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O aborto e a microcefalia

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Agenda 04/11/2019 às 11:11

AS CRIANÇAS COM MICROCEFALIA NA ATUALIDADE

O número alto de crianças portadoras de microcefalia foi surpreendente para todos, inclusive para o governo dos estados brasileiros, os quais não estavam preparados para o grande surto de doença que, até então, atingia um número ínfimo de pessoas. 

DADOS DE PESQUISA

Segundo pesquisas realizadas em meados de 2017, apenas uma em cada sete crianças com microcefalia receberam o atendimento completo no Brasil em 2017.  Segundo a repórter Monique Oliveira, esses dados foram obtidos no último boletim do Ministério da Saúde, o qual tem a função especial de acompanhar essas crianças (Cf. OLIVEIRA, 2018, online). 

Segundo a mesma reportagem, o número de crianças que foram atendidas de forma satisfatória vem diminuindo com o decorrer dos anos, pois em pesquisas anteriores, mais da metade delas recebiam o tratamento adequado (Cf. OLIVEIRA, 2018, online).

Como pode-se perceber a quantidade de crianças que recebem o tratamento adequado é pequena quando comparada ao número total das portadoras da deficiência, contudo, é justo culpar o governo por não fornecer meios para melhorar a qualidade de vida dos microcefálicos?

ATITUDES DAS AUTORIDADES PÚBLICAS

Em entrevista realizada com Teresa Bacelar, médica recentemente aposentada do Hospital Oswaldo Cruz no Recife, foi informado como se encontram as crianças com microcefalia que são tratadas pelo referido hospital, sendo este um dos hospitais público de referência no estado de Pernambuco. 

Primeiramente, a médica afirmou que existe negligência por parte do governo do estado na realização do tratamento das crianças com deficiência, contudo, ela afirmou que não “culpa o estado de Pernambuco completamente”, pois afirma que não era esperada a explosão do número de casos de microcefalia, pois a incidência do número de casos era muito baixa, até o surto do vírus da Zika fazer os números aumentarem. Dessa forma, não havia meios de se preparar devidamente, tanto para a área da saúde, como o lado financeiro. 

Tereza Bacelar afirmou, como foi mencionado em capítulo anterior, que, realmente, o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) fornece o auxilio para os pais das crianças portadoras da deficiência, contudo, por experiência própria, ela afirma não ser o valor suficiente para suprir os custos. A quantia de um salário mínimo não cobre todas as despesas mensais, por exemplo, as mães necessitam trazer as crianças com frequência para o hospital, além de serem estabelecidos alimentos específicos e remédios caros.  

 TRATAMENTO DOS MICROCEFÁLICOS 

As crianças com microcefalia necessitam de diversos cuidados especiais, como fonoaudiólogos, neurologistas, fisioterapeutas, entre outros, tudo isso para que possam receber os estímulos necessários, com a finalidade de que cresçam e se desenvolvam da melhor forma possível. 

Entretanto, como afirmou Teresa Bacelar, a especialidade de pediatria que elas mais necessitam é neurológica, contudo, estes se encontram em um número bastante reduzido em todo o estado e os poucos neuropediatras que existem trabalham apenas na capital. 

No Hospital Oswaldo Cruz, é fato que os microcefálicos recebem o tratamento de forma insuficiente, não apenas em relação aos neuropediatras, mas também em relação aos fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, por essa razão, um grande número de crianças não estão tendo o resultado esperado no tratamento. 

Existe uma quantidade razoável de famílias com crianças portadoras de microcefalia no interior do estado, fato que faz complicar o tratamento adequado. Por apenas existirem médicos especialistas capazes de cuidar dessas crianças em Recife, isto faz com que, o número de pacientes seja ainda maior, causando uma sobrecarga no atendimento e com a grande demanda, o tempo de espera para que seja agendada qualquer consulta se torna demasiado grande. 

As famílias que moram afastadas da capital sofrem bastante para proporcionar o tratamento adequado para as crianças. O primeiro fator é o crescimento, pois no princípio eram recém-nascidos, logo podiam ser carregados pelos pais de forma simples, entretanto, atualmente, como disse Teresa Bacelar, pesam em torno de 15kg, fato que dificulta o transporte, pois a grande maioria dos pais não possuem carro próprio, restando o precário transporte público. 

