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Aspectos controvertidos do leasing no direito brasileiro

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Agenda 05/03/2006 às 00:00

3 –Rescisão Contratual

A rescisão contratual pode ocorrer com a morte do arrendatário, pela superveniência de caso fortuito ou de força maior, término do contrato, perecimento do bem devido a sinistro ou acidente e pela resolução pelo inadimplemento das contraprestações. Assim, configura-se indispensável o estudo específico desse tema à medida que a rescisão motivada pela arrendatária poderá ensejar o pagamento das parcelas, seja vencidas ou vincendas, divergência esta estabelecida nos pretórios pátrios.

Ocorrendo a morte do arrendatário, evidentemente no caso de ser pessoa natural, extingue-se o contrato. O leasing envolve o uso da coisa em si pelo lesse, isto é, inexistindo prestação de serviço do lado do locador e nem se cogitando de atividades desenvolvidas pelo arrendatário, a morte acarretará somente a transferência do contrato aos herdeiros, nos termos da lei civil.

O segundo aspecto a ser estudado é a rescisão do contrato pela superveniência de caso fortuito ou força maior. Nesse diapasão, cumpre definir a força maior e o caso fortuito [74], nas palavras de Arnoldo Medeiros da Fonseca, para quem são expressões que encerram o mesmo sentido, o elemento objetivo, que é a inevitabilidade do evento, e o elemento subjetivo, considerado como a ausência de culpa no comportamento. [75] Diante de tais situações admite-se a resolução do contrato sem a imputação de multas e indenizações à arrendatária, a não ser quanto ao valor do bem, se impossível a devolução. Deve-se realçar que as prestações adimplidas, que significam amortização do preço, importam em pagamento de parcela do valor. O restante do preço é representado pela própria devolução do bem arrendado, o qual retorna para a arrendante.

Assim que expira o prazo estipulado no contrato encerram-se as relações entre as partes. Nesse sentido, cumpre destacar as palavras de Eduardo A. Barreira Defino: "Transcurrido el pertinente plazo par ejercer la opción de compra sin que el tomador la hubiere ejercido, significa que renuncia a adquirir el bien contratado, par lo tanto al vencimento Del plazo conctratual debe procederse a la restitución del mismo." [76]

Não é necessária a notificação de que não vai ser dada continuidade ao contrato. É o fim natural do contrato, por disposição das partes envolvidas. Trata-se de um contrato por prazo determinado, cessando o arrendamento assim que ocorra o termo do instrumento contratual. A duração é, em geral, de dois a cinco anos [77]. O arrendatário obriga-se, até a expiração do contrato, ao pagamento das prestações avençadas.

A rescisão contratual motivada pelo perecimento do bem em face de acidente e sinistro induz na extinção do contrato, devendo, entretanto, serem resguardados os direitos à sociedade arrendadora, através do pagamento de indenização, pelo menos, no valor do equipamento. Nesse particular não importa se a destruição ocorreu ou não por caso fortuito ou força maior. Por isso que as arrendadoras impõem a garantia do negócio através da celebração de um contrato de seguro, garantia esta que encontra respaldo na Resolução 2.309, artigo 7º, inciso IX, b.

Em inexistindo seguro, fica a arrendatária obrigada a continuar efetuado o pagamento das parcelas até o final o prazo estabelecido ou substituir o bem por outro idêntico, com a continuação da relação bilateral estabelecida. Isto porque o arrendatário não pode ser compelido a restituir o equipamento. [78]

A causa mais comum para ensejar a rescisão é a falta ou o atraso de pagamento das parcelas estipuladas, ou o subarrendamento a estranho sem o consentimento do arrendador. Devem ser acrescidos outros fatores, como o descumprimento de cláusulas atinentes à manutenção, ao emprego em atividade apropriada e ao pagamento de encargos públicos.

