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Direito operacional militar: análise dos fundamentos jurídicos do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem

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Cada vez com maior frequência, as Forças Armadas vêm sendo instadas a atuar em diversos cenários do contexto nacional. Discutir os fundamentos jurídicos imprescindíveis à atuação das FA em situações de GLO é questão relevante, sobretudo, para a Administração Militar.

1 INTRODUÇÃO 

Este trabalho analisa a atuação das Forças Armadas (FA) na garantia da lei e da ordem (GLO), tendo em vista que seu emprego, por vezes, ainda causa questionamentos jurídicos a respeito, apesar de haver previsão constitucional tanto na atual Carta Magna, quanto nas pretéritas.

Cada vez com maior frequência, as Forças Armadas vêm sendo instadas a atuar em diversos cenários do contexto nacional. Em razão disso, a presente abordagem busca analisar e discutir, diretamente, os fundamentos jurídicos imprescindíveis à atuação das FA em situações de GLO, visando à melhor conscientização do tema, que se mostra de grande relevância, sobretudo, para a Administração Militar. 

Ademais, há que se ressaltar que, no ordenamento jurídico brasileiro, há um arcabouço específico que orienta o emprego das FA no ambiente interno em situação de normalidade constitucional, em situação de não-guerra.

Apesar de haver uma remansosa legislação acerca do assunto, ainda há divergências e opiniões contrárias acerca da atuação das FA em GLO.

Neste contexto, as normas existentes visam a regular as condições que autorizam a atuação da FA nas diversas possibilidades de emprego dentro do ambiente interno do país, impondo as condições mínimas para o acionamento e as limitações desse emprego. 

Não obstante, a atuação das FA no contexto de GLO acarreta questionamentos quanto à legitimidade e a autoridade do comandante militar, que acaba sofrendo ações administrativas e judiciais contra os respectivos comandantes e até mesmo contra os integrantes da tropa.

Sendo assim, é importante ressaltar a relevância e contribuição do trabalho para as Forças Armadas, principalmente para os comandantes militares, porquanto visa a dar enfoque na solução do problema, ou seja, na busca do entendimento jurídico.

Por fim, o estudo terá como objetivo trazer os questionamentos que recaem sobre os fundamentos jurídicos do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, propondo soluções, identificando as limitações quanto a sua operacionalização e apresentado tendências para o seu emprego.


2 DIREITO OPERACIONAL MILITAR  

Inicialmente, cabe esclarecer que da mesma forma que há diferentes ramificações do Direito Militar – a exemplo o Direito Constitucional Militar, o Direito Administrativo Militar, o Direito Disciplinar Militar, o Direito Penal Militar e o Direito Processual Penal Militar, dentre outras – há também o Direito Operacional Militar.

Esta vertente do Direito Militar pode ser definida como o conjunto de normas e princípios jurídicos que tratam do emprego operacional de uma Força Armada. Abrange tanto as normas e princípios nacionais, como as normas, princípios, usos e costumes internacionais que tratam do emprego operacional de uma Força Armada. (SILVA, 2015)

Nessa senda, pode-se deduzir que apesar de haver um conceito para o Direito Operacional Militar este, ainda, não possui uma doutrina a respeito. Assim esclarece Silva (2015, p. 12), a saber:  

No Brasil não há um Manual de Direito Operacional Militar, tampouco essa disciplina nos cursos de Direito ou, com esta nomenclatura, em Escolas Militares. Todavia, pode-se falar na existência de um Direito Operacional Militar Brasileiro, uma vez que as operações militares são regidas pela Constituição, pelas Leis brasileiras e por atos normativas emanados da Presidência da República, do Ministério da Defesa e dos Comandos de cada Força Armada, além dos manuais expedidos em cada uma das Forças Armadas, além de normas internacionais, como as Convenções de Genebra, por exemplo.            

