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Direito Internacional Privado.

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Casos de cúmulo jurídico.

CURRIE aplica a lei do foro porque não vai optar por nenhuma soberania estrangeira; num segundo momento, admite a criação e aplicação da regra de conflitos «ad hoc».

QUADRI aplica o princípio da efectividade (princípio de DIP.) que é muito mais universalista.

Por quê é que é um unilateralista selvagem? Porque não atende à coordenação das ordens jurídicas e à harmonia jurídica internacional (nacionalista).

QUADRI pretende isto e este é o fundamento da sua doutrina e o instrumento para a atingir é o princípio da cooperação e da boa-fé entre as ordens jurídicas. Isto leva-nos a concluir que QUADRI é um universalista.

Porém, ambas violam o princípio da paridade de tratamento.

FRANCESCAKIS, por sua vez, só é unilateralista nas situações a reconhecer que não têm qualquer contacto com a lei do foro. Em todo o resto é bilateralista.

3.1.4) O problema da qualificação:

É por meio de conceitos técnico-jurídicos que as regras de conflitos definem e delimitam o respectivo campo de aplicação. Tais conceitos têm a característica peculiar de serem aptos a incorporar uma multiplicidade de conteúdos jurídicos; são, pois, conceitos-quadro.

Da natureza destes conceitos nascem delicados problemas. São eles que, no seu conjunto, constituem a famosíssima «quaestio» da qualificação em DIP.

Os problemas que se levantam são dois:

a)o primeiro é o da interpretação dos conceitos-quadro ― o do critério geral a utilizar nessa tarefa imperativa.

Tal questão não se colocaria se de meros conceitos descritivos ou de facto se tratasse, pois, então, tudo se resumiria em descrever as situações factuais contidas na prescrição normativa e, depois, face ao caso concreto, em subsumí-lo a categoria apropriada do direito de conflitos. Só que esta realidade é diferente: serão, concerteza, muito contados os casos em que o legislador de conflitos enveredará por tal caminho ao elaborar as suas normas.

É, pois, de conceitos constituídos pela técnica jurídica que a norma de DIP se utiliza para demarcar o objecto da conexão e, sendo assim, logo se põe a questão de saber como interpretar tais conceitos.

O problema em análise tem sido resolvido de maneiras diferentes:

1.segundo a perspectiva tradicional (teoria da qualificação da «lex fori»), a determinação do conteúdo dos aludidos conceitos obtêm-se recorrendo ao direito material do ordenamento jurídico local. Os conteúdos subsumíveis ao conceito quadro de dada norma de conflitos seriam precisamente os que correspondem a esse mesmo conceito enquanto conceito próprio do sistema de regras materiais da lei do foro, ou seja, na execução da aludida tarefa interpretativa deveria proceder-se em termos de uma referência automática aos conceitos homólogos do sistema de preceitos materiais da «lex fori». Este ponto de vista, contudo, não pode admitir-se.

2.Outra doutrina (defendida, sobretudo, por RABEL) é a que sustenta a necessidade de construir e interpretar a norma de conflitos em função dos vários sistemas jurídicos cuja aplicação ela é susceptível de desencadear. Na interpretação das regras de conflitos, o recurso ao direito comparado é, pois, imprescindível. Só pelo método da comparação jurídica se torna possível aplicar o conteúdo dos conceitos utilizados pelas normas de DIP.

3.A importância de que se reveste o direito comparado no âmbito do direito de conflitos é inegável. Na categoria normativa própria de cada regra de conflitos hão-de poder incluir-se os múltiplos preceitos e numerosos institutos estrangeiros que, no ordenamento jurídico a que pertencem, se proponham realizar a função social que o legislador do foro teve em vista ao aludir a tal categoria, ou em função substancialmente análoga.

O recurso ao direito comparado, no momento da aplicação das normas de conflitos e da subsunção aos respectivos conceitos quadro dos conteúdos jurídicos que se oferecem, constitui, portanto, tarefa indeclinável. Porém, duvidamos que seja necessário propugnar a via comparatista no que toca ao momento da definição «in abstracto» dos referidos conceitos. Todo o conceito-quadro deverá ser tomado nos mais latos termos, em ordem a poder abranger uma série indeterminada de preceitos e de institutos jurídico-materiais.

