal (e quando muito, numa abordagem simultânea ao Direito do Trabalho, com uma qualidade um pouco superior), sem nenhum comentário ou consideração de ordem doutrinária. Constata-se, outrossim, que acerca da Lei nº 8742/1993 e do próprio Direito Previdenciário, atualmente as fontes mais importantes de estudo são as decisões judiciais de primeira instância e a jurisprudência dos tribunais.

            Dito isso, faremos uma breve abordagem das fundamentações expostas por advogados e juízes no trato e interpretação judicial da concessão (ou não) do benefício de prestação continuada contido na Lei nº 8742/1993, seguindo-se a interpretação dos tribunais. Para tanto, utilizamos os autos de processos, a rede mundial de computadores (Internet), notícias veiculadas pela imprensa e os ementários de jurisprudência do Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo.

Sobre o autor
Rogério Duarte Fernandes dos Passos

advogado e professor, mestre em Direito Internacional pela Universidade Metodista de Piracicaba (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSOS, Rogério Duarte Fernandes. Algumas notas sobre a Lei nº 8.742/1993: (amparo assistencial ao idoso ou deficiente mental). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 881, 1 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7647. Acesso em: 23 nov. 2024.

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