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Quem é o anencéfalo?

É preciso conhecer aquele que está no banco dos réus do Supremo Tribunal Federal

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Agenda 21/12/2005 às 00:00

5. O aborto ajudaria a gestante?

            Constitui simplismo dizer que a antecipação da morte do bebê anencéfalo, por si só, traria um alívio para a mãe. Lamentavelmente, o que costuma ocorrer é que, após um exame médico, a mãe se vê literalmente coagida a abortar. Dizem-lhe que ela não tem um filho, mas um monstro; que a criatura que ela carrega é repugnante; que não faz sentido esperar o nascimento, pois a morte é iminente; que a indicação "médica" para o caso é a "interrupção da gestação".

            Com essa enxurrada de frases chocantes, o entendimento e a liberdade da gestante ficam seriamente comprometidos. Muito melhor seria se a equipe de saúde fosse treinada para demonstrar àquela mãe o quanto sua criança, por ser gravemente doente, precisa ser amada, e o quanto cada instante é precioso na transmissão do amor, uma vez que a expectativa de vida é pequena.

            Sobre isso, assim fala o já citado Prof. Eugene F. Diamond:

            O reconhecimento da anencefalia "in utero" ou na enfermaria após o nascimento é inquestionavelmente traumático para os pais. Embora o período de tempo entre o reconhecimento e a morte da criança seja geralmente breve quando a diagnose é feita pós-parto, a necessidade de apoio e aconselhamento é muito mais prolongada. Embora as estratégias convencionais envolvam manter o bebê anencéfalo separado dos pais, há uma séria questão quanto aos benefícios derivados de uma estratégia de negação. A experiência com fornecimento de apoio aos pais das crianças com defeitos graves tende geralmente a indicar que há efeitos salutares de os pais afirmarem seu parentesco com a criança dando um nome ao bebê e abraçando-o antes da morte. O processo de luto quando assumido, ao invés de suprimido, pode ser uma parte integral da aceitação e cura definitivas [24]

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[grifo nosso].

6. Conclusão

            Pelos argumentos expostos acima, ficou demonstrado que o anencéfalo é vivo e humano. A provocação de sua morte não pode, portanto, em hipótese alguma, ser atípica. Se feita antes do nascimento, configura crime de aborto. Se feita após o nascimento (ainda que com a chancela do CFM), configura crime de homicídio.

            Resta um último argumento para os defensores da ADPF 54: embora o anencéfalo seja vivo e humano, sua expectativa de sobrevida é pequena. Assim sendo, esse ente vivo e humano não merece receber o cuidado que recebem as outras crianças. Seu custo não compensa o benefício. Sua baixa qualidade de vida torna-o descartável.

            Em outras palavras: os incômodos da gravidez e as dores do parto só se justificam se o bebê trouxer alguma vantagem para a gestante. A criança, por si só, não é uma pessoa a ser querida e amada. Sua vida não vale por si mesma. Vale se tiver grande duração, vale se tiver saúde, vale se tiver qualidade, vale se tiver utilidade, mas por si mesma ela nada vale.

            Estamos diante de um típico argumento eugenista. Por uma questão de precisão vocabular, a CNTS, autora da ADPF 54 deveria então trocar a recém criada sigla ATP ("antecipação terapêutica de parto") pela expressão correta: aborto eugênico.


Notas

            01

Comitato nazionale per la bioetica. Il neonato anencefalico e la donazione di organi. 21 giugno 1996. p. 9. O Comitê Nacional de Bioética do governo italiano é composto por estudiosos das mais diversas áreas, em coerência com a natureza intrinsecamente pluridisciplinar da Bioética: médicos, juristas, psicólogos, sociólogos, filósofos. A declaração italiana está disponível em http://www.providaanapolis.org.br/cnbital.pdf. A versão portuguesa está disponível em http://www.providaanapolis.org.br/cnbport.htm

            0

2 Idem.

            03

COIMBRA, Celso Galli. Anencefalia, Morte Encefálica e o Conselho Federal de Medicina. Disponível em . Acesso em 22 set. 05.

            04

Comitato nazionale per la bioetica. Il neonato anencefalico e la donazione di organi. 21 giugno 1996. p. 11.

            05

TAHAN, Lilian. Ela desafiou a ciência. Correio Braziliense, Brasília, p. 29, 14 fev. 2003. Grifo nosso.

            06

Ibidem. Grifo nosso.

            07

MORRE CRIANÇA COM ACRANIA. Correio Braziliense, Brasília. p. 3, 15 set. 2003.

            08

Esse argumento é usado por Josef Seifert em seu artigo Brain Death is Not Actual Death: Philosophical Arguments. 3rd International Symposium on Coma and Death. Havana, February 22-25, 2000.

            09

Resolução 1.752/2004, publicada na seção 1 - página 140 do Diário Oficial da União do dia 13/09/2004.

            10

Parecer sobre o Processo-Consulta 24/2003, a pedido do Ministério Público do Paraná.

            11

Co-autor do livro Aborto: o direito do nascituro à vida, Rio de Janeiro: Agir, 1982, laureado pela Academia Nacional de Medicina.

            12

Confira-se o art. 3°, caput, seus parágrafos 1° e 3° e o art. 13 da Lei de Transplantes.

            13

Professor Associado e Chefe da Disciplina Neurologia Infantil do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe do Serviço de Neurologia Infantil da Divisão Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

            14

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico Assistente do Serviço de Neurologia Infantil da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

            15

Má-formação.

            16

Excesso de água na bolsa amniótica, fato que ocorre também em gravidezes em que a criança é normal.

            17

Houve em Fortaleza (CE) um caso recente de uma menina anencéfala, Maria Teresa, filha de Ana Cecília Araújo Nunes, que nasceu em 17 de dezembro de 2000 e faleceu apenas no dia 29 de março de 2001, portanto, com mais de três meses!

            18

Recém-nascidos.

            19

DIAMENT, Aron; CYPEL, Saul. Neurologia Infantil. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 1996. p. 745. Os grifos não estão no original.

            20

DIAMOND, Eugene F. Management of a Pregnancy With an Anencephalic Baby. Professor of Pediatrics Loyola University Stritch School of Medicine http://www.asfhelp.com/asf/management_of_a_pregnancy. O estudo a que se refere o autor é o feito por Shewmon, D.A., Anencephaly, Selected Medical Aspects, Hastings Center Report 18:11, 1988.

            21

Comitato nazionale per la bioetica. Il neonato anencefalico e la donazione di organi. 21 giugno 1996. p. 15.

            22

NUNES, Rodolfo Acatauassú. Anencefalia: o médico não pode cometer o erro de considerar morto quem está vivo. Palestra proferida em 01 jul. 2005 durante o II Seminário de Bioética do Regional Sul (Vargem Grande Paulista - SP), tendo como tema "A ciência defendendo a vida".

            23

Comitato nazionale per la bioetica. Il neonato anencefalico e la donazione di organi. 21 giugno 1996. p. 26.

            24

DIAMOND, Eugene F. Ibidem.
Sobre o autor
Luiz Carlos Lodi da Cruz

Sacerdote. Presidente do Pró-Vida de Anápolis. Advogado. Estudante de Licenciatura em Bioética no Pontifício Ateneu Regina Apostolorum - Roma

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Luiz Carlos Lodi. Quem é o anencéfalo?: É preciso conhecer aquele que está no banco dos réus do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 901, 21 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7747. Acesso em: 22 nov. 2024.

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