Outrossim, as operações militares são coordenadas e realizadas de acordo com as Diretrizes e os Planos de Ordem para o cumprimento da tarefa e da missão atribuída, sempre dentro do espectro jurídico. Essas operações são realizadas tanto na situação de paz estável quanto na situação de conflito armado, perpassando pela paz instável e situações de crises, ou seja, nas hipóteses de normalidade e de não normalidade institucional. (SILVA, 2015)

2.1 Normalidade e não normalidade institucional 

Normalidade institucional seria a situação pela qual os indivíduos e grupos sociais sentem-se seguros para concretizarem suas aspirações, interesses e objetivos, porque o Estado, em seu sentido mais amplo, mantém a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Na situação de normalidade, no plano legal, continuam vigentes todas as garantias individuais e não há a utilização das salvaguardas constitucionais. (MORAES, 2001)

De maneira contrária, na situação de não normalidade constitucional há real comprometimento da ordem pública, que ameaça a estabilidade institucional, a integridade e a soberania nacionais. Ademais, sob o prisma legal, a não normalidade caracteriza-se pela decretação das salvaguardas constitucionais previstas nos artigos 34, 136 e 137 da Constituição Federal de 1988 (CF/88): a intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio. (MORAES, 2001)

Essas salvaguardas são conhecidas como sistema constitucional das crises, pois tem por objeto as situações de crises e por finalidade a manutenção ou restabelecimento da normalidade constitucional, com observância dos princípios da necessidade e da temporariedade. (MORAES, 2001)

Na situação de normalidade institucional a defesa da ordem interna é atribuição primordial da força permanente civil, que se define como a estrutura formada por órgãos e agentes vocacionados à manutenção da paz interna. (GARCIA, 2008)

Tanto nas situações de normalidade quanto nas de não normalidade, caso seja necessário o emprego das Forças Armadas, esta atuará em ações operativas, em caráter episódico, toda vez que as ações preventivas não surtarem efeitos, visando sempre reverter um quadro de grave comprometimento da ordem pública para uma situação de harmonia e paz social. (AMARAL JÚNIOR, 2008)

Ademais, cabe destacar que o emprego subsidiário e episódico das Forças Armadas, no Direito Constitucional pátrio, não se situa no âmbito da exceção, mas, sim, no âmbito da normalidade e, especificamente, com o propósito de manter essa normalidade (AMARAL JÚNIOR, 2008).


3 GARANTIA DA LEI E DA ORDEM                                                      

A fim de orientar o entendimento do assunto abordado no presente trabalho, o tema garantia da lei e da ordem (GLO) será exposto e debatido em diversas subseções, conforme será visto no seguimento.

3.1 Definição de garantia da lei e da ordem    

Segundo o manual MD33-M-10 – Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO), aprovado pela Portaria Normativa nº 186, de 31 de janeiro de 2014, do Ministério da Defesa, GLO caracteriza-se como:

Uma operação militar determinada pelo Presidente da República e conduzida pelas Forças Armadas de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem.

[...]

As Operações de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) caracterizam-se como operações de “não guerra”, pois, embora empregando o Poder Militar, no âmbito interno, não envolvem o combate propriamente dito, mas podem, em circunstâncias especiais, envolver o uso de força de forma limitada. (BRASIL, 2014, p. 14)  

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O manual de Campanha do Exército Brasileiro - C85-1 (Operações de Garantia da Lei e da Ordem), aprovado pela Portaria nº 042-EME-RES, de 9 de junho de 2010, define GLO nos seguintes termos:

Garantir a lei e a ordem significa assegurar o cumprimento da lei e a manutenção da ordem interna, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, após o reconhecimento formal da indisponibilidade, inexistência, insuficiência ou falência dos órgãos de segurança pública competentes para tal.

[...]

Operações de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) – Operações militares conduzidas pelas Forças Armadas, por decisão do Presidente da República, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, com o propósito de assegurar o pleno funcionamento do estado democrático de direito, da paz social e da ordem pública. (BRASIL, 2010, p. 10)  

 Em suma, tanto o manual de Campanha C85-1 como o manual MD33-M-10 definem GLO como operações militares conduzidas pelas Forças Armadas, por decisão do Presidente da República, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, com o propósito de assegurar o pleno funcionamento do estado democrático de direito, da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em situações de esgotamento dos instrumentos de segurança pública. (BRASIL, 2010; BRASIL, 2014)

3.2 Previsão legal

A Constituição Federal de 1988, no artigo 142, prevê como uma das missões das Forças Armadas a garantia da lei e da ordem, bem como determina no seu § 1º que Lei Complementar (LC) estabelecerá normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas. (CORRÊA, 2011)

Em cumprimento a determinação constitucional foi editada a Lei Complementar nº 97, em 9 de junho de 1999, que posteriormente sofreu algumas alterações pela LC 117, de 2 de setembro de 2004 e pela LC 136, de 25 de agosto de 2010. (CORRÊA, 2011)

