5. LEGALIZAÇÃO DA ADOÇÃO INTUITU PERSONAE
5.1. Constitucionalidade da adoção intuitu personae
A adoção intuitu personae não confronta as disposições constitucionais, é compatível e harmoniosa em relação aos mecanismos de constitucionalidade, o que gera segurança jurídica para todos aqueles que serão afetados pela sua efetivação.
O que permite estabilidade para a possível promulgação de uma lei ou decreto é o fato de estes estarem diretamente em conformidade com a Constituição, assim, pode-se afirmar que a adoção dirigida está qualificada, pois sua proposta baseia-se nos fundamentos que cercam o princípio do melhor interesse da crianças e do adolescente.
Assim, pode-se alegar que apesar de muitos pontos negativos que alguns defensores do direito apontam com a legalização do método intuitu personae, existem inúmeras vertentes positivas que outros doutrinadores defendem, podendo, de certa forma, proclamar a viabilidade da constitucionalidade desta lei, que uma vez promulgada, certamente determinará uma nova visão a respeito das mudanças que realizará no âmbito jurídico em relação ao instituto da adoção previstas tanto no ECA quanto na lei de adoção.
Sua estrutura e amplitude fazem jus ao que declara a Constituição em face das diretrizes que saúdam os direitos e garantias, promovendo maior equidade e fechando lacunas que se abrem quando se questiona o futuro dos pequenos brasileiros.
5.2. Adoção intuitu personae como garantia fundamental
As garantias fundamentais estão previstas na Constituição Federal, no caput de seu artigo 5°, que prevê que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Nesse contexto, vale ressaltar, o princípio da isonomia, que esses direitos equivalem de forma igual, sem distinção e defende os direitos de todos sem exceção.
Assim, as crianças e os adolescentes também fazem jus às garantias propostas na carta magna, principalmente no que diz respeito ao que propõe o sistema constitucional de proteção à criança e ao adolescente, constituído por garantias, direitos e princípios que originam da Constituição. O art. 227. §1°e §3° e art. 229. tratam do princípio da absoluta prioridade e o art. 227. caput prevê o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, no qual fundamenta com clareza as preposições proclamadas a fim de o Estado e a família comparecerem com seus deveres para com os menores.
Diante de todo esse discurso, a adoção consentida é uma grande possibilidade para condicionar e assegurar de forma efetiva as garantias fundamentais e constitucionais da criança e do adolescente, fazendo valer o princípio do melhor interesse dos infantes, usando a adoção intuitu personae como um instrumento jurídico no qual irá trazer segurança para esses menores, induzindo corrigir a falha de retirá-los de seu lar só porque seus pais de fato não estão inscritos no cadastro, sendo que seria menos constrangedor para elas apenas o acompanhamento dos profissionais da vara da infância e juventude.
Ainda, muitas crianças que estão nas instituições de acolhimento criam laços afetivos com as pessoas que as querem, mas estas não podem simplesmente tirá-las de lá, precisam estar habilitadas. No entanto, todo o procedimento disposto pela lei de adoção vigente, infelizmente, valoriza a fila cadastral, esquecendo que as crianças não possuem todo tempo do mundo e não deveriam esperar que alguém as queira através de descrições tabeladas.
As garantias constitucionais dos infantes não estão sendo tratadas com delicadeza, o legislador não está se permitindo abrir os horizontes para que seja possível a eficácia da integração das crianças na família substituta através do método intuitu personae, a lei não tem um posicionamento positivo quando se trata de adoção dirigida, dessa forma, o Judiciário dificulta sua conduta mediante o caso concreto.
A proposta do estudo constitucional voltado para a proteção dos menores, pode ser avaliado como a forma de utilizar as propostas da adoção dirigida, como maneira de solucionar os variados conflitos que envolvem os direitos das crianças e dos adolescentes, enfatizando os valores constitucionais, adaptando a norma para que esta esteja em linha reta com os acontecimentos reais ocorridos no interior da sociedade.
5.3. Possibilidade jurídica da adoção intuitu personae
A possibilidade jurídica do consentimento dos pais com a adoção de seus filhos, os autoriza a opinar quem será a pessoa ou casal adotante, e viabiliza a tarefa que estar a cargo da Justiça da Infância e da Juventude, torna mais eficiente as proporções voltadas à adoção, sem desrespeitar o comando normativo dos dispositivos previstos no ordenamento jurídico.
