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Quem não quer correr riscos não deve sair de casa.

Agenda 05/04/2020 às 12:30

Situações de crise exigem medidas sem precedentes, mas que sejam adequadas para garantir a continuidade das operações e a segurança das pessoas. Felizmente, o home office se apresentou como solução para muitas empresas e funcionários nessa pandemia de covid-19.

Pode ser que vocês já tenham visto por aí alguma variação da piada com a questão de prova sobre quem acelerou a transformação digital na sua empresa, perguntando se foi o Marketing, o CEO, o TI ou o Coronavírus. Fato é que muitas empresas naturalmente viram no home office uma solução para continuarem operando durante a pandemia de COVID-19 – e essa solução foi uma ótima notícia para quem já tinha essa possibilidade mas não a exercia com receio de ser mal visto por gestores e colegas e para quem estava aguardando o dia que a empresa ofereceria esta modalidade de maneira mais ampla.

Muitas empresas já adotam essa prática pois percebem que, apesar de gerar alguns riscos, o home office traz benefícios para sua operação como aumento da produtividade, redução de custos relacionados a espaço físico, energia, internet, água, etc., e também redução do risco de acidentes de trabalho.

Mas afinal, podemos todos trabalhar de casa sem preocupações? Há riscos nessa prática? E se o funcionário não possui equipamento para trabalhar neste momento, ele vai ser demitido? Vamos explorar estas e outras questões considerando a principal lei do tema, a CLT reformada em 2017 e também a recente Medida Provisória nº 927 de 22 de Março de 2020.


TELETRABALHO E HOME OFFICE SÃO A MESMA COISA?

É de se esperar que não vamos encontrar a expressão home office na CLT, que é uma legislação nacional, então por lá o tema é encontrado com o nome de Teletrabalho.

A CLT define o Teletrabalho[1] como a prestação de serviços realizada predominantemente fora das dependências da empresa com a utilização de ferramentas de tecnologia da informação e de comunicação. Assim o trabalho não precisa ser necessariamente na residência do funcionário, mas essa é a solução principal para este momento de pandemia. São exemplos de ferramentas o laptop, o smartphone, aplicativos fornecidos pela empresa e a conexão à internet.

Importante mencionar que a possibilidade de trabalhar 1 ou 2 dias a partir de casa que algumas empresas oferecem aos seus funcionários (e que chamamos de home office por motivos bem óbvios), não é o regime de Teletrabalho mencionado na CLT. Na realidade, esse é o regime presencial flexibilizado com home office, que ainda requer que o funcionário esteja presencialmente na empresa na maior parte da sua semana de trabalho.

Com o forte impacto da pandemia no Brasil e no mundo, as empresas viram como solução a efetiva mudança do regime presencial para o regime de Teletrabalho, efetivamente eliminando (e em vezes até proibindo) a ida de seus funcionários ao escritório, salvo em condições excepcionais ou previamente definidas com o objetivo de obedecer às recomendações de prevenção das autoridades e de resguardar a saúde de seus funcionários e familiares. Este é o verdadeiro regime de Teletrabalho previsto na CLT pós-reforma.


QUAIS SÃO AS REGRAS APLICÁVEIS?

Agora que sabemos exatamente o que é home office, vamos rapidamente falar das regras vigentes aplicáveis a essa forma de trabalho: 

1.       Regime presencial pode se transformar em home office, e vice-versa

As empresas podem substituir um regime presencial por home office ou vice-versa mediante aditivo ao contrato de trabalho[2], obedecendo prazo mínimo de transição de 15 dias[3]. É necessário que as atividades a serem desenvolvidas no regime de home office façam parte do contrato de trabalho.[4]

A MP 927/2020 flexibilizou estes procedimentos, tornando temporariamente desnecessária a anotação prévia desta alteração nos contratos de trabalho e também alterou o prazo mínimo de transição para 48 horas.[5]

