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Direito Internacional Privado.

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Dado por assente que o conceito-quadro se refere a dados normativos, não poderia entender-se que naquele conceito se contém também uma referência pressuponente a esses dados normativos?

A referência feita pelo DIP do foro a um direito estrangeiro não pode ser uma referência de tipo pressuponente, mas tem de ser uma referência atributiva de competência ou recognitiva.

As normas da lei estrangeira são tomadas como critérios normativos, com as suas próprias valorações jurídico-materiais e as consequências jurídicas por elas estatuídas, e não como dados de facto, como pressuposto de uma consequência jurídico-material a ditar pela lei do foro.

Isto não obstaria a que o conceito-quadro da regra de conflitos se referisse às normas materiais da lei estrangeira aplicável como dado ou pressuposto de estatuição da mesma regra de conflitos a aplicabilidade da lei estrangeira. A referência contida nessa estatuição... essa é que não poderia ser senão do tipo recognitivo.

Poder-se-ia dizer que se o conceito-quadro se referiria a um «quid facti», nele também haveria uma referência pressuponente à «lex causae».

Contudo, teremos de afirmar que no conceito-quadro de uma regra de conflitos típica não há referência a um «quid facti», mas a simples questões jurídicas ― na aplicação desse conceito jurídico não há que verificar-se uma «quaestio facti».

O sistema jurídico designado como competente para regular determinada questão jurídica suscitada por certo facto concreto é competente para regular tal questão concreta mesmo que a não regule, isso quer dizer que, mesmo que o facto em causa seja havido, em face deste sistema e sob o aspecto considerado, como juridicamente irrelevante, já que não cabe na hipótese de nenhuma norma nem suscita um verdadeiro problema de integração da lei (lacuna). A decisão quanto à irrelevância do facto a extrair do sistema designado é, ainda, uma decisão jurídica.

Quanto ao conceito designativo do elemento de conexão, importa verificar, de modo positivo, a existência da conexão mediante a resposta a uma «quaestio facti».

Se não se verifica ou constata como um «quid» positivo em relação a dado sistema estadual, a conexão prevista pela regra de conflitos carece de um pressuposto do «chamamento» desse sistema, falta o próprio título de sua vocação ou da sua competência e ele não será aplicável ao caso.

Contudo, se dada conexão se verifica de facto, mas não se encontra, no sistema designado, qualquer norma pertinente ao sector jurídico a que se refere o conceito-quadro da regra de conflitos que utiliza a dita conexão que cubra com a sua hipótese o facto concreto a regular, apesar disso, a lei «chamada» continua a ser competente, pois afasta a aplicabilidade de qualquer outra lei e o facto em causa deve, consequentemente, ser considerado juridicamente irrelevante na perspectiva da questão jurídica em apreço.


Numa breve conclusão

:

Elemento de conexão: só opera se se descobre um «quid» positivo que corresponde ao conceito que o designa, o que significa que a aplicação deste conceito envolve a indagação e resolução de uma «quaestio facti».

Conceito-quadro: não exige, para a sua aplicação ou funcionamento, a descoberta de algum dado positivo em que se concretize o seu conteúdo, ou seja, não exige a resposta a uma «quaestio facti».

Coloca-se, assim, a descoberto a raiz da heterogeneidade funcional dos dois elementos estruturais da regra de conflitos, o que não está no facto de o conceito-quadro se referir a dados normativos e o elemento de conexão a dados factuais, pois o conceito designativo do elemento de conexão também se pode referir a dados normativos sem que a dita heterogeneidade desapareça; quando tal acontece, esses dados normativos são por este conceito assumidos como pressupostos ou como dados de facto.

A heterogeneidade de funcionamento dos dois elementos estruturais da regra de conflitos fornece-nos a explicação e a razão de ser do diferente tratamento que a doutrina dominante lhes dá em matéria de interpretação e aplicação dos respectivos conceitos.

Para a grande maioria dos autores modernos, o problema da qualificação, na especificidade que assume no DIP., só se põe e discute a propósito da aplicação do conceito-quadro.

3.1.1.3) A consequência jurídica:

Como já foi dito várias vezes, a regra de conflitos tem uma função bilateral, referindo-se tanto ao direito do foro como aos direitos estrangeiros. Vem de longe a caracterização da regra de conflitos como norma de remissão ou reenvio, sendo este o verdadeiro sentido desse referência.

Para muitos autores como, por exemplo, AGO, esta caracterização significa que a regra de conflitos funciona como verdadeira norma de remissão através da qual o legislador do foro proveria à regulamentação de certas situações da vida mediante o chamamento de normas estrangeiras que viriam integrar o ordenamento jurídico-material do foro. Assim sendo, as norma de DIP teriam a função de inserir direito estrangeiro no ordenamento jurídico interna do foro.