Já o Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001, veio fixar diretrizes e orientar o planejamento, a coordenação e a execução das ações das Forças Armadas na GLO, destacando em seu artigo 3º como incumbência das FA desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico. (BRASIL, 2001)

Por derradeiro, enfatiza-se que as etapas a serem cumpridas para o acionamento da Força Federal para as ações de GLO são as seguintes (exemplo do acionamento da Força Terrestre/Exército Brasileiro):

- o Presidente da República (PR) determina o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem;

- o Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR) expede Aviso ao Ministério da Defesa (MD) contendo a determinação de ativação dos órgãos operacionais das Forças Armadas;

- o MD expede Diretriz ao Comando do Exército regulando os aspectos da operação (missão, coordenação, ligações, etc.);

- o Comandante do Exército (Cmt Ex) determina/ordenada ao Comando de Operações Terrestres (COTER) para desencadear as operações;

- o COTER expede Diretriz de Planejamento Operacional Militar (DPOM) e aciona um ou mais Comandos Militares de Área (C Mil A) e estes, por Ordem de Operações, aos demais escalões de execução.

3.3 Pensamento jurídico sobre garantia da lei e da ordem 

Silva (2010, p. 772), entende que: 

A Constituição vigente abre a elas um capítulo do Título V sobre a defesa do Estado e das instituições democráticas com a destinação acima referida, de tal sorte que sua missão essencial é a da defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, o que vale dizer defesa, por um lado, contra as agressões estrangeiras em caso de guerra externa e, por outro lado, defesa das instituições democráticas, pois a isso corresponde a garantia dos poderes constitucionais, que, nos, termos da Constituição emanam do povo (art. 1º, parágrafo único). Só subsidiária e eventualmente lhes incumbe a defesa da lei e da ordem, porque essa defesa é de competência primária das forças de segurança pública, que compreendem a polícia federal, e as polícias civil e militar dos Estados e do Distrito Federal.

[...] 

Sua interferência na defesa da lei e da ordem depende, além do mais, de convocações dos legítimos representantes de qualquer dos poderes federais: Presidente da Mesa do Congresso Nacional, Presidente da República ou Presidente do Supremo Tribunal Federal. Ministro não é poder constitucional. Juiz de Direito não é poder constitucional. Juiz Federal não é poder constitucional. Deputado não é poder constitucional. Senador não é poder constitucional. São simples membros dos poderes e não os representam. Portanto, a atuação das Forças Armadas convocadas por Juiz de Direito ou por Juiz Federal, ou mesmo por algum Ministro do Superior Tribunal de Justiça ou até mesmo do Supremo Tribunal Federal, é inconstitucional e arbitrária, porque estas autoridades, por mais importantes que sejam, não representam qualquer dos poderes constitucionais federais. (grifo nosso)

Na mesma senda, Bulos (2009, p. 1267) preceitua que:

A missão precípua das Forças Armadas, portanto, é a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, que, harmônicos e independentes, têm a sua fonte nas aspirações populares.

Esporadicamente, contudo, incumbi-lhe defender a lei e a ordem interna, atribuições típicas de segurança pública, exercidas pelas polícias civil e militar dos Estados e do Distrito Federal. (grifo nosso)

Importa mencionar, ainda, os estudos conduzidos por Garcia (2008, p. 13), sob o título “As forças armadas e a garantia da lei e da ordem”, no qual o autor realça que:

A atuação das Forças Armadas pode ocorrer em situações de guerra ou de paz, no exterior ou no interior do seu território de origem. Essa atuação, no entanto, tanto pode ocorrer a título principal, refletindo um dever jurídico imediato, como a título acessório, que surgirá quando constatada a impossibilidade de os órgãos de segurança pública remediarem a situação de injuridicidade que abala o Estado e a sociedade. Nesse último caso, uma interpretação teleológico-sistemática da Constituição brasileira de 1988 exige seja observado um referencial de subsidiariedade. No plano administrativo, o princípio da subsidiariedade parte da premissa de que o interesse público será melhor tutelado com a descentralização administrativa: o poder administrativo, assim, deve ser exercido no plano mais baixo possível, aproximando os centros de decisão dos sujeitos destinatários da ação administrativa; somente quando o exercício do poder se mostre ineficaz no plano inferior é que será acionado o órgão de escalão superior, e assim sucessivamente.

[...]

