Nossa Constituição Federal reza, em seu artigo 1º: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Tal liame institucional funda-se na assertiva de que o povo é o legítimo possuidor da soberania e do poder adjacente, conforme se pode depreender da significação semântica de República, brilhantemente preconizada por Cícero.
Hodiernamente nos deparamos com diversas informações incongruentes sobre os elementos atinentes a esta derivação da vontade popular, consubstanciada na efetivação da representatividade popular. Vislumbramos "correntes" propaladas pelo meio cibernético, manifestando-se acerca do inconformismo popular diante da governabilidade decorrente e pela falta de opções na hora do voto.
Partindo deste prisma, ressalto um e-mail que anda circulando pela internet, instruindo os cidadãos a votarem nulo, objetivando, desta feita, a realização de outra eleição, diante da prejudicialidade eivada no pleito previamente realizado.
É crível que não interessa aos governantes a elucidação de tais conceitos e dizeres normativos, diante da perpetuação do abismo que alberga a efetiva governabilidade e os legítimos possuidores do poder: o povo.
Em 2006, conforme preceitua nosso Código Eleitoral, teremos a eleição para deputados federais, senadores e suplentes, presidente e vice-presidente da República, governadores, vice-governadores e deputados estaduais. Insta inferir que a análise proposta pelo presente texto é adstrita às eleições para Presidente da República.
Mister esclarecer que há um equívoco na interpretação da norma eleitoral, na medida que o artigo 224 prescreve:
"art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias. "
Assim, estando adstrito a uma análise exegeta da Lei, pode-se inferir a conclusão de que os votos nulos acarretariam a conseqüência precípua do aludido artigo, prejudicando a votação. Entretanto, no mesmo Código, o artigo 220 e seus incisos arrola as hipóteses em que a votação é nula: (i) quando feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral, ou constituída com ofensa à letra da lei; (ii) quando efetuada em folhas de votação falsas; (iii) quando realizada em dia, hora, ou local diferentes do designado ou encerrada antes das 17 horas; (iv) quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios; e (v) quando a seção eleitoral tiver sido localizada com infração do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 135.
Assevera-se que o rol em elenco não é exemplificativo e sim taxativo, afastando sobremaneira a hipótese de anulação da votação em face da incidência dos votos nulos em mais da metade dos votos do país.
Destarte, verifica-se que os votos nulos, diferentemente do que bravejam os discípulos de Bakunin, não são votos de protesto. Em nenhuma norma resta vislumbrado tal conceito.
Com espeque na norma juridicamente válida, entende-se que voto nulo é o voto dado a candidatos inelegíveis ou não registrados; serão nulos também os votos se o seu número for suficiente para alterar qualquer representação partidária ou classificação de candidato eleito pelo princípio majoritário, tratando-se de inscrições contra as quais hajam sido interpostos recursos das decisões que as deferiram, desde que tais recursos venham a ser providos pelo Tribunal Regional ou Tribunal Superior; será nulo o voto dado ao candidato que haja pedido o cancelamento de sua inscrição; serão nulos os votos quando forem assinalados os nomes de dois ou mais candidatos para o mesmo cargo e quando a assinalação estiver colocada fora do quadrilátero próprio, desde que torne duvidosa a manifestação da vontade do eleitor (inviável na maioria dos casos, com o advento da urna eletrônica).
Tornando ainda mais risível a manifestação dos românticos anarquistas, prescreve o artigo 211 do Código Eleitoral, que será eleito para Presidente da República o candidato mais votado com a maioria absoluta dos votos, excluindo-se os brancos e os nulos, ou seja, não é feita qualquer distinção quanto as duas categorias.
Saliente-se que o artigo 213 do Código Eleitoral assevera que, não se verificando a maioria absoluta, o Congresso Nacional, dentro de quinze dias após o recebimento da respectiva comunicação do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, reunir-se-á em sessão pública para se manifestar sobre o candidato mais votado, que será considerado eleito se, em escrutínio secreto, obtiver metade mais um dos votos dos seus membros.
Decorrida tal apuração e não alcançada a maioria absoluta, renovar-se-á, até 30 (trinta) dias depois, a eleição em todo país, na qual concorrerão os dois candidatos mais votados, cujos registros estarão automaticamente revalidados (art. 213, §1º, Cód. Eleitoral).
Diante dos elementos aqui abarcados, é insofismável que o voto não deve ser utilizado como meio de protesto e sim como ferramenta hábil para se exercer a cidadania inerente ao Estado de Direito. Por derradeiro, todo e qualquer ato neste sentido deve ser rechaçado de plano, pois representa um retrocesso nos direitos adquiridos ao longo de nossa história.