Outra flexibilização trazida pela MP 927/2020 foi a possibilidade de estagiários e jovens aprendizes também trabalharem sob este regime durante a pandemia.[6]

2.       A responsabilidade sobre fornecimento de equipamentos e de outros custos associados ao home office deve ser acordada entre empresa e funcionário

A CLT não atribuiu responsabilidade exclusiva à empresa por fornecer equipamentos e por arcar com os custos da infraestrutura necessária a cada funcionário, o que significa que é uma negociação livre entre empresa e funcionário ou mesmo entre empresa e sindicato e deve estar formalizada em contrato.[7]

É importante que as empresas observem acordos ou convenções coletivas vigentes de sua categoria que podem ter estabelecido obrigações, como por exemplo, reembolso de 50% dos custos com a contratação de provedores de internet. Por outro lado, os funcionários devem conhecer as Políticas da empresa relacionadas ao tema, como por exemplo: Benefícios, Reembolso de Despesas, Home Office, Plano de Recuperação de Desastres, Plano de Crises, etc., para saber se a empresa previu algum tipo de auxílio que pode ser aplicável neste momento.

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Nada impede também que a empresa, neste momento de pandemia, conceda um auxílio pontual para garantir que seus funcionários tenham condições mínimas para continuarem trabalhando de forma produtiva e segura nesta alteração de regime. As empresas não precisam se preocupar pois essa eventual liberalidade não será integrada à remuneração do funcionário.[8]

A MP 927/2020 também trouxe inovações neste tópico: foi permitida a extensão do prazo para se concluir o contrato com as responsabilidades sobre custos em até 30 dias corridos da data de mudança do regime e deu duas alternativas à empresa no caso do funcionário não possuir equipamentos e/ ou infraestrutura necessária para este momento de pandemia, sendo:

1)      Emprestar equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura que não caracterizarão verba de natureza salarial.

2)      Caso não possua equipamento para disponibilizar, computar o período de jornada normal de trabalho como tempo a disposição da empresa, garantindo a remuneração do funcionário.[9]

Portanto, ninguém deve ser demitido simplesmente pelo fato de não possuir equipamento ou infraestrutura para trabalhar de casa, especialmente por esta pandemia ser uma situação amplamente reconhecida como imprevisível.

3.       Hora extra não se aplica ao regime de Home Office

A partir da reforma trabalhista de 2017 restou esclarecido na legislação que o funcionário que trabalha em regime de home office não está sujeito ao controle de jornada, portanto não sendo elegível ao recebimento de horas extras.[10]

Para também dar segurança especificamente neste momento de pandemia, a MP 927 determina que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal não constitui tempo à disposição, prontidão ou sobreaviso da empresa, evitando que haja necessidade de pagamento de verbas salariais nessa hipótese.

Neste caso também cabe à empresa checar os acordos e/ ou convenções coletivas dos quais participa para ter certeza que não há disposições em contrário, uma vez que o pagamento de horas extras neste regime pode ser pactuado.

4.       As empresas continuam sendo responsáveis por ajudar a evitar doenças e acidentes de trabalho em Home Office

Ao adotar o Home Office, as empresas devem instruir seus funcionários quanto a iniciativas e cuidados que previnam doenças e acidentes de trabalho. Essas instruções devem ser feitas de forma expressa e ostensiva nos termos da CLT, o que significa que devem ser sempre documentadas e em frequência adequada.[11]

Adicionalmente, a empresa deve providenciar um Termo de Responsabilidade a ser assinado pelo funcionário que se compromete a seguir as instruções fornecidas.[12]

As exigências administrativas em Segurança e em Saúde no Trabalho também foram flexibilizadas pela MP 927/2020. Neste contexto a MP suspende os prazos legais para realização de treinamentos obrigatórios previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho[13], porém, não é explícito que isso se aplica também ao requisito mencionado anteriormente do Termo de Responsabilidade assinado pelo funcionário. Desta forma, é recomendável que as empresas estejam com estes termos em dia.


