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Tribunal multiportas

Agenda 28/02/2006 às 00:00

Não há como negar que a crise do Poder Judiciário teve aspectos positivos, sendo talvez o maior deles a própria constatação da necessidade da reforma dos métodos tradicionais de solução dos litígios .Nesse passo, a instituição dos Juizados Especiais de Pequenas Causas foi verdadeiro marco de uma nova era, em que se tornou concreto o princípio constitucional de amplo acesso à Justiça .

Milhares de causas de pequena repercussão econômica, mas que representavam muitas vezes grandes transtornos no cotidiano das pessoas e certamente nunca chegariam aos tribunais, passaram a ter processamento rápido, satisfatório para os padrões até então considerados normais .Basta dizer que em janeiro deste ano o Conselho da Justiça Federal liberou valor superior a R$ 180 milhões aos cinco Tribunais Regionais Federais para pagamento de sentenças de pequeno valor da Justiça Federal contra a Previdência .As sentenças, dadas em dezembro de 2005 principalmente nos Juizados Especiais Federais, referem-se a um total de 19.708 ações em todo o país.

No entanto, muito há ainda a ser feito, notadamente quanto ao aprimoramento da efetividade e racionalidade dos serviços prestados .Uma das proposições dignas de nota, visando a emprestar maior celeridade à resolução dos conflitos, poderia ser inspirada em experiência que vem sendo desenvolvida nos países anglo-saxônicos referente à criação dos chamados tribunais multiportas (Multi-door Courthouse) .

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A concepção desse modelo alternativo de solução de litígios prevê a integração, em um único local, de vários modos de processamento de conflitos, tanto judiciais como extrajudiciais .Assim, em vez de haver apenas uma "porta" – o processo judicial – o tribunal "multiportas" englobaria sistema bem mais amplo, com vários tipos de procedimento concentrados em verdadeiro "centro de Justiça", organizado pelo Estado, no qual as partes podem ser direcionadas à porta adequada a cada disputa .

A principal característica do novo sistema está no seu procedimento inicial: ao se apresentar perante determinado tribunal, a pessoa passa por uma triagem para verificar qual processo seria mais recomendável para o conflito que a levou ao Poder Judiciário .Pode, assim, ser direcionada primeiramente para a porta da Administração Pública ou, então, para a porta dos conciliadores extrajudiciais, antes de ser encaminhada à Justiça.

A experiência do Tribunal Multiportas poderia ser largamente utilizada no Brasil, principalmente na área previdenciária .As questões contra o INSS representam hoje nada menos que 70% das demandas em primeira instância, em curso nos Juizados Especiais Federais .Isso porque, paradoxalmente, uma vez facilitado o acesso à Justiça, houve notória diminuição da procura pelos órgãos previdenciários para a postulação de pedidos tais como aposentadoria e revisão de benefícios, antes do ingresso na via judicial .Houve, em conseqüência, significativo aumento do número de processos judiciais nos quais não se tem caracterizado o conflito de interesses que, em regra, justifica a atuação judicial, pois o pedido não chega sequer a ser analisado na via administrativa .Desse modo, se por um lado se vê a ampliação do acesso à Justiça, por outro parece ocorrer verdadeira transformação do Judiciário em administrador de questões públicas, passando a assumir funções executivas que não são rigorosamente suas .

A perdurar esse estado de coisas, o resultado é facilmente previsível: incapacidade para atender à enorme demanda .E era uma vez um Juizado Especial .Abriu-se a porta de entrada, mas esqueceu-se de abrir também a de saída .Valeria a pena meditar-se sobre a conveniência da adoção do modelo das multiportas, em que, em um mesmo local, quem sabe no mesmo prédio onde funcionassem os Juizados Especiais, fosse oferecida ao cidadão a oportunidade de resolver o seu problema primeiramente no órgão previdenciário .De forma bastante simples, com a cooperação dos poderes Executivo e Judiciário, seria resolvida a maioria dos casos, sem o custo do processo judicial .A simplificação dos caminhos que levam à resolução das demandas é o elemento orientador de um processo inevitável de reforma, somente justificável se for feito para atender ao cidadão, que deve ser, a todas as luzes, o foco irradiador da legitimidade do sistema, para quem, ao final, se busca a realização da Justiça.

Sobre a autora
Mônica Sifuentes

Desembargadora Federal do TRF 1ª Região. Mestre em Direito Econômico e Doutora em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIFUENTES, Mônica. Tribunal multiportas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 972, 28 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8047. Acesso em: 19 dez. 2024.

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