A adoção intuitu personae não é banida e nem repudiada pelo ordenamento jurídico vigente, não é uma conduta ilícita, ao contrário da adoção “a brasileira” que é criminalizada. A adoção dirigida vem mitigar este método, a fim de coibir a adoção a brasileira, trazendo maior seguridade e credibilidade do Poder Judiciário, dessa forma, os pedidos de adoção consentida devem ser atendidos, não é uma forma de trapacear o sistema e sim de assegurar que estas crianças e adolescentes estarão protegidas, com pessoas que realmente as queiram bem.
Contudo, não se deve comparar a adoção intuitu personae com a adoção “a brasileira”, como analisado anteriormente, as duas são completamente distintas e possuem efeitos diferenciados.
Sob esta égide, a lei no 8.069/90 não se posiciona em relação a prática da adoção intuitu personae, seja de forma positiva ou negativa, a não previsão legal da adoção dirigida não anula seu cabimento, não há autorização, mas também não há vedação expressa. No entanto, a lei determina de forma taxativa no seu art. 50. §13 hipótese exclusiva de adoção em que o procedimento de habilitação é dispensável, ou seja, a possibilidade dos pais ou mãe biológica escolher a quem será dirigido seu filho em adoção sem observar este regramento, vide:
Art. 50 (...)
§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:
I - se tratar de pedido de adoção unilateral;
II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.
Certamente, o legislador ao redigir esta redação, teve a intenção de não atribuir o método de adoção dirigida para fazer com que não sejam adotadas crianças por motivos ilícitos, no entanto, ao deixar de lado a escolha da mãe e o afeto da criança, deixou-se perceber as falhas na lei, na qual, se põe no esquecimento o melhor interesse do menor. Dessa forma, a respeito do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, Camila de Jesus Mello Gonçalves20 alega:
O princípio do melhor interesse da criança não é exceção, bastando sua leitura para perceber a generalidade e abstração de que se está a tratar: o princípio, ao mesmo tempo em que indica claramente a obrigatoriedade de observar o melhor interesse da criança, não descreve as situações ou os fatos que correspondem a tal melhor interesse. Abre-se, assim, campo para a indagação filosófica, pois "é precisamente na interpretação e exegese dos princípios constitucionais, que não têm a especificidade das regras, que os grandes temas da Filosofia do Direito se colocam. Nesse contexto, segue-se que a consideração dos princípios pelos operadores do direito não é facultativa, tratando-se não de uma opção pela respectiva observância, mas sim de uma reflexão sobre como se dará sua aplicação, a fim de evitar, por outro lado, que a vagueza do princípio resvale no arbítrio judicial, ou na "fuga da terra para as nuvens"(GONÇALVES, 2011)
Daí sugerir-se a aceitação da adoção intuitu personae como instituto jurídico legal e aconselhado para, além de respeitar a manifestação de vontade da mãe biológica que não caracteriza abandono de filho, atender, com urgência e prioridade, as necessidades do menor. (KUSANO, 2006, p.152).
Na verdade, atualmente no Brasil existem muitas crianças à espera da adoção, mas diante das dificuldades legais muitas delas permanecem nas instituições de acolhimento a espera de uma família, o que configura uma grave afronta aos seus interesses e garantias constitucionais.
Assim, pode-se dispor que a implementação do método de adoção consentida não é um retrocesso para o ordenamento jurídico brasileiro, pelo contrário, é uma forma efetiva de assegurar com eficiência os dispositivos favoráveis aos determinantes que irão contribuir para um futuro de qualidade dos menores.
5.4. Projeto de lei do Senado n°369 de 2016
A proposta do projeto de lei que viabiliza a regularização do método de adoção intuitu personae, está composta de valores que tratam as garantias dos menores acima do interesse dos adotantes, além disso, dispõe ênfase nos direitos que norteiam o princípio do melhor interesse.
O ECA torna difícil a adoção para quem tem interesse em adotar que não está previamente inscrito no cadastro nacional de adoção, ainda devido a entrada em vigência da lei 12.010/09 que altera do art. 50. do ECA, aumentou os dispositivos no §13, e dificulta a possibilidade de se concretizar adoção sem o cadastro, criando um abismo sobre a importância entre as normas do cadastro nacional de adoção e o melhor interesse da criança. Sendo que os pais biológicos estão entregando o menor devido não possuir outra opção que não pensar no melhor para o filho, e fica certo que pode confiar em uma família que conhece e sabe que seu filho vai estar em boas mãos, muitas vezes já existindo o afeto entre o adotante e o adotado.
