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Covid-19: possibilidade de requisição administrativa de bens e serviços de ente federativo

Agenda 02/04/2020 às 16:50

A requisição administrativa pode ser feita por um ente político para a pessoa federativa (um estado requisitando bens e serviços públicos de um município, por exemplo)?

Diversas medidas vêm sendo tomadas pelos Governos Federal, Estaduais e Municipais para enfrentamento da pandemia de COVID-19, como dispensas de licitação, flexibilização de normas trabalhistas, fechamento de estabelecimentos, entre outras.

Uma das medidas adotadas pelo Município de Salvador foi a requisição administrativa de serviços de pessoas naturais e jurídicas, incluindo hospedagem em hotéis, motéis e pousadas, essenciais para o enfrentamento da pandemia decorrente do coronavirus (Decreto Municipal nº 32287 de 25/03/2020).

A requisição administrativa “é um ato administrativo unilateral e auto-executório que consiste na utilização de bens ou de serviços particulares pela Administração, para atender necessidades coletivas em tempo de guerra ou em caso de perigo público iminente, mediante pagamento de indenização a posteriori”[1].

Ou melhor: a requisição administrativa é a possibilidade de o Estado utilizar-se dos bens ou serviços de particulares, em casos iminente perigo público, indenizando o particular após o uso, se houver dano.

Esse instituto, previsto no inciso XXV do artigo 5° da Constituição, permite, por exemplo a requisição de leitos e serviços hospitalares, conforme artigo 15, XIII, da Lei Federal n° 8.080/90, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias”.

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Acontece que uma discussão pode ser reaberta na época que estamos vivendo: a requisição administrativa pode ser feita por um ente político sobre bens e serviços públicos de outra pessoa federativa?

De acordo com a Constituição, a requisição recai sobre bens e serviços particulares. Porém, em 2005, através do Decreto Federal n° 5.392/05 a União declarou estado de calamidade no setor hospitalar do SUS do Município Rio de Janeiro e por isso requisitou os bens, serviços e servidores de vários hospitais.

Por um olhar finalístico, buscando resguardar a saúde da população local, parece-nos ser razoável que a requisição possa recair sobre bens e serviços públicos, uma vez que se busca a salvaguarda dos interesses públicos, no caso, a saúde coletiva.

Noutra perspectiva, usar os bens e serviços de outro ente federativo (Estado ou Município), mediante requisição administrativa, viola o pacto federativo, pois interfere gravemente a autonomia dos entes federativos (artigos 1°, 18, 25 e 30 da Constituição).

No caso concreto do Decreto Federal n° 5.392/05, o STF reconheceu a nulidade do ato por falta de fundamentação. Ou seja, foi a não motivação que ensejou o restabelecimento da administração e gestão dos hospitais pelo Município do Rio de Janeiro (Mandado de Segurança n° 25.295-DF), não definindo se há possibilidade ou não de requisição sobre bens e serviços públicos.

No entanto, diante do cenário nacional de pandemia do coronavírus e colapso do sistema de saúde, essa questão pode ser ressuscitada e nos parece viável estabelecer desde já que não é possível a requisição administrativa de outro ente federativo. Isso porque estará compometendo gravemente o modelo federativo, que garante autonomia, adotado pela Carta Cidadã de 1988.

Sendo assim, caso um ente (União ou Estado) entenda ser necessária a utilização de bens ou serviços de outro ente federativo (Estado ou Município), deve fazer por intervenção (art. 34 a 36 da CF), tendo em vista que se exigem pressupostos e trâmite específico, e o rigor é compatível com a gravidade das medidas.


Nota

[1] http://raquelcarvalho.com.br/2019/03/29/requisicao-administrativa-aspectos-basicos-do-regime-juridico/

Sobre o autor
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Possui pós-graduações em Direito Público (Constitucional, Administrativo e Tributário) pelo Centro Universitário Estácio e em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente cursa especialização em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. É 1 Tenente R2 do Exército Brasileiro e membro ativo na Comissão Nacional de Direito Militar da ABA (Associação Brasileira de Advogados), além de integrar a Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Compõe o Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais da UNIFIEO e da Editora Mente Aberta. Atua como Professor de Direito Administrativo na Múltipla Difusão do Conhecimento, onde também coordena o curso preparatório para a 2 fase do Exame da OAB em Direito Administrativo. Advogado contratado pelas Obras Sociais Irmã Dulce, com experiência em Direito Administrativo e Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Jamil Pereira. Covid-19: possibilidade de requisição administrativa de bens e serviços de ente federativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6119, 2 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80652. Acesso em: 22 dez. 2024.

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