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Agora chegamos ao ponto essencial da questão que é a descoberta da razão ou fundamento da norma de conflitos.

A interpretação de toda a regra de conflitos só pode ser uma interpretação teleológica segundo a «lex formalis fori».

Se o DIP tem a sua intencionalidade e a sua «justiça» própria, então por aqui se deixa ver que a interpretação dos seus preceitos e dos respectivos conceitos-quadro tem de ser conduzida com certa autonomia. Pertencendo a norma de conflitos à «lex fori», a esta lei não podemos nós entender aqui a «lex materialis», senão a «lex formalis», o DIP dessa lei. Um mesmo conceito pode assumir conteúdos diversos consoante o contexto normativo em que figura. Uma teoria da qualificação que propugne aquela ideia de referência automática logo a um primeiro exame se revela gravemente desajustada ao espírito do DIP.

Conclusão primordial: um conceito-quadro abrange todos os institutos ou conteúdos jurídicos, quer de direito nacional ou estrangeiro, aos quais convenha, segundo a «ratio legis», o tipo de conexão adoptado pela regra de conflitos que utiliza o mesmo conceito. Esta conclusão reveste-se de fundamental importância para a resolução do problema da delimitação do âmbito das normas de conflitos, umas em face das outras.

O problema da qualificação assume a sua verdadeira importância no momento da aplicação da norma: naquele em que se trata de averiguar se dado instituto ou preceito do ordenamento jurídico designado por uma regra de conflitos da «lex fori» pode subsumir-se à categoria normativa visada pela regra de conflitos. A qualificação cabe à «lex fori».

Quanto ao material normativo a ordenar, esse pertence ao sistema jurídico em que se enquadra.

Nenhuma norma... nenhuma instituição jurídica... poderá ser correctamente entendida se não a situarmos no seu contexto próprio, se a isolarmos do todo orgânico a que pertence. Nesta ideia inspira-se o preceito do artigo 15º do Cód. Civ.

Síntese: se à «lex fori» compete decidir se os preceitos considerados correspondem, na verdade, atentas às suas características primordiais, ao tipo visado na regra de conflitos; é no quadro da «lex causae» que vão pesquisar-se essas características.

3.1.4.1) O problema do objecto da qualificação ou da qualificação propriamente dita:

Vendo o assunto de outra perspectiva, diremos que o problema central da qualificação reside na definição do seu objecto; o «quid» a subsumir ao conceito-quadro. Por seu turno, o problema do objecto da qualificação não é senão o do objecto da própria norma de conflitos.

A regra de conflitos destina-se a coordenar os diversos sistemas jurídicos conexos com a situação da vida a regular em ordem a evitar que leis diferentes sejam chamadas a decidir a mesma questão de direito. A norma de conflitos do DIP tem como objectivo prevenir ou eliminar conflitos entre preceitos materiais oriundos de ordenamentos jurídicos distintos. Ela individualiza um instituto ou matéria jurídica, recorta uma questão ou núcleo de questões de direito, e a religa à lei designada por certo elemento de conexão.

Sendo essa a função do conceito-quadro, logo se conclui que é a outros preceitos jurídicos que a norma se refere em última análise. São eles que darão resposta ao tipo de questões jurídicas visadas pela regra de conflitos em causa.

Da lei designada pela norma de conflitos só podem considerar-se aplicáveis os preceitos correspondentes à categoria definida e delimitada pelo respectivo conceito-quadro, ou seja: uma lei nunca é convocada na sua totalidade... na totalidade das suas regras materiais, mas a regra de conflitos da «lex fori» recorta, no sistema a que se refere, um sector determinado e localiza nele a competência atribuída a esse mesmo sistema. A regra de conflitos incumbe, à determinada lei, a execução de determinada tarefa normativa, isto é, confia-lhe a resolução de questões de direito de certo tipo.

O problema central da qualificação consiste em averiguar quais sejam, de entre os preceitos materiais do ordenamento jurídico designado por certa regra de conflitos, os correspondentes à categoria definida pelo conceito-quadro dessa norma.

Nesta averiguação é que reside a qualificação «proprio sensu»: a qualificação como problema de subsunção de um caso concreto a um conceito ou a uma categoria abstracta da lei.