Conclui-se, assim, que a intervenção das Forças Armadas, no âmbito interno, em situação de normalidade institucional, há de ser devidamente motivada pela ineficiência dos órgãos que, por imposição constitucional, possuem, como dever jurídico imediato, a obrigação de zelar pela segurança pública. (grifo nosso)

3.4 Fundamentos das Forças Armadas enquanto instrumento de defesa

O Estado é uma sociedade politicamente organizada, é uma comunidade constituída por uma ordem coercitiva: o Direito. Dessa forma, o Estado detém um poder situado por trás do direito, isto é, um poder que impõe o Direito. A relação poder versus direito não comporta separação, posto que mesmo o poder que estabelece a norma que a todos vincula, há de ser normativamente previsto e plenamente amparado na lei, ou seja, por traz de toda lei deve haver um comando, uma norma hipotética fundamental de onde emana o seguinte mandamento: cumpra-se a lei! (KELSEN, 1999)

A Constituição vigente dispõe, em seu Título V, acerca da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. A interpretação do teor dos artigos 136 a 144 que compõem esse Título evidencia a possibilidade de o poder estatal impor, à força, o Direito. O Estado e, por consequência, o Direito por ele posto, não prescindem do atributo da coercibilidade. (BRASIL, 1988)

A imposição do Direito exige a mobilização de um sistema de forças, ou seja, de coerção, o qual é veiculado pela expressão armada do poder estatal, isto é, pelas Forças Armadas e pelos Órgãos de Segurança Pública (OSP), estes elencados no artigo 144 da CF/88. Rompida ou ameaçada a estabilidade do Estado, como ultima ratio, o seu sistema coercitivo será mobilizado para tutelar os valores que a soberania popular elencou, no texto constitucional, como referências máximas da República Brasileira. (BRASIL, 1988)

O uso da força pelo Estado é corolário da sua natureza instrumental, por conseguinte, a função das Forças Armadas ao atuar nas variadas hipóteses não tem, portanto, um fundamento temerário posto que se substancia expressamente no texto da Constituição da República de 1988. (BRASIL, 1988)

É conveniente que seja apresentado entendimento doutrinário que sirva de base à compreensão da função pública das FA como instrumento de tutela da lei e da ordem. Pela pertinência, destaca-se a seguinte sustentação:

Como ordem coativa, o Direito distingue-se de outras ordens sociais. O momento coação, isto é a circunstância de que o ato estatuído pela ordem como consequência de uma situação de fato considerada socialmente prejudicial deve ser executado mesmo contra a vontade da pessoa atingida e – em caso de resistência – mediante emprego da força física, é o critério decisivo. (KELSEN, 1999, p. 37)

Cabe destacar que a fundamentação jurídica emana diretamente da Lei Maior, artigo 142, caput, e com suas normas gerais estabelecidas pela LC 97/99, pela LC 117/04 e pela LC 136/10, sem olvidar outros diplomas legais referentes à matéria. (BRASIL, 1988)

Nesses termos, o fundamento jurídico da atuação das FA como instituição garantidora da lei e da ordem importa na compreensão do seu amparo legal e de sua especial destinação.

3.5 Funções das Forças Armadas na Constituição Federal de 1988 e na legislação infraconstitucional

Sob o ponto de vista teórico, pode-se reconhecer, com fundamento no caput do artigo 142 da Constituição Federal de 1988, que as Forças Armadas e, por conseguinte, o Exército Brasileiro, tem uma função constitucional definida, a qual pode ser de natureza principal ou secundária. (BRASIL, 1988)

Sob o prisma da Lei Complementar nº 97, de 1999, reconhecem-se funções subsidiárias particulares atribuídas expressamente às Forças Armadas. (BRASIL, 1999)

O artigo da CF/88 supracitado estabelece que:

Art. 142  As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a titularidade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais, e por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (grifo nosso)

§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas. (BRASIL, 1988, não paginado)  

São funções principais das Forças Armadas: a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais. Secundariamente, essa Força Armada tem como incumbência a garantia da lei e da ordem. Diz-se função principal das FA, porque defender a Pátria e garantir os poderes constitucionais é atribuição primordial da Força Terrestre, da Marinha e da Aeronáutica, enquanto a garantia da lei e da ordem é atribuição primeira dos órgãos encarregados da segurança pública e, somente subsidiariamente, das FA. (BRASIL, 1988)

A partir do texto constitucional, especificamente do caput do artigo 142 da CF/88 e de uma interpretação da definição de Forças Armadas, depreende-se que não pode ser empregada para fins alheios às suas funções previstas na Lei Maior, ou nas normas gerais que complementam o texto constitucional, conforme a expressão do § 1º do referido artigo[1]. (BRASIL, 1988)