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No Hospital Oswaldo Cruz existem cerca de 150 crianças microcefálicas cadastradas em acompanhamento, dentre elas, quase em sua totalidade, são de famílias de baixa renda, inclusive é alto o número de mães que precisam deixar seus trabalhos para que possam dedicar seu tempo de forma integral a seus filhos deficientes. Esse fato faz com que a renda da família se torne ainda mais reduzida, pois, mesmo com o benefício fornecido pelo governo, não é suficiente para proporcionar as condições ideais para que as crianças sejam tratadas de forma correta.  

COMO SE ENCONTRAM AS CRIANÇAS NOS DIAS DE HOJE 

Após conversa com Teresa Bacelar, foi informado o estado em que as crianças microcefálicas se encontram. Pela gravidade da deficiência, precisam receber tratamentos contínuos ao longo dos anos e, geralmente, os pacientes respondem de forma lenta e gradual. Segundo o médico neurologista Carlos Takeuchi, as consequências do nascimento com microcefalia apenas poderão ser observadas com mais clareza quando as crianças estiverem maiores (Cf. TAKEUCHI, 2018, online).

De forma geral, Carlos Takeuchi diz que os problemas causados em decorrência da microcefalia variam de acordo com a severidade da deficiência, em situações graves, podem ocorrer epilepsia, nanismo e problemas de audição e visão, (Cf. TAKEUCHI, 2018, online), além de problemas cognitivos e motores.

Atualmente, as crianças, em Pernambuco, se encontram com cerca de três anos de idade, contudo, não possuem o desenvolvimento ideal para a idade. Das que são acompanhadas no Hospital Oswaldo Cruz, nenhuma é capaz de andar, sendo essa uma das razões que dificultam o tratamento, pois os pais passaram a ter dificuldade de deslocamento das crianças.

A médica informou que o número de fisioterapeutas destinado a tratar das crianças com microcefalia não são suficientes para que elas realizem as sessões com a frequência adequada. Nesse sentido, elas não recebem todos os estímulos necessários para que cresçam e sejam capazes de ter a capacidade motora suficientemente adequada para andar. Em muitas vezes, são colocadas talas nas pernas das crianças na tentativa de facilitar o movimento das pernas.  

Parte das crianças acompanhadas pelo hospital, também, desenvolveram obesidade infantil, pois, por não conseguirem se alimentar naturalmente, necessitam de sondas para que haja a entrada de alimento. Todavia, por não conseguirem se locomover sozinhas, passam a maior parte do seu tempo nas suas respectivas camas, não realizando exercícios físicos necessários. 

Além da obesidade, outra doença que as crianças passaram a ter predisposições é a pneumonia e outras moléstias infecciosas, fato esse que, torna ainda mais difícil a realização do tratamento da deficiência. 

Devido a falta de espaço no crânio das crianças, ocorre, na grande maioria das vezes, a atrofia do nervo ótico, causando problemas de visão, por esse motivo, muitas delas precisam usar óculos, fato que afeta o desenvolvimento, pois se elas não conseguem enxergar, tem os estímulos diários reduzidos. Contudo, boa parte dos problemas de visão são resolvidos com o uso de óculos de grau, assim elas passam a interagir melhor com as pessoas que as cercam. 

Alguns pacientes portadores de microcefalia possuem dificuldade de desenvolvimento nos aspectos cognitivos e motores, ou seja, possuem dificuldade de realizar movimentos básicos para o dia a dia considerado normal, como por exemplo, de movimentar os membros. Os estímulos desde o nascimento são essenciais para que as atividades motoras possam impulsionar o cérebro a ter uma melhor coordenação motora, conforme afirma matéria jornalística no Jornal do Comércio (Cf. LEITE, 2018, p. 8).

O FUTURO  

Segundo ainda a médica Teresa Bacelar, o futuro das crianças portadoras de microcefalia é incerto, pois elas estão ainda em desenvolvimento, conforme já afirmado, estão com as idades cerca em de três anos e, por não haver registros de casos anteriores provocados pelo vírus da Zika, é impossível se ter certeza de algo. De acordo com Takeuchi, o futuro é realmente imprevisível, mas acaba sendo prejudicada a qualidade de vida dessas crianças (Cf. TAKEUCHI, 2018, online).

Contudo, o que pode ser afirmado pela médica é que, a grande maioria dos casos acompanhados no Hospital Oswaldo Cruz, são de crianças com um alto grau de comprometimento do sistema nervoso, em razão disso, os médicos se encontram pessimistas em relação â qualidade de vida que essas crianças irão possuir quando mais velhas, além de não estimarem a expectativa de vida delas. 

