7. Os limites para a Concessão Florestal.
O projeto pretende excluir da concessão a titularidade imobiliária da unidade de manejo ou a preferência em sua aquisição, o acesso ao patrimônio genético para fins de pesquisa e desenvolvimento, bioprospecção ou constituição de coleções, o uso dos recursos hídricos, a exploração dos recursos minerais, pesqueiros ou da fauna silvestre, dentre outros (art.14, §1º).
No entanto, algumas das limitações previstas na futura lei encontrarão, a nosso ver, grandes dificuldades de implementação e acreditar que a iniciativa privada, com toda sua conhecida tendência ao lucro, se limitaria à exploração ecológica da floresta, observando os princípios éticos do contrato e da legislação seria no mínimo uma ingenuidade.
Para a proposição os exploradores concessionários observarão todas as limitações previstas no projeto, como por exemplo, não cortar árvores que contenham ninhos da fauna silvestre; ignorar os recursos hídricos da área de concessão; a ignorar o ouro e os demais minerais preciosos do subsolo da floresta; bem como o patrimônio genético tão valioso no mercado internacional, dentre tantas outras coisas (art. 16, §1º). O projeto ignora, enfim, a finalidade última de uma empresa: o lucro.
Acreditar na proposta do Poder Público de que os governos serão capazes de fiscalizar e fazer observar todas as limitações previstas no projeto, significa ignorar a ineficiência atual da fiscalização para impedir o espantoso desmatamento ilegal da amazônia e todos os demais desmandos ambientais diariamente noticiados. Como acreditar que, a toque de mágica, por força de uma nova lei, seria possível fiscalizar, por exemplo, o acesso ao patrimônio genético ou ao o uso dos recursos hídricos existentes no interior de uma unidade de manejo florestal concedida? E a chamada "biopirataria" como seria combatida, visto que grande parte dos produtos florestais destinam-se ao exterior?
8. Preços Florestais
Segundo a futura lei, o regime econômico e financeiro da concessão florestal será estabelecido no contrato e compreenderá: o pagamento de preço calculado sobre os custos para a realização da licitação; o pagamento de preço não inferior ao mínimo definido no edital de licitação, calculado em função da quantidade de produto ou serviço auferido ou do faturamento bruto ou líquido do concessionário (art. 36, I e II).
A lei trará ainda critérios para a definição do preço mínimo a ser fixado no edital que deverá considerar, dentre outros parâmetros o estímulo à competição e à concorrência, a cobertura dos custos, o estimulo ao uso múltiplo da floresta, as referências internacionais etc (§2º - art. 36). Pretende-se com isso nada mais que o equilíbrio financeiro do contrato de modo a adequar os custos do empreendimento e os ganhos do concessionário.
Por fim a lei prevê o rateio dos valores arrecadados entre órgãos da União, Estados, Municípios e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDH), segundo os critérios e percentuais previstos no art. 39.
Causa temor a previsão - como critério para a fixação do preço mínimo - o estímulo à competição e à concorrência na exploração da floresta e o equilíbrio econômico financeiro do contrato. Na prática, reconhece-se a possibilidade do concessionário avançar na exploração da floresta até obter o equilíbrio financeiro contratado. Afasta-se, a importância biológica da floresta, para considerá-la única e exclusivamente como fonte de produtos e serviços florestais destinados a assegurar o equilíbrio econômico e financeiro de contrato de concessão. Ignora-se uma floresta explorada leva dezenas de anos para recuperar-se.
9. A nova lei e algumas de suas conseqüências na Legislação Ambiental atual.
Os principais diplomas da legislação ambiental serão frontalmente afetados pela nova lei. A Lei 4.771. de 15 de Setembro de 1965 (Código Florestal); a lei 6.938/65, que instituiu a política nacional do meio ambiente; a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1999 (Crimes contra o meio ambiente) e a Lei 9.985, de 18 de Julho de 2000 (Institui o SNUC), são exemplos de diplomas legais que estão sob influência direta desse projeto. Percebe-se assim que não se trata apenas de uma lei de gestão de florestas públicas, mas de uma considerável mudança na Política Nacional do Meio Ambiente.
