A estrita observância do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade na adoção (e subsistência) das medidas cautelares, particularmente as pessoais, que são indiscutivelmente as mais graves, exige a concretização de um juízo ponderativo de vários interesses que entram em rota de colisão em cada caso concreto.
Se de um lado, no âmbito da persecutio criminis, alinham-se (em primeiro lugar e desde logo) os interesses investigativos e penais do Estado, de outro, não menos relevantes são os interesses de quem sofre as conseqüências da medida restritiva. É do balanceamento entre uns e outros que emerge a medida mais adequada, em cada situação concreta.
O princípio da proporcionalidade, em sua já tão difundida tríplice dimensão (idoneidade da medida para se alcançar o fim objetivado, necessidade de sua adoção e ponderabilidade dos interesses em conflito – sobre a extensão do princípio e o seu acolhimento pela Corte Suprema brasileira v. Agravo Reg. n. 1319-1, rel. Min. Celso de Mello, in DJU de 19.04.99, p. 31 -, não admite nem tolera a edição de atos estatais (do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário) desvestidos de razoabilidade.
Nenhum excesso do Poder Público pode deixar de ser contido, mesmo porque a restrição das liberdades fundamentais está sujeita à estrita observância do princípio da razoabilidade (também chamado princípio da proibição do excesso), que veda o exercício arbitrário de qualquer poder. Atua como obstáculo aos atos revestidos de conteúdo irrazoável.
Nossa Excelsa Corte vem proclamando, a propósito, que: "A prerrogativa jurídica da liberdade ___ que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) ___ não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada" (HC 80.379/SP, 2ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, DJ 25/05/01).
No momento da decretação da prisão preventiva, ad exemplum, para além de atender aos requisitos formais do Código de Processo Penal (arts. 312 e ss.), o que existe de mais imperioso é a impostergável imprescindibilidade de se ponderar os vários interesses em conflito para se descobrir quais, concretamente, devem preponderar.
Nenhuma medida coercitiva pessoal, precisamente porque representa a máxima intervenção do poder estatal sobre a liberdade humana, pode ser imoderada ou irresponsável ou ainda ilimitada, de tal modo a dar ensejo a distorções ou mesmo subversão dos fins que norteiam o correto desempenho das nobres funções públicas. Sempre que uma medida judicial destoa do padrão da razoabilidade, falta-lhe causa legítima e, ao mesmo tempo, exprime um inaceitável abuso, densamente pernicioso para a liberdade do ser humano.
Sobre os interesses que entram em conflito no exato instante da decretação de uma prisão preventiva devem ser considerados, em primeiro lugar (v. N. Gonzalez-Cuellar Serrano, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el proceso penal, Madrid: Colex, 1990, p. 251 e ss.), os interesses estatais.
Dentre eles destacam-se: interesse na própria proteção dos direitos fundamentais, na tutela de outros bens constitucionalmente protegidos, no correto desenvolvimento do processo, bem como no adequado funcionamento das instituições processuais e, especialmente, os interesses da persecução penal, que genericamente consiste na realização final ou cautelar do ius puniendi.
Para a específica adoção de uma medida cautelar, sobretudo pessoal, devem primordialmente ser analisados em cada caso concreto: (a) as conseqüências jurídicas esperadas, isto é, a gravidade da pena ou medida esperada, a natureza da ação penal, possíveis causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade etc.; (b) a importância da causa (bedeutsam der Sache), é dizer, a gravidade dos fatos, o interesse público no êxito do processo e o perigo de reiteração de fatos análogos; (c) o grau da imputação (de certeza sobre o resultado) e, por conseguinte, (d) o êxito previsível da medida.
O ius libertatis, de outro lado, sem sombra de dúvida, configura um dos mais sagrados direitos fundamentais. Só pode ser atingido, assim, em casos extremos, de absoluta necessidade, é dizer, quando há sério e fundamentado risco para a sociedade. A prisão preventiva, justamente porque afeta esse direito fundamental, só tem pertinência em casos absolutamente anormais, excepcionais, ressaltando-se os crimes violentos. A prisão, definitiva ou cautelar, desde logo, não é a resposta mais adequada para crimes não violentos. Sua adoção, portanto, sobretudo nesses casos, somente se justifica como medida de ultima e extrema ratio.
Cabe ao magistrado ponderar particularmente os seguintes interesses do cidadão: (a) a preservação do ius libertatis; (b) os inafastáveis prejuízos que a medida proporciona (para a saúde, para a vida familiar, profissional e social); (c) o respeito aos seus direitos fundamentais (separação prisional, processo rápido e seguro, além de justo – "fair trial" – etc.).
Devem ser sopesados, destarte, os seríssimos prejuízos que toda prisão (primordialmente a ante tempus) lhe causa: risco de aids (quase um terço da população carcerária é portadora do vírus respectivo), graves prejuízos físicos e psíquicos, risco de rompimento familiar, de estrangulamento profissional, de rejeição social. Não se pode imaginar, ademais, que no nosso país haja presídios decentes, ainda quando "especiais". E os processos são, em geral, morosos.
É da confluência da ponderação de todos os mencionados interesses que exsurge a medida mais adequada em cada situação concreta. Ao juiz compete, desse modo, não só fazer o devido sopesamento, como também e sobretudo fundamentar (justificar) a necessidade concreta da medida adotada, apontando fatos reais (não imaginários ou supostos) reveladores dessa imprescindibilidade.