 A atuação das FA na manutenção da lei e da ordem pública não é a sua principal função, porque incumbe-lhe precipuamente a defesa da Pátria e dos poderes constituídos, cabendo aos Órgãos de Segurança Pública, elencados no artigo 144 da CF/88, assegurar ordinariamente a lei e a ordem pública. (BRASIL, 1988)

A qualificação como secundária da função Forças Armadas de garantir a lei e a ordem é uma conclusão extraída diretamente do conteúdo do § 2º do artigo 15 da LC 97/99, no qual o legislador deixou expresso que a atuação das FA é condicionada ao esgotamento dos instrumentos ordinariamente destinados à preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas. (BRASIL, 1999)

No parágrafo acima realçado, o advérbio de tempo após evidencia que a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem está condicionada ao esgotamento dos instrumentos comuns incumbidos de provê a segurança pública. Assim, diferentemente da defesa da pátria e da garantia dos poderes constitucionais, a tutela da lei e da ordem pública é função secundária das Forças Armadas. (BRASIL, 1999)

O teor do artigo 144 da CF/88, reforça o entendimento acima exposto, uma vez que o legislador constituinte originário nele relacionou expressamente os instrumentos encarregados da segurança pública, na qual se insere a garantia da lei e da ordem, uma vez que se quebrantadas, instaura-se a insegurança e a instabilidade social. (BRASIL, 1988)

Sob o enfoque da legislação infraconstitucional, em especial à luz dos artigos 16, 16A e 17A, da Lei Complementar nº 97/99[2], incumbe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, as respectivas atribuições subsidiárias gerais e particulares:

Art. 16. Cabe às Forças Armadas, como atribuição subsidiária geral, cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma determinada pelo Presidente da República.

Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, integra as referidas ações de caráter geral a participação em campanhas institucionais de utilidade pública ou de interesse social.

Art. 16A Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da pose, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:

I - patrulhamento;  

II - revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e

III - prisões em flagrante delito.

Parágrafo único. As Forças Armadas, ao zelar pela segurança pessoal das autoridades nacionais e estrangeiras em missões oficiais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, poderão exercer as ações previstas nos incisos II e III deste artigo.

[...]

Art. 17A Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares:

I – contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao Poder Militar Terrestre;

II – cooperar com órgãos públicos federais, estaduais e municipais e, excepcionalmente, com empresas privadas, na execução de obras e serviços de engenharia, sendo os recursos advindos do órgão solicitante;

III – cooperar com órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, no território nacional, na forma de apoio logístico, de inteligência e de instrução; (BRASIL, 2004, não paginado)

Além das funções acima mencionadas, decorrem da legislação infraconstitucional, outras atribuições, todavia, em quaisquer de suas atividades, as Forças Armadas, como Força Militar que pode vir a representar a última razão na tutela da lei e da ordem pública, atuará sempre sob o amparo do arcabouço jurídico vigente e dos princípios constitucionais. (BRASIL, 1999)

3.6 Restrições à operacionalização do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem

O emprego das FA na GLO, sem dúvida, encontra-se respaldo legal quando for devidamente empregada nas condições e pressupostos estabelecidos no ordenamento jurídico. Ao empregar as Forças Armadas sem o esgotamento dos órgãos de segurança pública, corre-se o risco de haver um desvirtuamento das funções das FA, o que pode acarretar algumas consequências negativas em sua atividade fim. (GARCIA, 2008)

No entanto, a atuação das Forças Armadas na GLO deve ser pautada pela cautela e restrição do governo federal, sob pena de se tornar temerária e até mesmo ilegal o seu emprego, caso não tenham sido observadas as disposições legais. (GARCIA, 2008)

Deve-se ter, também, cuidado para não empregar as Forças Armadas em qualquer situação de crise ou em situações que geralmente podem ser resolvidas pelos órgãos de segurança pública (estadual ou federal), sob o risco de se banalizar o seu emprego e de se perder a sua credibilidade junto à opinião pública e à população. (AMARAL JÚNIOR, 2008)

Ressalta-se que as limitações e os pressupostos legais devem sempre ser observados no caso de emprego das FA na GLO, sob pena de haver ações judiciais e possíveis opiniões públicas e jurídicas desfavoráveis às Forças Armadas e, por consequência, também em desfavor ao Estado, à sociedade e ao cidadão. (GARCIA, 2008)

3.7 Tendências para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem

Apesar de estar substanciado no artigo 142 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que “As Forças Armadas [...] destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” o seu § 1º estabelece que “Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas [...] no emprego das Forças Armadas”. (BRASIL, 1988)

Sendo assim, o legislador interpretou e cumpriu o mandamento constitucional ao editar as Leis Complementares nº 97, 117 e 136, como o Decreto nº 3.897, especificando as possibilidades e regulando o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem.

