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Terror na Porta dos Fundos

Agenda 29/12/2019 às 10:00

A gravidade atentado leva a uma preocupação com relação ao recrudescimento de atos violentos objetivando calar, fora dos limites da democracia, opiniões ou atos que venham a divergir das ideias de grupos fundamentalistas.

Na madrugada do dia 24 de dezembro, enquanto os brasileiros celebravam um Natal de luz e paz, o país assistiu a uma demonstração de intolerância típica dos tempos de trevas.

Por volta das 4 horas, quatro homens atacaram com coquetéis molotov a produtora da trupe humorística Porta dos Fundos, no bairro do Humaitá, Zona Sul do Rio de Janeiro. Ninguém se feriu no episódio perturbador.

Desde 3 de dezembro, quando lançou na Netflix seu novo especial de Natal, A Primeira Tentação de Cristo, o Porta dos Fundos entrou na mira de setores religiosos irritados com seu retrato satírico de um Cristo gay e uma Nossa Senhora adúltera.

Um grupo de extrema direita autointitulado Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Família Integralista Brasileira assumiu a suposta autoria do atentado.

O delito deve ser investigado como crime de terrorismo e não como, por exemplo, de tentativa de homicídio.

A Lei 13.260, de 16 de março de 2016, define o que é crime de terrorismo:

Art. 2º  O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

§ 1º  São atos de terrorismo:

Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa.

O terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica, através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população, destinado a incutir medo, terror, com o objetivo de obter efeitos psicológicos que ultrapassem  o círculo das vítimas.

No passado, o integralismo foi um movimento partidário, com posicionamento político de extrema-direita com inspiração fascista que surge sob idealização de Plínio Salgado, líder e organizador do Partido que recebe o nome “Ação Integralista Brasileira”. Sob o lema de “Deus, Pátria e Família” Plínio Salgado lançou o Manifesto da AIB em outubro de 1932.

O Integralismo de Plínio Salgado configurou-se como o maior movimento nacionalista da história do Brasil, o primeiro a aceitar negros e mulheres, um movimento verdadeiramente nacionalista, anticomunista e antiliberal que, sob o lema "Deus, pátria e família", conseguiu reunir setores da classe média e intelectuais. Os milicianos obedeciam a uma série de regulamentos, entre os quais o uso de uniformes (camisas-verdes) e da saudação Anauê, uma saudação em língua tupi.

O símbolo do Integralismo é a letra grega Sigma (∑) simbolizando a máxima do movimento que buscava a integração da sociedade brasileira. A partir da integração da família como menor instituição da sociedade e tendo o Estado forte para tomada do eixo, a sociedade se integraria e o Brasil se fortaleceria.

O lema do Integralismo “Deus, pátria e família” serve como ponto de partida para se entender as propostas do movimento que ficou conhecido como o fascismo brasileiro.

A palavra “Deus” indica a influência religiosa cristã dos integralistas, estando a figura divina em primeiro lugar e ocupando o cimo da estrutura hierárquica social, como era entendido pelos integralistas, já que era Deus “que dirigia o destino dos povos”.

A pátria era definida pelos integralistas como “nosso lar”. A pretensão era apresentar uma unidade da população brasileira dentro do território, principalmente como uma contraposição à divisão da sociedade em classes. Os integralistas pretendiam alcançar essa unidade através da constituição de um Estado integral, que harmonizaria os diferentes interesses existentes no seio da sociedade.

Por fim, temos a família como a menor unidade de organização social dentro da proposta integralista. A família seria o “início e fim de tudo”, a garantia da manutenção da tradição, veiculada através dessa forma de organização social.

As ideias integralistas chegaram ao Brasil nos anos 30 com repercussão entre as camadas médias urbanas e intelectuais do país. O integralismo brasileiro não apenas contrapôs-se às instituições liberais, que desde a Proclamação da República vigoravam na ordem política nacional, mas também combateu o nascente movimento comunista.

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A gravidade do fato acima enfocado leva a uma preocupação com relação ao recrudescimento de atos violentos objetivando calar, fora dos limites da democracia, opiniões ou atos que venham a divergir das ideias de grupos fundamentalistas.

Voltam a ocorrer no Brasil tristes episódios como os que se assitiram nos últimos anos do regime militar, como o atentado à OAB e ao Riocentro. Naquela oportunidade, os grupos de extrema direita alardearam que os atos se tratavam de ofensiva da extrema esquerda contra a abertura política de então.

Não se trata, pois, de um mero ato de tentativa de homicídio, mas de terrorismo.

Aqueles que divergem de opiniões como as manifestadas pelo grupo teatral enfocado devem buscar a justiça, mas não usar de violência para afirmar suas razões.

O atentado noticiado é uma verdadeira ameaça à democracia.

Lembre-se que a fé cristã prega a tolerância e o perdão, que parece que não se adequam ao comportamento reportado.

O artigo 11 da Lei 13.260/11, com sustento no artigo 109, IV, CF, fixa a atribuição de Polícia Judiciária para a investigação criminal dos casos de terrorismo à Polícia Federal e a competência para o processo e julgamento à Justiça Federal. Fica claro que esses atos afetam o interesse da União Federal, razão pela qual a instrução e julgamento é da Justiça Federal.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Terror na Porta dos Fundos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 6024, 29 dez. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78675. Acesso em: 24 nov. 2024.

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