O Código Florestal, por exemplo, continuaria como lei de regência das florestas e demais formas de vegetação no Brasil, mas seus principais instrumentos de tutela: as áreas de preservação permanente – APP, e as reservas florestais legais previstas, respectivamente, nos incisos II e III do artigo 1º, serão fatalmente influenciadas por esse novo modelo de exploração florestal. Pode-se dizer que no atual estágio são imprevisíveis as conseqüências para esse tipo de vegetação protegida.
As APPs, segundo o inciso II, são áreas cobertas ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. A lei considera, pelo só fato de lá estarem previstas como tal, que são áreas de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou qualquer curso d’água, área esta variável em função da largura destes.
No projeto não há clareza no tratamento que será destinado às APPs, o que nos permite inferir que serão mantidas segundo o Código Florestal. O que não autoriza concluir que as APPs não serão atingidas pelo fato que o projeto destina-se à grandes áreas da amazônia, primeiro porque a lei não se limitará à amazônia, segundo porque mesmo a amazônia, principal foco, é uma das maiores bacias hidrográficas do planeta composta de inúmeros riachos e nascentes, com grandes áreas de preservação permanente que sofrerão indubitavelmente a influência direta dos exploradores.
Já a Reserva Legal, definida no inciso III como área localizada no interior de um propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas, estará fatalmente atingida pelo projeto.
Eis os limites definidos no Código Florestal na redação dada pela Medida Provisória 2.166-67/2001:
"Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:
I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;
II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7o deste artigo;
III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e
IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.
§ 1o O percentual de reserva legal na propriedade situada em área de floresta e cerrado será definido considerando separadamente os índices contidos nos incisos I e II deste artigo.
§ 2o A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e científicos estabelecidos no regulamento, ressalvadas as hipóteses previstas no § 3o deste artigo, sem prejuízo das demais legislações específicas.
§ 3o Para cumprimento da manutenção ou compensação da área de reserva legal em pequena propriedade ou posse rural familiar, podem ser computados os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas.
Aprovada a nova lei, os critérios de manejo florestal sustentável previstos no § 2º do art. 16 do Código Florestal, parecem estar cumpridos, possibilitando, assim, a exploração das áreas de reserva florestal legal. E não poderia ser diferente, na Amazônia, principal foco da lei de gestão de florestas públicas, os atuais percentuais de reserva legal são de 80% e seria pouco provável que investidores se interessassem em explorar lotes de 20% da área total concedida. Parece-nos, então que a nova lei de gestão está perfeitamente afinada com os interesses dos exploradores.
10. Conclusão
O projeto de gestão das florestas públicas, nas suas linhas atuais, visa maquiar a incapacidade gerencial de se enfrentar com eficácia a devastação da floresta brasileira, notadamente da floresta amazônica. Trata-se de uma tentativa de transferir à iniciativa privada a responsabilidade pela fiscalização e a culpa pelo desmatamento ilegal.
O Projeto de Lei, se aprovado, será um retrocesso na Política Nacional do Meio Ambiente. Melhor seria manter a política atual, a institucionalizar a devastação.
Referências bibliográficas:
01
Desafios do Direito Ambiental no Século XXI – Estudos em Homenagem a Paulo Afonso Leme Machado – Notas Sobre a Política Nacional do Meio Ambiente – Pág. 792 – Ed. Malheiros – 2005.02
www.ibama.gov.br03
www.mma.gov.br4 www.institutosocioambiental.org.br
07 Manual de Direito Administrativo – José Santos Carvalho Filho – Lumen Iuris – 2004.
08 Código Civil Brasileiro.
09Código Florestal Brasileiro