A ONEROSIDADE EXCESSIVA PARA OS CONTRATOS E O CORONAVÍRUS
Rogério Tadeu Romano
Estima-se um intenso desemprego diante de uma recessão como consequências nefastas trazidas pelo coronavírus.
Como noticiou o Estadão, a gestão João Doria (PSDB) cogita aumentar ainda mais as restrições de acordo com a evolução da epidemia. "Existe uma gradação. O que estamos fazendo não é um isolamento. É um distanciamento social. O próximo passo, se houver necessidade, é um isolamento domiciliar ou social. E, se houve necessidade ainda de apertar mais esse cinto, aí seria o lockdown. E a característica, aí, é o uso da força policial para manter as pessoas em casa", afirmou Germann. "Não estamos nesta situação ainda, mas não sei se estaremos ou não”. Tal medida seria tomada no plano do exercício de um poder de polícia, mediante medidas autoexecutórias que objetivam, de forma proporcional e razoável, o bem estar da população, à luz do interesse público.
Há o que se chama de onerosidade excessiva.
Os agentes econômicos ficam sem recursos para o adimplemento de suas obrigações contratuais. Isso porque chegarão ao estado de insolvência. Seus salários poderão ser suspensivos por dois meses(antes se cogitava em quatro meses) e o com um auxílio-desemprego a ser concedida pelo Estado, mal terão condições de pagar os seus compromissos contratuais.
O caráter extraordinário e imprevisível da pandemia é inquestionável.
Fala-se, é certo, no princípio da autonomia da vontade, mas que sofre restrições, oriundas do dirigismo contratual, que, ao invocar a supremacia do interesse público, ínsita a um Estado Social, obriga o Estado a intervir na economia, intervêm no curso das relações contratuais, que não podem ser vistas como mero instrumento do Estado Burguês.
Não se trata de intervencionismo estatal, mas de promoção permitida dentro de um Código Civil de 2002, de índole liberal-social, de medida extraordinária em prol de uma parte devedora nitidamente alcançada por fatos imprevisíveis.
Aplicam-se os artigos 478 e 480 do Código Civil de 2002.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Assim, a onerosidade excessiva, oriunda de evento extraordinário e imprevisível, que dificulta extremamente o adimplemento da obrigação de uma das partes, é motivo de resolução contratual, por se considerar subentendida a cláusula rebus sic stantibus, que corresponde à fórmula de que, nos contratos de trato sucessivo ou a termo, o vínculo obrigatório ficará subordinado, a todo tempo, ao estado de fato vigente à época de sua estipulação. A parte lesada no contrato por estes acontecimentos supervenientes, extraordinários e imprevisíveis, que alterem profundamente a economia contratual, desequilibrando as prestações recíprocas, poderá, para evitar enriquecimento sem causa ou abuso de direito por desvio de finalidade econômico-social, sob a falsa aparência de legalidade, desligar-se de sua obrigação, pedindo a rescisão do contrato ou o até ajustar o contrato a valores possíveis diante de força maior.
Para Maria Helena Diniz(Curso de direito civil brasileiro, volume III, 24ª edição, pág. 164) a onerosidade excessiva está adstrita à resolução e não à revisão contratual, mas nada obsta a que o interessado(réu da ação de resolução do contrato) se ofereça, ante o princípio da conservação do negócio jurídico, na contestação ou na transação judicial para modificar a prestação, evitando a rescisão do contrato, a teor do disposto nos artigos 317 com o 479, e restabelecendo o equilíbrio contratual.
Necessário fazer a distinção entre rescisão e resolução do contrato:
A rescindibilidade do negócio jurídico prescinde de qualquer vício do consentimento ou de incapacidade da pessoa, sendo o seu pressuposto uma lesão.
Por lesão, como ensinou Roberto de Ruggiero (Instituições de direito civil, v. I, 3. ed., tradução de Ary dos Santos, p. 276), deve entender-se não a violação comum e genérica da esfera jurídica alheia, mas uma tão grave desproporção entre a prestação dada ou prometida e a contraprestação recebida ou prometida que origine um iníquo depauperamento de um e o injustificado e desproporcionado enriquecimento do outro. No sentido técnico, existe a lesão nos chamados contratos comutativos, quando a prestação de uma parte corresponde a uma prestação de outra tão gravemente desproporcionada que exceda quaisquer limites toleráveis da livre avaliação dessas partes acerca da vantagem ou do ônus que cada uma promete ou espera no contrato.
Diversa da rescisão é a revogabilidade, que não trata de um vício de imperfeição a abrir caminho à impugnação, mas trata-se de um caráter específico que apresenta o negócio jurídico e que consiste em que a vontade do indivíduo, posto que devidamente manifestada e capaz de produzir os seus efeitos próprios, continua ainda a pertencer ao sujeito, o qual pode assim retomá-la e impedir que produza o efeito a que se destinava: o declarante tem um ius poenitendi. Há negócios jurídicos que, pela sua própria natureza, são essencialmente revogáveis, o que depende do fato da vontade; posto que manifestados por formas legítimas, não são capazes de criar um direito subjetivo, mas, quando muito, uma simples expectativa, como, exemplificou Ruggiero, é o caso do testamento e de todas as disposições mortis causa; se a vontade destina-se a operar no tempo, o efeito não se esgotou, não se extinguiu com a simples declaração de vontade. É inerente a esses negócios a revogabilidade, sendo nula qualquer disposição em contrário. Será ainda o caso da doação que pode ser objeto de revogação, nas causas que a lei determina.