O Projeto de Lei do Senado (PLS) n° 369 (ANEXO A), de 2016, tem o objetivo de legalizar um ato que já ocorre de forma informal, preenchendo uma lacuna legal, trazendo segurança jurídica, sobretudo, compõe cláusulas que poderão uniformizar e regulamentar o procedimento de adoção intuitu personae na legislação brasileira.
O projeto supracitado foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), que apresentou a Emenda n°1, a fim de promover ajustes sem comprometer a redação original. Segundo parecer (ANEXO B) relatado pela Senadora Rose de Freitas da Comissão da Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o projeto propõe alteração no §13 do Art. 50. do Estatuto da Criança e do Adolescente e acrescenta o inciso IV, bem como os §14 e §15, admitindo formalmente a adoção direta, no entanto, o adotante deverá possuir relação prévia com a família do adotado e, com este, vínculo afetivo, e o adotante fica sujeito à habilitação típica dos postulantes a adotarem, e que a adoção não seja internacional (Projeto PLS n° 369/2016). A nova lei proposta pelo projeto pretende acrescentar dispositivos ao texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a seguinte redação:
Art. 1° O art. 50. da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art 50. ..............................................................................................
§13°..................................................................................................................
IV –se tratar de adoção na modalidade intuitu personae, mediante a comprovação de prévio conhecimento, convívio ou amizade entre adotantes e a família natural, bem como, para criança maior de dois anos, do vínculo afetivo entre adotantes e adotando.
§14° Nas hipóteses previstas no §13° deste artigo, o candidato deverá comprovar, no curso do procedimento, que preenche os requisitos necessários à adoção, conforme previsto nesta Lei, inclusive submetendo-se ao procedimento de habilitação de pretendentes à adoção.
§15° Não se aplica a hipótese do inciso IV do § 13° deste artigo em favor de candidato a adoção internacional. (NR)
Art. 2° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
O projeto de lei em questão visa permissão da adoção de crianças e adolescentes que foram entregues pelos genitores, ou genitora, a determinada pessoa, ou por pessoa que tenham laço de afeto com crianças abrigadas, e também aquelas que foram acolhidos em situação de perigo ou abandono. No entanto, durante o procedimento, a pessoa se habilitará para estar em conformidade com os requisitos necessários à adoção, a diferença é que essa criança não será retirada do lar em que vive durante este processo.
Atualmente, o projeto está em tramitação, sua proposta está voltada principalmente ao princípio do melhor interesse dos menores, seus valores constitucionais e familiares, dessa forma, pode ser sustentada sua possibilidade, principalmente no que tange sua expressiva preocupação em relação a presente evidência de uma estrutura baseada no afeto e na boa fé, mesmo porque, os casos em que será dirigido estarão sendo supervisionados pelos profissionais da infância e da juventude.
O autor do projeto, o atual Deputado Federal de Minas Gerais Aécio Neves21, declara em sua justificativa sob o projeto de lei PLS 369/2016:
Uma vez constante em lei, esse tipo de adoção conta com uma maior segurança jurídica para as partes, especialmente para a criança ou adolescente diretamente interessado. O projeto que apresentamos leva em consideração necessariamente a existência do vínculo entre adotando e adotante - quando a criança tiver mais de 2 anos de idade; determina, ademais, que os adotantes atendam aos requisitos necessários à adoção, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, inclusive submetendo-se ao procedimento de habilitação, ainda que já no curso do processo de adoção; e veda essa possibilidade em favor de adotante candidato à adoção internacional.(Projeto 369, 2016, ANEXO 2)
No entanto, faz-se necessário a posição do Poder Legislativo, mesmo que não seja ilícita, regularizar a adoção consentida, uma vez que esta viabiliza a constituição do afeto para se permitir a concessão de segurança jurídica entre os interessados.
O referido projeto de lei ainda encontra-se em posse da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e está em Matéria com Relatoria, no entanto, conforme o parecer (ANEXO B) divulgado no site do Senado Federal, o voto é pela aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) n° 369, de 2016, com o acolhimento da Emenda n° 1 –CDH.