Acerca da rescisão pelo inadimplemento das prestações é que reside a divergência doutrinária e jurisprudencial. Assim, em termos, recebe a arrendante o bem e isenta-se o arrendatário das obrigações restantes. [79] Os defensores dessa tese alegam que a arrendadora, no caso de rescisão pelo inadimplemento das prestações, pode exigir as parcelas vencidas até a retomada da posse dos bens objeto do leasing, sem prejuízo das cláusulas penais previstas no instrumento contratual e eventuais ressarcimentos pelos danos ocasionados pelo uso indevido do bem. Esta é a posição adotada também por José Wilson Nogueira de Queiroz [80] e Arnaldo Rizzardo. [81]

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Corroborando a sustentação da tese acima suscitada, transcreve-s alguns julgados do Superior Trubunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa: LEASING - EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA - AVALISTA - INCLUSÃO DAS PARCELAS VINCENDAS - IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTES DO STJ. I - A obrigação cambial é autônoma mas o valor da nota promissória deve guardar coerência com os termos do contrato. II - Segundo Jurisprudência consolidada neste STJ, ocorrendo a resolução do contrato de leasing por inadimplemento do arrendatário e sendo retomado o bem, não se permite que o arrendador exija o pagamento das prestações vincendas. III - Recurso especial não conhecido. [82]

Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. PRESTAÇÕES VINCENDAS. Ocorrendo a resolução do contrato de leasing por inadimplemento do arrendatário e sendo retomado o bem, não se permite que o arrendador exija o pagamento das prestações vincendas. Precedentes da Corte. [83] [84]

Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL. Ação de revisão de clausulas contratuais cumulada com pedidos de repetição em dobro do indébito e declaração de inexistência de divida. 1. A resolução judicial do contrato de leasing por inadimplemento da arrendatário não legitima a empresa arrendadora a cobrança das contraprestações vincendas, somente autorizando-a a exigir o pagamento das vencidas e impagas ate a data da retomada de posse do bem arrendado, acrescidas dos encargos moratórios lícitos e eventuais danos do uso anormal desse bem. [...] Apelo improvido. [85]

Por outro lado, há autores que defendem que é legal a cobrança das parcelas vencidas e vincendas no caso de inadimplemento das prestações, sendo que a conseqüência natural do descumprimento do contrato é o vencimento antecipado da avenca. O professor Orlando Gomes sustenta a possibilidade de a empresa arrendadora cobra a totalidade das prestações:

O contrato de leasing extingue-se pelas causas determinantes da extinção de qualquer contrato por prazo determinado, e, assim, pelo advento do termo final, pelo mútuo consentimento ou pela inexecução culposa de uma das partes, vale dizer, infração de cláusula fundamental como, por exemplo, o atraso no pagamento dos aluguéis. Rescindido abusivamente pelo tomador do leasing, terá ele de pagar ao concedente todas as prestações que completariam o cumprimento integral da obrigação do pagamento do aluguel. [86]

Nesse mesmo diapasão, Fran Martins assim considera:

Assim, todas as prestações pactuadas são devidas, ainda mesmo que o arrendatário queira dar fim ao contrato, devolvendo o bem à arrendadora, antes de terminado o prazo contratual. Em virtude desse princípio, os contratos de leasing devem ser estudados em profundidade pelos arrendatários, pois ao firma-los, recebendo o bem arrendado, ficam com a obrigação de pagar, de modo convencionado, todas as prestações pactuadas. [87]

A jurisprudência, ao tratar do tema em estudo, manifesta-se no sentido de permitir somente a cobrança das parcelas vencidas até o momento da entrega do bem à arrendatária. Contudo, há posicionamento divergente o qual ora transcreve-se:

Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL - "Leasing" - Contrato de "lease-back" avençado com o BDMG - Vencimento antecipado - Falta de pagamento do valor locatício - Obrigatoriedade do pagamento das prestações vencidas e vincendas, sendo legais os juros cobrados pelo banco. Vencendo antecipadamente o contrato de lease back, por falta de pagamento do valor locatício, as prestações vencidas e vincendas devem ser pagas, como é de lei, sendo legais os juros cobrados pelo BDMG, não podendo a parte depositar parcelas simples acrescidas de juros anuais de 12%, baseada em norma constitucional de eficácia contida, que depende de regulamentação. [88]

Por fim, haja vista a importância de seu posicionamento, impende destacar a posição do Ministro Cláudio Santos, eis que é conclusiva:

Na rescisão unilateral do contrato de leasing financeiro por culpa do arrendatário, é meu entendimento, o arrendador pode cobrar todas as prestações vencidas e vincendas, além dos juros e multas pactuados, e, se o valor do bem retomado posteriormente e vendido não for suficiente para repor seu capital e frutos, receber indenização correspondente. [89]

Como alternativa coerente, tem a situação de deferir ao arrendador a rescisão do contrato, a reintegração de posse, eis que a propriedade da Res é da arrendadora -, o pagamento das prestações vencidas até o momento da reintegração, assim como a indenização por danos decorrentes do uso anormal do bem e a imposição das penalidades contratualmente estabelecidas.


4 –Purgação da Mora

Interessante controvérsia diz respeito à possibilidade de purgação da mora na reintegração de posse intentada pela arrendadora em face da arrendatária. Consoante disposto pelo artigo 394 do Código Civil brasileiro [90] "considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer."

A mora significa, destarte, o atraso ou a demora no cumprimento da obrigação assumida. Há a mora do devedor, ou solvendi, e a mora do credor, ou accipiendi, sendo que em ambos os caos há o atraso no prazo estabelecido para cumprir uma obrigação ou receber um crédito.

Nesse particular, verifica-se que a primeira, também denominada debitoris, acontece quando o devedor "não efetua o pagamento no tempo, ou lugar convencionados, ou, ainda, não cumpre a prestação pelo modo a que se obrigará". [91] A segunda, conhecida também como creditoris, não interessa ao estudo em comento, haja vista que o presente tópico visa a abordar a mora debitoris, na qual o devedor furta-se ao pagamento, dando causa ao atraso e determinando a responsabilidade pela demora em satisfazer as prestações.

A pergunta a ser respondida é a seguinte: É possível purgar a mora enquanto não resolvido o negócio? Na opinião de Arnaldo Rizzardo [92] "é evidente a resposta afirmativa quando o devedor é intimado em expediente próprio, noticiando a resolução se não satisfeita a dívida em um prazo concedido".

Ocorre que, no caso específico do arrendamento mercantil, não há disposição alguma na Lei nº 6.099/74 quanto à possibilidade de purgação da mora. Não obstante o silêncio da legislação específica, o Código Civil estabelece, em seu artigo 401, inc. I, que é possível ao devedor purgar a mora oferecendo a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes.

Assim, apesar do silêncio da Lei 6.099 acerca da possibilidade de purgação da mora, há doutrinadores que sustentam, tendo em vista que e referida lei possibilita a inclusão de cláusula resolutória expressa, a possibilidade de a arrendadora, uma vez caracterizada a mora do devedor, de dar por rescindido o contrato extrajudicialmente e reintegrar-se na posse do objeto, e assim não caber à arrendatária o direito de emendar a mora, posição esta que não possibilita ao devedor purgar a mora.

Ocorre que o entendimento da maioria da doutrina e jurisprudência é no sentido de possibilitar, conquanto o silêncio da legislação específica, a purgação da mora. Maria Helena Diniz expõe que:

Se o contrato de leasing não previa rescisão independentemente de notificação, havendo falta de pagamento de aluguéis ou de qualquer outra obrigação assumida, mesmo que a arrendadora tenha promovido ação de reintegração de posse para obter a devolução do bem, a arrendatária poderá purgar a mora até a contestação da lide. Todavia, pode acontecer que não mais seja viável a emenda da mora, p. ex., se o pagamento da prestação apresentar-se, na época, inútil aos interesses da arrendadora ou se o contrato ou a lei contiverem disposição prescrevendo que o simples inadimplemento levará à resolução de pleno direito, sem necessidade de interpelação ou notificação, para a constituição da mora." [93]

Da mesma maneira entende cabível a possibilidade de purgação da mora Arnaldo Rizzardo, sustentando que

"a começar pela semelhança com instituto afins, como a venda com reserva de domínio e a alienação fiduciária, nas quais é imperativa a necessidade de protesto do título, e conseqüentemente a permissão de seu resgate, presumem-se a necessidade da notificação e a faculdade em se purgar a mora." [94]

Por outro lado, Paulo Restife Neto [95] sustenta que uma das características do leasing, que o fazem distinto da locação, é a "permissibilidade de introdução de cláusula resolutória expressa no contrato, com previsão de possibilidade do locador, uma vez caracterizada a mora do devedor, dar por rescindida a avença extrajudicialmente e reintegrar-se na posse do objeto da locação."