Temos de atender ao conteúdo e à função dos preceitos em causa, situando-os, para tanto, na moldura do respectivo ordenamento jurídico.

Em suma, a qualificação visa determinar que normas jurídicas materiais do ordenamento jurídico competente se subsumem ao conceito-quadro. Temos de interpretá-las de acordo com a função e fundamento que têm no ordenamento jurídico em que se inscrevem. O chamamento é funcional e circunscrito, pois só as normas que se integram no conceito-quadro é que vão ser chamadas.

Em suma: a qualificação trata do problema da aplicação das regras de conflitos. Como é que vamos fazer funcionar a regra de conflitos?

Esta é uma questão que, em DIP., assume contornos específicos:

1.O conceito-quadro da regra de conflitos não descreve situações de facto, mas sim, questões jurídicas ― é um conceito técnico-jurídico (que difere do conceito de normas materiais);

2.O que é que a ela se vai subsumir? Normas jurídicas materiais do ordenamento jurídico considerado competente.

Concluindo: se à «lex fori» compete decidir se os preceitos considerados correspondem efectivamente, atentas à suas características principais, ao tipo visado na regra de conflitos; é no quadro da «lex causae» que vão colher-se essas características. E assim se logra superar a tradicional antinomia entre qualificação «lege fori» e qualificação «lege causae».

3.1.4.2) Doutrina seguida em Portugal:

O ponto de partida reside na ideia de que a qualificação em DIP tem por objecto preceitos jurídico-materiais. A ela acresce a ideia de WENGLER de que só a qualificação das regras jurídicas nos levará a ter em conta o facto de que existem, em cada legislação civil, nexos teleológicos entre as diversas normas estabelecidas por um legislador. E estas são as razões básicas em que o nosso legislador se inspirou.

A qualificação tem por objecto preceitos jurídico-materiais. O problema da qualificação «proprio sensu» consiste em averiguar se tal norma ou complexo de normas de uma hipotética «lex causae», atentas as características que reveste nessa lei, entra na categoria de conexão de uma regra de conflitos da «lex fori»: é precisamente da regra de conflitos que derivará, em caso de resposta afirmativa à questão formulada, a aplicabilidade daquele sistema.

O artigo 15º do Cód. Civ. diz que perante um sistema de direito e uma norma desse sistema vai começar-se por considerar aquele sistema como hipoteticamente aplicável ao caso vertente. O passo seguinte consiste em apreciar se a norma, considerados o seu conteúdo e escopo, corresponde realmente à categoria de conexão de uma determinada regra de conflitos da «lex fori» (de que se partiu para julgar hipoteticamente aplicável o sistema de direito em questão). Se sim, declara-se tal disposição aplicável à situação jurídica concreta, se não, terá de se concluir pela inaplicabilidade do respectivo sistema de direito.

O nosso legislador afastou-se da teoria que preconiza o recurso ao ponto de vista do direito material da «lex fori» para resolver o problema da qualificação. Repudia o processo clássico, segundo o qual, para chegar-se à determinação da regra de conflitos aplicável, há que começar por submeter a situação jurídica concreta às disposições do direito interno do foro a que caberia solucionar a questão «sub judice».

3.1.4.2.1) Críticas a tal procedimento:

a)Não se julgou necessário, pois toda a situação da vida internacional contém, em si mesma, os seus pontos de contacto, as suas conexões, e traça, por si mesma, o círculo de leis interessadas. E isso basta para tornar desnecessária a famosa qualificação primária ou de 1º (primeiro) grau (AGO, ROBETSON).

b)Por outro lado, o nosso método é o único conforme ao princípio da igualdade. Este princípio postula que as condições que decidem da aplicabilidade «in casu» da lei estrangeira sejam as mesmas que determinariam a aplicação da «lex fori»: é mister que uma legislação estrangeira seja declarada aplicável à situação concreta desde que possa dizer-se que, em circunstâncias análogas de facto e de direito, a «lex fori» se julgaria competente. Ora, a aplicação desta lei não depende senão da existência de uma relação de correspondência entre as normas por mediação das quais ela se propõe resolver a questão litigiosa e o «tipo normativo» da regra de conflitos que a designa.

