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Crimes previstos no Estatuto do Desarmamento.

Regras atinentes às atividades com produtos controlados e complementação às suas normas penais em branco

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Agenda 23/03/2006 às 00:00

O Estatuto do Desarmamento estabelece regras para posse, comércio e tráfico de armas, dependendo de outras normas para sua aplicação.

O presente estudo tem por finalidade, sem a pretensão de esgotar o tema, expor o tratamento normativo-legal dado às diversas condutas relacionadas à movimentação de armas de fogo, munição e acessórios, que foram elevadas a categoria de crimes com o advento da Lei n.º 10.826/03.

Parte dos crimes previstos nessa lei, comumente denominada "Estatuto do Desarmamento", são constituídos das chamadas "normas penais em branco", isto é, dispositivos que necessitam ser complementados por outras normas, inclusive de hierarquia "inferior" (tais como decretos, regulamentos e portarias), para aplicação aos casos in concreto. 1

Desse modo, necessário se faz conhecer os dispositivos legais ou infralegais que complementam os tipos penais previstos no Estatuto, para que o operador do direito que se depare com as hipóteses de posse, comércio e tráfico ilícito de armas saiba identificar, na prática, que uma conduta tida como delitiva foi perpetrada "sem autorização" e/ou "em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Serão tratados os aspectos referentes à legislação e aos delitos em si que dependem de outras normas para viger, isto é, necessitam de complemento.


Da Legislação de Regência

Em linhas gerais, cumpre-nos, primeiramente, tecer alguns comentários sobre a legislação que disciplina os assuntos relacionados às armas de fogo, munição, acessórios e demais produtos chamados "controlados".

De acordo com o art. 24. do Estatuto do Desarmamento, a autorização e fiscalização da produção, comércio, importação e exportação de produtos controlados é atribuição do Comando do Exército brasileiro.

O art. 23. revela que também é de sua atribuição dispor sobre a classificação técnica, legal e geral dos produtos controlados, incluindo sua qualidade de produto restrito ou permitido, o que seria disciplinado por ato do Chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército.

Essa parte final do art. 23. guarda clara correlação com o já vigente Decreto n.º 3.665 de 20 de novembro de 2000, o qual aprovou o Regulamento 105, do Comando do Exército (R-105), disciplinando as atividades referentes aos produtos controlados.

Como não contrariou as regras insculpidas no Estatuto do Desarmamento, tem-se que o Decreto n.º 3.665/00, com irrelevantes restrições, foi plenamente recepcionado pela nova ordem jurídica relacionada a armas de fogo e demais produtos controlados, e, não bastasse isso, passou a ser, juntamente com as portarias baixadas pelo Comando do Exército, uma fonte normativa suplementar aos delitos tipificados no Estatuto do Desarmamento.

Ressalte-se que, além das armas de fogo, munição e acessórios 2, outros produtos controlados foram assim classificados no Anexo I do R-105, estando, entre eles, os explosivos, seus componentes, substâncias, produtos químicos e equipamentos.


Armas, Munições e Acessórios de Uso Permitido e de Uso Restrito (ou proibido)

Em atenção ao retromencionado art. 23. do Estatuto, a classificação de armas de fogo, munição e acessórios como de uso restrito (ou proibido) ou de uso permitido é feita tanto por seu regulamento (Dec. n.º 5.123/04), como, principalmente, pelo R-105 (Decreto n.º 3.665/00).

Segundo o art. 10. do Decreto n.º 5.123/04, arma de fogo de uso permitido "é aquela cuja utilização é autorizada a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do Comando do Exército e nas condições previstas na Lei nº 10.826/03".

Já o art. 11. dispõe que arma de fogo de uso restrito "é aquela de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército, de acordo com legislação específica".

Note-se que os artigos 10 e 11 acima citados referem-se apenas às armas de fogo. Para conhecer a classificação das munições e acessórios, devemos nos socorrer das normas constantes do R-105, que no inciso LXXIX de seu art. 3º, define: "a designação ‘de uso permitido’ é dada aos produtos controlados pelo Exército, cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com a legislação normativa do Exército".