O ministro Cláudio Santos afirma que

"como não existe nenhuma lei a dispor em contrário, o contrato de leasing pode conter cláusula resolutiva expressa, a prever sua rescisão na falta de cumprimento de qualquer das obrigações das partes, em especial, pelo não-pagamento dos valores estipulados, a título de pagamento pelo arrendamento, a cargo do arrendatário."

Nesse sentido cabe destacar alguns julgados, confirmando a posição da maioria da doutrina:

Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL - ´´LEASING´´. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSIBILIDADE DE PURGAÇÃO DA MORA PELO ARRENDATARIO. Tendo em vista a natureza e os objetivos do contrato de arrendamento mercantil, com a opção concedida ao arrendatario para a compra do bem, a possibilidade de purgação da mora preserva os interesses de ambas as partes e mantém a comutatividade contratual. Recurso especial conhecido pelo dissídio, mas ao qual se nega provimento.

No fundamento do voto:

"Impende salientar que em contratos outros, em que também se busca a aquisição de coisa móvel com pagamento de prestações, a purga da mora é, de regra, assegurada; assim nos contratos de compra e venda com reserva de domínio, ao comprador que houver pago mais de 40% do rpeço (CPC, art. 1.071, parágrafo segundo0; assim nos contratos de alienação fiduciária, em termos semelhantes (Decreto-lei 911, art. 3º, parágrafos primeiro e terceiro). Também não é dispiciendo ponderar que na recente Lei 8.078/90, relativa á proteção do consumidor, nos contratos de adesão, a cláusula resolutória é admitida, cabendo a escolha ao consumidor, ou seja, ao consumidor cabe exercer a opção de, ao invés da resolução do contrato em que incorreu um inadimplemento, ou mau adimplemento, postular o cumprimento da avenca pondo-se em dia suas obrigações, e efetuado, portanto, a purgação da mora em que incidira." [96]

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR. PURGA DA MORA. Incabível a reintegração de posse liminar quando o alegado esbulho se da em virtude, tão-só, da mora, e não de ato de violência, entendimento que se fortalece quando o arrendatário já pagou parte substancial do preço. Agravo de instrumento provido. [97]

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO - Reintegração de posse - Contrato de arrendamento mercantil - Leasing - Vencimento contratual decorrente do inadimplemento da arrendatária - Mora documentada pela notificação extrajudicial - Instituto que não se confunde com alienação fiduciária em garantia, sem possibilidade de espaço para purgação da mora - Recurso provido para deferir a antecipação dos efeitos da tutela, confirmada a liminar. [98]

Não obstante a divergência instaurada, há uma firme convicção dos tribunais no sentido de construir precedentes judiciais que funcionem como regras para controvérsias cuja solução não encontra respaldo adequado na lei. Assim, deve ser ressaltada a posição do STJ acerca da possibilidade de purgação da mora, ainda mais em tendo sido adimplido valor substancial do contrato (40%), devendo ser esta a tendência a predominar na jurisprudência, consolidando, no arrendamento mercantil, regras relativas à venda com reserva de domínio e alienação fiduciária.

A reparação da mora surgiu como medida de equidade para evitar as graves conseqüências sofridas pelo devedor, desde os primórdios do direto creditório entre os romanos [99], devendo ser possibilitada a purgação da mora também aos contratos de arrendamento mercantil.

Sobre o autor
Pablo Berger

advogado em Porto Alegre (RS), especializando em Direito Processual Civil pela PUC/SP, especializando em Direito Empresarial pela PUC/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERGER, Pablo. Aspectos controvertidos do leasing no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 977, 5 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8054. Acesso em: 24 nov. 2024.

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