Diversa da rescindibilidade é a resolubilidade, que é aquela situação particular em que o negócio submete-se ao aparecimento de uma condição que opera o seu desaparecimento. Assim a vontade está, desde o início, circunscrita e limitada, de modo que, se a eventualidade prevista for verificada, considera-se como se nunca tivesse existido.
A revogação, como apontou Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, t. XXV, ed. Bookseler, p. 322), pode ter efeitos ex tunc ou ex nunc, conforme a natureza do contrato e da prestação. Quem revoga poderes outorgados que já foram em parte exercidos somente revoga ex nunc.
A revogação opera-se por ato do mundo fático, que é a retirada da vox, e dentro do tempo presente, se houve a prestação e era duradoura. Então não atinge o passado.
Ainda Maria Helena Diniz(obra citada, pág. 164) ensinou que devem ser vistos os seguintes requisitos: a) vigência de um contrato comutativo de execução continuada que não poderá ser aleatório, porque o risco é de sua própria natureza, e, em regra, uma só das partes assume deveres; b) alteração radical das condições econômicas no momento da execução do contrato, em confronto com as do instante de sua formação; c) onerosidade excessiva para um dos contratantes e benefício exagerado para o outro; d) imprevisibilidade e extraordinariedade daquela modificação, pois é necessário que as partes, quando celebraram o contrato, não possam ter previsto esse evento anormal, isto é, que está fora do curso habitual das coisas, pois não se poderá admitir a rebus sic stantibus se o risco advindo for normal do contrato, como se lê do artigo 478 do Código Civil.
Se o judiciário conceder ganho de causa, julgando procedente o pedido ou ainda que parcialmente, ter-se-á a liberação do devedor ou a redução da importância, ou melhor, das prestações ajustadas, e as que, porventura, foram dadas ou recebidas na pendência da lide estarão sujeitas a modificação na execução da sentença. A sentença terá caráter aqui meramente declaratório, daí porque irá retroagir ex tunc à data da citação(artigo 478 do CC).
Na matéria há a MP 2.172-32/01 onde se diz:
Art. 1o São nulas de pleno direito as estipulações usurárias, assim consideradas as que estabeleçam:
I - nos contratos civis de mútuo, taxas de juros superiores às legalmente permitidas, caso em que deverá o juiz, se requerido, ajustá-las à medida legal ou, na hipótese de já terem sido cumpridas, ordenar a restituição, em dobro, da quantia paga em excesso, com juros legais a contar da data do pagamento indevido;
II - nos negócios jurídicos não disciplinados pelas legislações comercial e de defesa do consumidor, lucros ou vantagens patrimoniais excessivos, estipulados em situação de vulnerabilidade da parte, caso em que deverá o juiz, se requerido, restabelecer o equilíbrio da relação contratual, ajustando-os ao valor corrente, ou, na hipótese de cumprimento da obrigação, ordenar a restituição, em dobro, da quantia recebida em excesso, com juros legais a contar da data do pagamento indevido.
Parágrafo único. Para a configuração do lucro ou vantagem excessivos, considerar-se-ão a vontade das partes, as circunstâncias da celebração do contrato, o seu conteúdo e natureza, a origem das correspondentes obrigações, as práticas de mercado e as taxas de juros legalmente permitidas.
Art. 2o São igualmente nulas de pleno direito as disposições contratuais que, com o pretexto de conferir ou transmitir direitos, são celebradas para garantir, direta ou indiretamente, contratos civis de mútuo com estipulações usurárias.
Art. 3o Nas ações que visem à declaração de nulidade de estipulações com amparo no disposto nesta Medida Provisória, incumbirá ao credor ou beneficiário do negócio o ônus de provar a regularidade jurídica das correspondentes obrigações, sempre que demonstrada pelo prejudicado, ou pelas circunstâncias do caso, a verossimilhança da alegação.
Art. 4o As disposições desta Medida Provisória não se aplicam:
I - às instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, bem como às operações realizadas nos mercados financeiro, de capitais e de valores mobiliários, que continuam regidas pelas normas legais e regulamentares que lhes são aplicáveis;
II - às sociedades de crédito que tenham por objeto social exclusivo a concessão de financiamentos ao microempreendedor;
III - às organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, devidamente registradas no Ministério da Justiça, que se dedicam a sistemas alternativos de crédito e não têm qualquer tipo de vinculação com o Sistema Financeiro Nacional.
Parágrafo único. Poderão também ser excluídas das disposições desta Medida Provisória, mediante deliberação do Conselho Monetário Nacional, outras modalidades de operações e negócios de natureza subsidiária, complementar ou acessória das atividades exercidas no âmbito dos mercados financeiro, de capitais e de valores mobiliários.
Art. 5o Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 2.172-31, de 26 de julho de 2001.
Art. 6o Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 7o Fica revogado o § 3o do art. 4o da Lei no 1.521, de 26 de dezembro de 1951.