Já os incisos LXXX e LXXXI do mesmo art. 3º dispõem que "a antiga designação ‘de uso proibido’ é dada aos produtos controlados pelo Exército designados como ‘de uso restrito’" e que "a designação ‘de uso restrito’ é dada aos produtos controlados pelo Exército que só podem ser utilizados pelas Forças Armadas ou, autorizadas pelo Exército, algumas Instituições de Segurança, pessoas jurídicas habilitadas e pessoas físicas habilitadas".

Especificando quais armas de fogo e munições são de calibre restrito (ou proibido) e permitido, bem como respectivos acessórios e equipamentos, os artigos 16 e 17 do mesmo R-105 explicam que (ipsis literis):

Art. 16. São de uso restrito:

I - armas, munições, acessórios e equipamentos iguais ou que possuam alguma característica no que diz respeito aos empregos tático, estratégico e técnico do material bélico usado pelas Forças Armadas nacionais;

II - armas, munições, acessórios e equipamentos que, não sendo iguais ou similares ao material bélico usado pelas Forças Armadas nacionais, possuam características que só as tornem aptas para emprego militar ou policial;

III - armas de fogo curtas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres. 357. Magnum, 9 Luger,. 38. Super Auto,. 40. S&W,. 44. SPL,. 44. Magnum,. 45. Colt e. 45. Auto;

IV - armas de fogo longas raiadas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo,. 22-250,. 223. Remington,. 243. Winchester,. 270. Winchester, 7 Mauser,. 30-06,. 308. Winchester, 7,62 x 39,. 357. Magnum,. 375. Winchester e. 44. Magnum;

V - armas de fogo automáticas de qualquer calibre;

VI - armas de fogo de alma lisa de calibre doze ou maior com comprimento de cano menor que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros;

VII - armas de fogo de alma lisa de calibre superior ao doze e suas munições;

VIII - armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, com calibre superior a seis milímetros, que disparem projéteis de qualquer natureza;

IX - armas de fogo dissimuladas, conceituadas como tais os dispositivos com aparência de objetos inofensivos, mas que escondem uma arma, tais como bengalas-pistola, canetas-revólver e semelhantes;

X - arma a ar comprimido, simulacro do Fz 7,62mm, M 964, FAL;

XI - armas e dispositivos que lancem agentes de guerra química ou gás agressivo e suas munições;

XII - dispositivos que constituam acessórios de armas e que tenham por objetivo dificultar a localização da arma, como os silenciadores de tiro, os quebra-chamas e outros, que servem para amortecer o estampido ou a chama do tiro e também os que modificam as condições de emprego, tais como os bocais lança-granadas e outros;

XIII - munições ou dispositivos com efeitos pirotécnicos, ou dispositivos similares capazes de provocar incêndios ou explosões;

XIV - munições com projéteis que contenham elementos químicos agressivos, cujos efeitos sobre a pessoa atingida sejam de aumentar consideravelmente os danos, tais como projéteis explosivos ou venenosos;

XV – espadas e espadins utilizados pelas Forças Armadas e Forças Auxiliares;

XVI - equipamentos para visão noturna, tais como óculos, periscópios, lunetas, etc;

XVII - dispositivos ópticos de pontaria com aumento igual ou maior que seis vezes ou diâmetro da objetiva igual ou maior que trinta e seis milímetros;

XVIII - dispositivos de pontaria que empregam luz ou outro meio de marcar o alvo;

XIX - blindagens balísticas para munições de uso restrito;

XX - equipamentos de proteção balística contra armas de fogo portáteis de uso restrito, tais como coletes, escudos, capacetes, etc; e

XXI - veículos blindados de emprego civil ou militar.