E QUAIS SÃO OS RISCOS QUE O HOME OFFICE TRAZ?  

O brocardo “Quem não quer correr riscos não deve sair de casa.” não se aplica aqui. Talvez já tenha sido possível notar alguns dos riscos que o Home Office traz tanto para empresas como para funcionários, mas vamos elencar alguns exemplos de ambos os lados.

A.      Riscos para as Empresas

B.      Riscos aos Funcionários


CONCLUSÕES

Situações de crises exigem medidas às vezes sem precedentes mas que sejam adequadas para garantir a continuidade das operações e a segurança das pessoas. Felizmente, o Home Office se apresentou como solução para empresas e funcionários nessa pandemia de COVID-19.

No entanto, a legislação e os princípios trabalhistas não deixaram de vigorar nessa pandemia, muito pelo contrário, são frequentemente lembrados e foram objeto de discussões no Poder Público para garantir algumas flexibilizações temporárias em resposta à pandemia. Assim que passarmos por este momento difícil, muitas dessas flexibilizações deixarão de existir e as empresas precisarão novamente garantir que estão totalmente adaptadas à legislação trabalhista.

Ter integração e suporte das áreas Jurídica e de Compliance com os times internos de gestão assegura que, além dos riscos da pandemia, não sejam criados mais riscos que possam trazer prejuízos após o fim dessa crise, momento em que todos deverão focar para retomar os resultados perdidos e sacrificados nesse infeliz momento da nossa história – que certamente será ultrapassado e nos dará condições de acelerar a transformação digital da empresa para ganhar vantagem competitiva e novos negócios, e não apenas para manter a sobrevivência básica.


Notas

[1] Art. 75-B da CLT (Decreto-Lei 5.452/1943 atualizado pela Lei 13.467/2017).

[2] Art. 75-C, §1º da CLT (Decreto-Lei 5.452/1943 atualizado pela Lei 13.467/2017).

[3] Art. 75-C, §2º da CLT (Decreto-Lei 5.452/1943 atualizado pela Lei 13.467/2017).

[4] Art. 75-C, caput da CLT (Decreto-Lei 5.452/1943 atualizado pela Lei 13.467/2017).

[5] Art. 4º, caput e §1º da Medida Provisória 927 de 22 de Março de 2020.

[6] Art. 5º, caput da Medida Provisória 927 de 22 de Março de 2020.

[7] Art. 75-D, caput da CLT (Decreto-Lei 5.452/1943 atualizado pela Lei 13.467/2017).

[8] Art. 75-D, parágrafo único da CLT (Decreto-Lei 5.452/1943 atualizado pela Lei 13.467/2017).

[9] Art. 4º, parágrafo §4º, incisos I e II da Medida Provisória 927 de 22 de Março de 2020.

[10] Art. 62, inciso III da CLT (Decreto-Lei 5.452/1943 atualizado pela Lei 13.467/2017).

[11] Art. 75-E caput da CLT (Decreto-Lei 5.452/1943 atualizado pela Lei 13.467/2017).

[12] Art. 75-E, parágrafo único da CLT (Decreto-Lei 5.452/1943 atualizado pela Lei 13.467/2017).

[13] Art. 16, caput da Medida Provisória 927 de 22 de Março de 2020.

[14] https://www.cnj.jus.br/cnj-servico-o-que-e-o-crime-de-importunacao-sexual/. Acessado em 02/04/2020.

Sobre o autor
Joelson Pereira dos Santos

Advogado, Administrador e Tecnólogo em Sistemas de Informação com mais de 14 anos de experiência em Compliance e Governança Corporativa, principalmente no mercado da saúde, em empresas como Novartis, Daiichi-Sankyo, CVS Health e Allergan.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Joelson Pereira. Quem não quer correr riscos não deve sair de casa.: Isto vale para empresas e funcionários em home office?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6122, 5 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80830. Acesso em: 22 nov. 2024.

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