No entanto, mesmo com todas as adversidades encontradas, algumas das crianças conseguem se superar e é possível se encontrar melhoras em um pequeno grupo. As que conseguiram adquirir os estímulos suficientes, passaram a interagir mais com os parentes, fato que é considerado promissor para o grau de deficiência que algumas possuem. 

A reportagem no Jornal do Comércio, em março de 2018, trouxe exemplo de uma criança portadora de microcefalia, de dois anos e seis meses, que está, aos poucos, superando toda a dificuldade que a deficiência traz. Contudo, vale salientar a criança citada na reportagem é estimulada desde o primeiro mês de vida e enche seus pais de orgulho, pois, diferente da maioria das crianças portadoras da deficiência, consegue se equilibrar em pé e apresenta grandes melhoras na concentração.   

Contudo, o fator determinante para que a criança citada na matéria jornalística conseguisse evoluir de forma significativa, foi a dedicação dos pais em proporcionar os melhores tratamentos possíveis para seu filho, fato que é raro acontecer para aqueles que são tratados em hospitais públicos.   

O QUE PODE SER MELHORADO  

Diversos aspectos precisam ser melhorados para que as crianças com microcefalia possam ter o tratamento adequado e se desenvolvam da melhor forma possível, para que, recebendo os estímulos necessários, passem a superar a tão gravosa deficiência. 

Dentre os principais pontos que precisam de aperfeiçoamento, para Teresa Bacelar, é a melhoria da rede de assistência multiprofissional nas cidades onde as crianças vivem, não apenas no Recife, a fim de possibilitar o atendimento adequado e evitar o sofrimento do deslocamento para a capital, principalmente devido à dificuldade de locomoção e à idade já avançada das crianças.  

É necessário, também, maior investimento do Estado nos tratamentos que essas crianças necessitam para crescer da melhor forma possível, visto que, é comprovado o fato de que, quando estimuladas desde cedo e de forma adequada, elas são capazes de apresentar melhoras significativas que irão ser de grande importância para a sua autonomia no futuro. 

A QUESTÃO DO ABORTO

O aborto sempre foi tratado como uma questão criminosa, logo, sempre sendo vista como uma tipificação penal. Entretanto, pela primeira vez, foi visto de outra forma no Brasil, ao ser relacionado com o tema da microcefalia, passou a ser tratado como debate político público (Cf. CAMARGO, 2018, online).

Os juristas, como já foi dito, não consideram a microcefalia como a exceção garantida às gestantes que carregam um feto com anencefalia, pois no primeiro caso, não há incompatibilidade com a vida, conforme diz o Ministério da Saúde (Cf. BRASIL, 2018, online). Além desse fato, segundo pesquisas realizadas com o povo brasileiro, a grande maioria desaprova a realização do aborto em caso de microcefalia conforme pesquisa realizada pelo jornal Folha de São Paulo (Cf. FERRAZ, 2018, online), pelo fato, justamente de considerarem que o ser em formação se trata de uma vida, dessa forma não deve ser interrompido o seu desenvolvimento. 

As crianças microcefálicas têm a capacidade de crescerem e se tornarem pessoas independentes, tudo isso depende dos tratamentos e estímulos fornecidos pela família e pelo aparato médico, contudo, para a grande parte das crianças, elas não conseguem ter acesso a hospitais públicos de qualidade, sendo essa a razão de não conseguirem alcançar um grau de independência. 

O fato de o Estado não conseguir fornecer o aparato básico que uma criança deficiente pode necessitar ao decorrer da vida não deve ser utilizada como forma de justificativa para a permissão do aborto, pois não deixa de ser uma vida que está sendo retirada pelo simples fato de não ter se desenvolvido como a maioria das pessoas. Fato esse que provocaria uma eugenia. Os fetos, que seriam abortados já em um avançado estágio de gravidez, vai contra os princípios fundamentais não só do Brasil, mas de outros países, do respeito a vida. 

Em capítulo anterior, foi afirmado que o aborto é legal em certos países, conduto existe um prazo máximo de semanas para que o procedimento possa ser realizado. Pode-se perceber que, ao se utilizar a analogia, mesmo para os juristas a favor da realização do aborto de fetos detectados com microcefalia, não iria ser compatível essa justificativa, pois o diagnóstico é realizado próximo ao parto. 

O Estado deveria está discutindo maneiras de, finalmente, dizimar do país o mosquito transmissor do tão perigoso vírus da Zika, e não tratando de temas relacionados ao aborto das mães contaminadas por ele. Como afirma a médica Teresa Bacelar, o aborto não iria resolver o problema, mas sim seria uma forma de acobertar a negligência do Estado. 

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