Art. 17. - São de uso permitido:

I - armas de fogo curtas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres. 22. LR,. 25. Auto,. 32. Auto,. 32. S&W,. 38. SPL e. 380. Auto;

II - armas de fogo longas raiadas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres. 22. LR,. 32-20,. 38-40 e. 44-40;

III - armas de fogo de alma lisa, de repetição ou semi-automáticas, calibre doze ou inferior, com comprimento de cano igual ou maior do que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros; as de menor calibre, com qualquer comprimento de cano, e suas munições de uso permitido;

IV - armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, com calibre igual ou inferior a seis milímetros e suas munições de uso permitido;

V - armas que tenham por finalidade dar partida em competições desportivas, que utilizem cartuchos contendo exclusivamente pólvora;

VI - armas para uso industrial ou que utilizem projéteis anestésicos para uso veterinário;

VII - dispositivos óticos de pontaria com aumento menor que seis vezes e diâmetro da objetiva menor que trinta e seis milímetros;

VIII - cartuchos vazios, semi-carregados ou carregados a chumbo granulado, conhecidos como "cartuchos de caça", destinados a armas de fogo de alma lisa de calibre permitido;

IX - blindagens balísticas para munições de uso permitido;

X - equipamentos de proteção balística contra armas de fogo de porte de uso permitido, tais como coletes, escudos, capacetes, etc; e

XI - veículo de passeio blindado.


Regras Atinentes às Atividades que Envolvem Produtos Controlados

Além da classificação dos produtos como controlados, delimitando os conceitos legais de arma de fogo e seus tipos, munição, acessório, uso restrito, uso proibido etc, o Decreto n.º 3.665/00, juntamente com o Decreto n.º 5.123/04, detalhou as normas para o controle da fabricação, uso, trânsito e comércio interno e externo (importação, exportação e desembaraço alfandegário) de tais produtos no país, tudo, como demonstrado, a cargo do Comando do Exército.

A unidade do Comando do Exército responsável pelo controle e fiscalização é a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados – DFPC, órgão Central, e suas projeções regionais, os Serviços de Fiscalização de Produtos Controlados – SFPC´s.

Além das fiscalizações de rotina previstas na legislação, as unidades militares também emitem os registros necessários para licença das pessoas físicas ou jurídicas que pretendam lidar com produtos controlados.

São registros obrigatórios expedidos pelo Exército, com validade de até três anos renovável a critério da autoridade militar competente (geralmente 1 ano para pessoa física e dois anos para pessoa jurídica, conforme Portaria n.º 007-DLOG, de 05.05.05, do Ministério do Exército):

O registro contém, ordinariamente, os dados do produto, o nome da pessoa física ou jurídica e as atividades autorizadas.

Abaixo colacionamos quadros resumidos das regras constantes do Decreto n.º 3.665/00 (R-105) e do Decreto n.º 5.123/04 (regulamento do Estatuto) para conhecimento. Há notícia de que o R-105 vem sendo reformulado para adaptação definitiva ao Estatuto e às normas mundiais de controle das transferências internacionais de armas de fogo, porém acreditamos que não serão efetuadas mudanças que alterem significativamente sua essência.