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Para outros autores, a designação da regra de conflitos como norma indirecta significa apenas que ela é uma norma que se limita a indicar o sistema jurídico aplicável.

Nossa posição é a de que o direito de conflitos situa-se num plano distinto e autónomo relativamente ao direito material e em que a regra de conflitos deve ser concebida como uma norma sobre concursos de normas ― como uma norma que, com vista a prevenir conflitos, define o âmbito da competência das leis aplicáveis.

Ora, logo se vê que esta concepção não se concilia de modo algum com a figuração da regra de conflitos como norma indirecta ou norma de remissão «ad alius ius».

Por outro lado, a regra de conflitos também se refere ao ordenamento material do sistema jurídico a que pertence, portanto, não se concebe, sem artificialismo, que as normas deste ordenamento material careçam de ser chamadas através da regra de conflitos do foro para que sejam aplicáveis.

Isso não nos impedirá de reconhecer que o sistema jurídico do foro, através de um princípio imanente ao seu DIP., atribui competência às leis estrangeiras e confere validade no Estado do foro a conteúdos normativos que, doutro modo, não a teriam ― a atribuição de competência não é obra específica da regra de conflitos.

A regra de conflitos tem a função de dirimir os concursos de leis, mas mais não faz que delimitar ou referir o âmbito de competência das leis em concurso.

Para decidir com clareza se a regra de conflitos é uma verdadeira regra de remissão, temos que analisar as seguintes definições:

- Reenvio ou remissão de leis: é um expediente de técnica legislativa em que, por uma razão de economia de meios que visa evitar repetições, uma norma indica qualquer dos seus elementos constitutivos, no todo ou em parte, mediante referência (expressa ou implícita) a outras normas.


Reenvio

Intra-sistemático: quando feito relativamente a normas do mesmo sistema normativo;

Extra-sistemático ou «ad aliud ius»: quando feito relativamente a normas de um sistema normativo diferente.

No reenvio intra-sistemático, o legislador resolve (ou pensa resolver) certo problema jurídico em dado ponto do sistema, ao disciplinar outro ou outros institutos em que um problema idêntico se levanta, se remete para aqueles preceitos que, naquele outro ponto do sistema (lugar paralelo), fornecem a solução desejada (v.g.: artigos 289º, n.º 3; 594º; 678º; 913º; etc.).


Remissão

Expressa;

implícita (assume feição legal).

O mais frequente é a norma indirecta apresentar-se como uma norma que, para a hipótese por ela referida, determina a consequência jurídica indirectamente, mediante remissão para outras normas jurídicas. Trata-se sempre de aplicação analógica da norma «ad quem» no domínio de matérias ou institutos jurídicos a que se reporta a norma de remissão ― daí que se fale de aplicação «correspondente» ou com «as devidas adaptações» ― a norma «ad quem», só mediatamente, através de uma norma paralela ou correspondente pode aplicar-se ao sector de matérias coberto pela norma remetente.

Importa salientar: a norma paralela, que se vai achar mediante uma adaptação apropriada da norma «ad quem», desempenha neste sector jurídico exactamente a mesma função que a dita norma «ad quem» desempenha no seu ― o problema a resolver tem a mesma natureza neste ou naquele ponto do sistema.

A propósito da remissão «ad aliud ius» valem as mesma considerações feitas para a remissão intra-sistemática, só que, aqui, se trata de recorrer a normas de um sistema normativo estranho para integrar o sistema «a quo», no qual se opera uma verdadeira recepção das normas do ordenamento estranho que é objecto da referência (ou de normas paralelas a estas normas).

Tratando-se de uma remissão material (remissão feita com vista à disciplina de questões de direito material) «ad aliud ius», as norma chamadas (ou respectivas normas paralelas) ficam a fazer parte integrante do ordenamento material do sistema «a quo». Compreende-se que as normas sejam directamente abrangidas pela referência que o DIP do foro faça ao dito sistema «a quo», isto é, o sistema que as acolhe, pois dentro do âmbito de competência que lhe caiba, este sistema pode decidir as questões de direito material como bem entenda, seja regulando-as directamente, seja indirectamente mediante a remissão para um ordenamento estranho.


Será a regra de conflitos uma verdadeira norma indirecta? Resolve a norma de conflitos o seu problema, ou manda resolvê-lo através de outra norma?

Sendo o direito de conflitos autónomo face ao direito material, ele há-de ter a sua questão ou problema específico.

Por outro lado, na remissão material da norma indirecta, o problema que resolve a norma «ad quem» é da mesma natureza que o problema que pretende resolver a norma de remissão.

Não podemos concordar com a questão posta, pois entendemos que a regra de conflitos resolve directamente o seu problema, responde directamente à questão que ele lhe põe e não o manda resolver por normas materiais, que decidem questões de outra natureza.