Desta forma, é legalmente possível o emprego das FA na garantia da lei e da ordem desde que seja motivado pela ineficiência dos órgãos que, por imposição constitucional, possuem, como dever jurídico imediato, a obrigação de zelar pela segurança pública. Nesse sentido, é o pensamento da doutrina e jurisprudência majoritárias, em que pese haver opiniões contrárias a respeito. (BULOS, 2009)

Outrossim, quando as FA forem empregadas nos episódios de GLO sempre devem ser observados os princípios constitucionais, principalmente o da legalidade, a fim de legitimar e respaldar o seu emprego e prevenir possíveis contestações jurídicas a respeito. (SILVA, 2010)

3.8 Importância do conhecimento da fundamentação jurídica que ampara o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem

Atualmente, o emprego das FA na GLO está alinhado com a Constituição Federal e com a legislação pátria que trata do assunto. Por isso, tais regramentos devem ser observados fielmente em sua íntegra e, em hipótese alguma, devem ser moldados de acordo com o discernimento e a vontade daqueles que o empregam. (SILVA, 2015)

As normas jurídicas sobre as hipóteses de emprego das FA são de alto grau de exatidão e trazem grande segurança jurídica, pois propiciam que todos, mesmo aqueles que não são militares, alcancem o real entendimento daquilo que deve ser observado e cumprido. Dessa forma, qualquer distorção da norma gera uma insegurança, e  esta, por sua vez, deve ser sanada imediatamente, a fim de preservar a imagem da instituição Forças Armadas e dos militares que estão sendo empregados na ação. (BRASIL, 2014)

Assim, é de suma importância que o arcabouço jurídico do presente assunto seja difundido para todos os militares das Forças Armadas, através de palestras, instruções e exercícios rotineiros com o tema garantia da lei e da ordem. (SILVA, 2015)

Nessa esteira, com a devida conscientização e ensino do tema supracitado, as atitudes e procedimentos a serem seguidos pelos militares serão assimilados e realizados em consonância com o ordenamento jurídico vigente,  refletindo segurança e credibilidade de suas ações perante a sociedade civil. (SILVA, 2015)

Em suma, o conhecimento é o a principal ferramenta e o bem maior que deve ser buscado. E, e como tal, deve ser difundido a fim de poder orientar os militares – de todos os postos e graduações – acerca de seu real papel e de sua devida conduta quando empregado.

Sobre os autores
Renato Rezende Neto

Mestre em Administração Pública pela Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL, Especialista em Direito Penal pela Faculdade Damásio, Especialista em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL (2010), Graduado pela Faculdade de Direito de Varginha – FADIVA (2005). Oficial do Exército Brasileiro. Foi Consultor jurídico nas áreas de Direito Administrativo, Constitucional, Difusos e Coletivos, Penal e Processual Penal. Foi Assessor Especial junto à Procuradoria de Justiça do Estado de Minas Gerais atuando nas áreas de Direito Administrativo, Constitucional, Difusos e Coletivos, Penal e Processual Penal. É professor de Direito Penal, Processual Penal e Processual Penal Militar.

Dehon Padilha Figueiredo

Graduação em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Anhanguera (1996). Possui Especialização (Pós-Graduação Lato Sensu) em Docência do Ensino Superior pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (2002), Especialização (Pós-Graduação Lato Sensu) em Direito Público pela Universidade de Rio Verde - FESURV (2005) e Especialização (Pós-Graduação Lato Sensu) em Direito Militar pelo Centro Universitário do Sul de Minas - UNIS (2016). Tem experiência nas áreas de Direito Público e Direito Militar. É mestrando em Direito das Relações Internacionais e da Integração da América Latina pela Universidad de la Empresa - UDE no Uruguai. Pertence ao Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro - área Direito - atuando nas atividades de Assessoria Jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE NETO, Renato; FIGUEIREDO, Dehon Padilha. Direito operacional militar: análise dos fundamentos jurídicos do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6105, 19 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79192. Acesso em: 22 dez. 2024.

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