QUADROS-RESUMO DAS NORMAS DISCIPLINADORAS

COMÉRCIO DE PRODUTOS CONTROLADOS

TRANSPORTE E TRÁFEGO COMERCIAL DE PRODUTOS CONTROLADOS

OFICINAS DE MANUTENÇÃO, RECUPERAÇÃO E REPARAÇÃO DE ARMAS (ARMEIROS) 3

ATIRADORES, COLECIONADORES E CAÇADORES ESPORTISTAS 4

IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS CONTROLADOS

EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS CONTROLADOS

DESEMBARAÇO ALFANDEGÁRIO 6 DE PRODUTOS CONTROLADOS

Obs: Em relação às normas que regem as transferências internacionais, além de algumas iniciativas pioneiras, muitas das disposições legais vigentes no Brasil têm inspiração direta nas convenções e protocolos multilaterais ratificados pelo Brasil, podendo ser mencionada a "Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e Outros Materiais Relacionados", da Organização dos Estados Americanos (CIFTA/OEA), celebrada em 13.11.97 e promulgada pelo Decreto nº 3.229/99 e a "Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional" (Convenção de Palermo), celebrada em 15.11.00 e promulgada pelo Decreto nº 5.015/04, sendo recentemente suplementada pelo "Protocolo Contra a Fabricação Ilegal e Tráfico de Armas de Fogo, Inclusive Peças, Acessórios e Munições". O país também atende às recomendações do Programa de Ação das Nações Unidas para Prevenir, Combater e Erradicar o Tráfico Ilícito de Armas Pequenas e Armamento Leve em todos os seus Aspectos (UN-PoA), conjunto de medidas propostas aos países para combater a circulação ilícita de armas, resultado da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio Ilícito de Armas Pequenas e Leves, ocorrida em julho de 2001.

Deve ser assinalado que o descumprimento das normas expostas nos quadros acima, especialmente em relação às armas de fogo, munição e acessórios, além de ser considerada infração administrativa (art. 238. e ss. do Decreto n.º 3.665/00, cujo processo e julgamento é de responsabilidade do Exército), passou a ser infração penal com a vigência do Estatuto do Desarmamento (normas complementadoras dos tipos penais "sem autorização" e/ou "em desacordo com determinação legal ou regulamentar").


Condutas Típicas previstas no Estatuto do Desarmamento que exigem normas complementadoras ou integradoras

Como dito, o Estatuto traz uma série de normas penais em branco, que devem ser complementadas ou integradas para se perfazer o fato típico.

Assim, passaremos a descrever as condutas delitivas previstas na legislação e os respectivos fundamentos legais que revelam serem elas "sem autorização" e/ou "em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

As normas expedidas pelo Comando do Exército, especialmente as portarias, podem ser acessadas pela internet, no endereço do site da DFPC, www.dfpc.eb.mil.br, enquanto a IN n.º 023/05-DG/DPF, de 01.09.05, foi publicada no Boletim de Serviço n.º 169, de 2 de setembro de 2005, do Departamento de Polícia Federal.

Recorde-se que toda apreensão de arma de fogo deve ser obrigatoriamente comunicada ao DPF para registro no sistema, inclusive as que não constem dos cadastros do SINARM ou SIGMA, como reza o art. 2º, inciso VII da Lei n.º 10.826/03, art. 1º, § 1º, inciso II e art. 1º, § 3º do Decreto n.º 5.123/04, bem como o art. 39. da IN n.º 023/05-DG/DPF.

CRIMES PREVISTOS NO ART. 12, ART. 14. E ART. 16, CAPUT, DA LEI N.º 10.826/03 (POSSE E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E RESTRITO)

* Casos especiais, tais como de caçadores, atiradores, colecionadores, militares, policiais etc, são disciplinados em portarias específicas.

CRIMES PREVISTOS NO ART. 16, PAR. ÚNICO, INC. III, DA LEI N.º 10.826/03 (POSSE OU FABRICAÇÃO DE EXPLOSIVOS)

CRIMES PREVISTOS NO ART. 16, PAR. ÚNICO, INC. VI, DA LEI N.º 10.826/03 (RECARGA DE MUNIÇÃO)

CRIMES PREVISTOS NO ART. 17. DA LEI N.º 10.826/03 (COMÉRCIO ILEGAL DE ARMA DE FOGO)

CRIMES PREVISTOS NO ART. 18. DA LEI N.º 10.826/03 (TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO)

Sobre o autor
Marcus Vinicius da Silva Dantas

delegado de Polícia Federal em Brasília, professor da Academia Nacional de Polícia, bacharel em Direito e em Administração

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Marcus Vinicius Silva. Crimes previstos no Estatuto do Desarmamento.: Regras atinentes às atividades com produtos controlados e complementação às suas normas penais em branco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 995, 23 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8143. Acesso em: 15 nov. 2024.

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