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A circulação de idosos durante a pandemia

Agenda 14/05/2020 às 17:30

Reflete-se sobre os decretos municipais de restrição à circulação de pessoas com mais de 60 anos e a posição do STF sobre eles.

I – O FATO

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, negou pedido do Município de Santo André (SP) contra decisão que suspendeu decreto sobre restrição à circulação de pessoas com mais de 60 anos no município. Entre outros pontos, o ministro alegou que não há parecer técnico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que recomende essa "medida extrema".

O Município de Santo André (SP) editou decreto, em 23 de março, com a restrição à circulação de idosos, como medida para tentar evitar a propagação do coronavírus. Ação civil pública questionou a norma e o Tribunal de Justiça de São Paulo deu liminar e suspendeu o decreto. O município recorreu.

O ministro Toffoli pontuou que o decreto do governo de São Paulo sobre o assunto apenas recomenda que “a circulação de pessoas no âmbito do Estado de São Paulo se limite às necessidades imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercício de atividades essenciais”.

"Vê-se, então, claramente, que não há norma similar, nesse referido Decreto, pois ele não restringe coercitivamente a circulação de ninguém, limitando-se a expedir uma recomendação. Assim, muito embora não se discuta, no caso, o poder que detém o chefe do executivo municipal para editar decretos regulamentares, no âmbito territorial de sua competência, no caso concreto ora em análise, para impor tal restrição à circulação de pessoas, deveria ele estar respaldado em recomendação técnica e fundamentada da ANVISA, o que não ocorre na espécie", alegou o ministro Toffoli ao confirmar a suspensão do decreto.

Anteriormente, o ministro Toffoli confirmou suspensão de decreto que restringia circulação de idosos em São Bernardo do Campo/SP.

A decisão se deu no âmbito da suspensão liminar 1.309 proposta pelo município de São Bernardo do Campo contra decisão do TJ/SP que havia sustado os efeitos do decreto municipal 21.118/20, que restringiu a circulação de pessoas com mais de 60 anos para diminuir os impactos do contágio pela covid-19.

O município alegou, entre outros pontos, que a medida sanitária atendia a recomendações para impedir a disseminação do coronavírus sob o risco de lesão à ordem, saúde e economia pública local. Justificava ainda que o decreto buscava a proteção da vida e que "não se pode deixar a opção de adesão às ordens de confinamento ao livre arbítrio de cada qual".

Ao analisar o caso, Toffoli entendeu que nenhuma norma editada recentemente visando ao enfrentamento à proliferação do novo coronavírus, em âmbito nacional, impõe "restrições ao direito de ir e vir de quem quer que seja". Ele citou como exemplo o decreto do Estado de São Paulo, que recomenda a circulação de pessoas desde que limitada às atividades essenciais como alimentação e cuidados com a saúde.

O ministro, ao negar seguimento a pedido, asseverou:

"Todos os esforços pelos órgãos públicos devem ocorrer de forma coordenada, capitaneados pelo Ministério da Saúde, sendo certo que decisões isoladas parecem mais dotadas do potencial de ocasionar desorganização na administração pública como um todo, atuando até mesmo de forma contrária à pretendida".

 Tampouco em âmbito federal, existe determinação semelhante, sendo certo que a legislação mencionada pelo requerente, a Lei nº 13.979/20, determina, em seu artigo 3º, inciso VI, alínea “b”, possível restrição à locomoção interestadual e intermunicipal, que teria sempre o caráter de excepcional e temporária e sempre seguindo recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Já a referida Portaria nº 454/20, do Ministério da Saúde, especificamente no tocante a pessoas maiores de 60 anos de idade, apenas “impõe o dever de observar o distanciamento social, restringindo seus deslocamentos para realização de atividades estritamente necessárias, evitando transporte de utilização coletiva, viagens e eventos esportivos, artísticos, culturais, científicos, comerciais e religiosos e outros com concentração próxima de pessoas”.


II – A SUSPENSÃO DE LIMINAR

A decisão se deu na SL 1.309.

A Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, em seu artigo 4º, determinou que compete ao Presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

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Por força do parágrafo primeiro daquele artigo 4º, aplica-se o disposto à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.

Na visão de Celso Agrícola Barbi, trata-se de providência de caráter cautelar aquela que, na classificação de Calamandrei, diz respeito a medidas que antecipam a decisão do litígio, isto é, que se destinam a provocar uma decisão provisória, enquanto não se obtém a decisão definitiva.


III – O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

A decisão de impedir a locomoção de idosos em qualquer hipótese fere ao princípio da proporcionalidade.

Em resumo, do que se tem da doutrina no Brasil, em Portugal, dos ensinamentos oriundos da doutrina e jurisprudência na Alemanha, extraímos do princípio da proporcionalidade, que tanto nos será de valia para adoção dessas medidas não prisionais, os seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

Tem-se o princípio da proporcionalidade em sentido amplo.

O fundamento constitucional do princípio da proporcionalidade em sentido amplo é derivado do Estado de Direito para alguns autores, enquanto para outros decorre dos conteúdos dos direitos fundamentais, ou, ainda, pode decorrer do principio do devido processo legal.

De toda sorte, proíbe-se o excesso, levando a exigência da análise da relação meios e fins. A expressão “princípio da proibição do excesso” é aplicável no âmbito do controle legislativo, onde “suscita o problema do espaço da decisão dos órgãos legiferantes, questionando a adequação dos atos legislativos aos fins expressos ou implícitos das normas constitucionais. Sendo assim as valorações do legislador não podem ser isoladas. Elas têm de ser relacionadas com outras valorações que estão por detrás da lei e imprimem o seu cunho ao direito.

Assim o fim não pode ser atingido de outra maneira que afete menos ao indivíduo, algo que deve ser extraído do caráter das normas de direito fundamental.

A opção feita pelo legislador ou o executivo deve ser passível de prova no sentido de ter sido a melhor e única possibilidade viável para a obtenção de certos fins e de menor custo ao indivíduo. O atendimento à relação custo-benefício de toda decisão político-jurídica deve preservar o máximo possível de direito que possui o cidadão.

Pois bem: a lei de ponderação, que é a Lei nº 13.979/20, determina, em seu artigo 3º, inciso VI, alínea “b”, possível restrição à locomoção interestadual e intermunicipal, que teria sempre o caráter de excepcional e temporária e sempre seguindo recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Ela deve ser interpretada de modo a eliminar a irracionalidade da interpretação ou concretização da Constituição, daí a proporcionalidade em sentido estrito.

Aliás, o princípio da liberdade jurídica impõe que se restrinjam o menos possível os direitos.

Daí porque se pergunta: Há recomendações do Ministério da Saúde e das instituições de saúde, hoje, impedindo o acesso dos idosos aos locais públicos, no que concerne aos chamados serviços que envolvam atividades essenciais como supermercado, bancos, lotéricas, padarias, farmácias? Parece-nos que não.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A circulação de idosos durante a pandemia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6161, 14 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81417. Acesso em: 25 dez. 2024.

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