Será uma verdadeira norma indirecta a regra de conflitos que remete para outra regra de conflitos (cfr. o artigo 55º, n.º 1 do Cód. Civ.).

Na doutrina, por vezes, encontram-se confusões relativamente a este ponto, confusões estas que nos arrastam para fora do plano e da perspectiva próprios do direito de conflitos. O erro desta doutrina está em pretender referir-se a regra de conflitos a factos da vida, entendendo-a como norma que remete para outra norma de regulamentação desses factos.

Esquece-se que a remissão pressupõe que a norma de remissão e a norma «ad quem» se situam no mesmo plano normativo e desfoca-se e deforma-se a visão dogmático-metodológica de todo o direito de conflitos.

A regra de conflitos deve conceber-se como norma num certo sentido exterior ao direito enquanto ordenamento material, norma que se situa em plano superior, autónomo, relativamente a este ordenamento.

Por outro lado, as normas materiais estrangeiras «chamadas» pelo DIP do foro não vêm situar-se no interior do respectivo ordenamento material, mas ao lado dele, como normas que têm um âmbito de competência diferente do das desse ordenamento e que regulam factos que, caindo fora da competência dele, ele não teria competência para regular nem mesmo por remissão (remissão material «ad aliud ius») para normas estrangeiras.

Assim sendo, rejeitamos a ideia de AGO, segundo a qual, a finalidade da regra de conflitos se traduz em inserir direito estrangeiro no direito interno, ao jeito de norma material que opera uma remissão receptícia a um determinado direito estrangeiro.

3.1.1.3.1) Relevância indirecta do direito estrangeiro:

Temos de considerar a referência contida na hipótese de uma norma ao resultado da aplicação de outras normas.

- Remissão ou referência pressuponente ou de pressuposição: verifica-se no caso de uma norma (norma remetente ou pressuponente) estabelecer como um dos pressupostos da consequência jurídica que estatui a existência de uma situação ou qualidade jurídica (v.g.: qualidade de filho, de português, etc.) que é já produto de aplicação de outra norma (norma «ad quem»).

- Normas pressuponentes: são normas directas em cujas hipóteses se inserem pressupostos normativos (designados através de conceitos técnico-jurídicos), sendo estes pressupostos (os resultados do funcionamento de outras normas) tomados como se fossem puros dados de facto a que aquelas normas ligam efeitos de direito por elas mesmas estatuídas.

A referência indirecta ou implícita da norma «ad quem» contida na norma pressuponente apenas nos fornece um meio de constatar ou verificar a efectiva existência daquele pressuposto em concreto (trata-se de solucionar uma pura «quaestio facti»).

Ora, esta referência pode ir endereçada ao «ad aliud ius», no sentido de se dirigir a situações ou qualidades criadas à sombra deste sistema. Neste caso, um elemento do enunciado legal duma norma do ordenamento «a quo» é constituído pela verificação de um certo efeito de direito no ordenamento «ad quem», pelo produto de uma valoração jurídica estrangeira, que é tomada como pressuposto de efeitos ulteriores por este mesmo ordenamento estatuídos.

A referência pressuponente refere-se apenas a uma «quaestio facti» (para efeitos de concreta aplicação da norma pressuponente). As outras formas de referência são utilizadas com vista a responder à «quaestio iuris» (a dar solução a um problema de regulamentação jurídica).

Pode dizer-se que a remissão do direito de conflitos e a remissão material «ad aliud ius» implicam o reconhecimento, no sistema «a quo», da validade das próprias normas do ordenamento «ad quem» (ou de normas paralelas a essas) que são objecto da referência e implicam o directo reconhecimento dos efeitos jurídicos ligados por essas normas aos factos a que se referem.

Ora, na referência de pressuposição, a remissão não coenvolve o reconhecimento de validade à norma «ad quem», nem o reconhecimento dos efeitos atribuídos por esta norma aos factos que regula.

A norma remetente limita-se a ligar, à situação jurídica criada pela norma «ad quem», efeitos que ele próprio, norma remetente, dita (efeitos ulteriores) sem que isto signifique sequer o reconhecimento daquela situação jurídica com o seu conteúdo próprio com os efeitos que lhe atribui a norma «ad quem»).

Trata-se de resolver um diferente conflito de interesses, de responder a uma questão jurídica totalmente diversa, de ligar a situação jurídica em causa (em combinação com um outro facto central que integre a hipótese da norma remetente) outros efeitos que o próprio sistema «ad quem», que a criou, pode não lhe reconhecer.

Sobre o autor
José Eduardo Dias Ribeiro da Rocha Frota

licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, José Eduardo Dias Ribeiro Rocha. Direito Internacional Privado.: Parte Geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 921, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7714. Acesso em: 5 nov. 2024.

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