Este é o único caminho que permitirá alcançar a harmonia jurídica entre as legislações consideradas.

3.1.4.3) As fraquezas do art. 15º do CC. do ponto de vista da doutrina dominante ― refutação:

O método anteriormente descrito foi o que o legislador português optou. A seu favor podem aduzir-se os seguintes argumentos: a denominada qualificação primária ou de 1º (primeiro) grau é uma «démarche» inútil, contrária a esse espírito de rasgada abertura que deve continuar a ser a pedra de toque de todo o sistema de DIP.

3.1.4.4) A doutrina dominante ou teoria da dupla qualificação (ROBERTSON):

Para este autor, no processo de qualificação temos que distinguir 2 (duas) operações:

Primeira: incide sobre a situação de facto que dá origem à questão ou controvérsia jurídica. O problema que aí se levanta é o da subsunção da factualidade «sub judice» a uma categoria abstracta da lei, em regra, à determinação do ordenamento jurídico competente. Em regra, é da própria «lex fori» que depende a solução deste problema.

Segunda: é uma qualificação de normas. A qualificação primária tornou possível a individualização da lei ou das leis aplicáveis aos diversos aspectos da situação litigiosa. Trata-se agora de averiguar se uma norma particular ou complexo de normas de um sistema ou de um dos sistemas designados como competentes pertence ou não à ordem de questões que a regra de conflitos do foro deferiu a esse mesmo sistema. Esta definição compete ao próprio sistema jurídico de que faz parte o preceito ou grupo de preceitos em causa.

Esta teoria não difere assim tanto da nossa no que diz respeito à qualificação secundária. O grande ponto de divergência é a questão da qualificação primária.

ROBERTSON observa que o nosso problema surge, por vezes, como incidente no processo de actuação da norma de conflitos já determinada como aplicável em momento anterior; em tal hipótese, a única questão susceptível de pôr-se é uma questão de qualificação secundária. Simplesmente, o conhecimento de qual seja a regra de conflitos aplicável ao caso supõe que se tenha previamente «qualificado» a situação factual que se apresenta ao juiz, isto é, que se tenha previamente operado a sua subsunção a uma das categorias do direito conflitual do foro. É nesta operação que consiste a qualificação primária. Qualificados os actos, está definida a norma de conflitos aplicável e fixada em definitivo a competência da lei. A qualificação primária seria, assim, um passo obrigatório e decisivo para a determinação de regra de conflitos apropriada ao caso e da legislação competente.

O certo, contudo, é que este entendimento das coisas está longe de ser forçoso.

3.1.4.5) ROBERTO AGO, ANZILOTTI, FEDOZZI:

Para ROBERTO AGO há também que desdobrar a questão da qualificação em dois problemas:

Primeiro: é um problema a resolver no âmbito da «lex fori»; consiste em averiguar quais as relações da vida que a regra de conflitos pretende designar através de uma determinada qualificação jurídica. A resposta é que essas relações são precisamente aquelas que, se não fosse a circunstância de se apresentarem como estranhas à vida jurídica local, encontrariam a sua disciplina nas normas substanciais do ordenamento jurídico do foro que atribuem a referida qualificação às hipóteses que contemplam.

Segundo: resolvido este ponto, está determinada a regra de conflitos aplicável ao caso e encontrada a lei competente. Resta averiguar que regulamentação deriva dessa lei para a relação concreta. Para tanto, há que qualificar novamente esta relação; e, como o problema que se levanta agora é relativo à interpretação e aplicação de normas do sistema jurídico estrangeiro indicado como aplicável pelo DIP do foro, nenhuma dúvida há de que é à luz deste sistema que cumpre resolvê-lo.

Assim, podemos concluir que tanto ROBERTSON como AGO seguem a doutrina tradicional da qualificação, segundo a qual nela se distinguem dois momentos:

1.qualificação primária ou de competência; e

2.qualificação secundária ou material.

Sobre o autor
José Eduardo Dias Ribeiro da Rocha Frota

licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, José Eduardo Dias Ribeiro Rocha. Direito Internacional Privado.: Parte Geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 921, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7714. Acesso em: 24 dez. 2024.

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