O PODER MODERADOR E A CARTA CONSTITUCIONAL DE 1826 EM PORTUGAL
Rogério Tadeu Romano
I - A REVOLUÇÃO LIBERAL DO PORTO E A CONSTITUIÇÃO DE 1822
A Revolução do Porto, também referida como Revolução Liberal do Porto, foi um movimento de cunho liberal que ocorreu em 1820 e teve repercussões tanto na História de Portugal quanto na História do Brasil. O movimento resultou no retorno (1821) da Corte Portuguesa, que se transferira para o Brasil durante a Guerra Peninsular, e no fim do absolutismo em Portugal, com a ratificação e implementação da primeira Constituição portuguesa (1822).
Anote-se que esse liberalismo era reconhecido tanto nas esferas política e econõmica, frutos das ideias que campearam na Europa, no período, pós-Napoleão.
A primeira grande Constituição da história portuguesa foi a de 1822.
Definida como sendo bastante progressista para a época, inspirou-se, numa ampla parte, no modelo da Constituição Espanhola de Cádis, datada de 1812, bem como nas constituições Francesas de 1791 e 1795, sendo marcante pelo seu espírito amplamente liberal, tendo ab-rogado inúmeros velhos privilégios feudais, característicos do regime absolutista. Estava dividida em seis títulos e 240 artigos, tendo, por princípios fundamentais, os seguintes:
- a consagração dos direitos e deveres individuais de todos os cidadãos Portugueses (dando primazia aos direitos humanos, nomeadamente, a garantia da liberdade, da igualdade perante a lei, da segurança, e da propriedade);
- a consagração da Nação (união de todos os Portugueses) como base da soberania nacional, a ser exercida pelos representantes da mesma legalmente eleitos - isto é, pelas Cortes, nas quais reside a soberania de facto e de jure, já que os seus elementos têm a legitimidade do voto dos cidadãos;
- a definição do território da mesma Nação, o qual formava o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, compreendendo o Reino de Portugal (Continente e Ilhas Adjacentes), o Reino do Brasil e os territórios ultramarinos portugueses na África e na Ásia;
- o não reconhecimento de qualquer prerrogativa ao clero e à nobreza;
- a independência dos três poderes políticos separados (legislativo, executivo e judicial), o que contrariava os princípios básicos do absolutismo que concentrava os três poderes na figura do rei);
- a existência de Cortes eleitas pela Nação, responsáveis pela atividade legislativa do país;
- a supremacia do poder legislativo das Cortes sobre os demais poderes;
- a emanação da autoridade régia a partir da Nação;
- a existência, como forma de Governo, de uma Monarquia Constitucional com os poderes do Rei reduzidos;
- a União Real com o Reino do Brasil;
- a ausência de liberdade religiosa (a Religião Católica era a única religião da Nação Portuguesa).
O poder legislativo passou a ser da competência das Cortes, assembleia unicameral que elaborava as leis, e cujos deputados eram eleitos de dois em dois anos pela Nação. A preponderância do poder legislativo sobre o poder executivo é uma característica dos regimes demo-liberais mais progressistas, por oposição às chamadas Cartas Constitucionais, de cariz aristocrático e outorgadas pelo Rei.
O poder executivo era exercido pelo Rei, competindo-lhe a chefia do Governo, a execução das leis e a nomeação e demissão dos funcionários do Estado. No entanto, o Rei tinha apenas veto suspensivo sobre as Cortes, podendo suspender a promulgação das leis de que discordava, mas sendo obrigado a promulgá-las desde que as Cortes assim o voltassem a deliberar. Não lhe era concedido o poder de suspender ou dissolver as Cortes.
Em ocasiões especiais, o Rei era aconselhado pelo Conselho de Estado, cujos membros eram eleitos pelas Cortes, e coadjuvado pelos secretários de Estado, diretamente responsáveis pelos atos do Governo. Apesar de tudo, a sua pessoa era considerada inviolável.
O poder judicial pertencia, exclusivamente, aos juízes, que o exerciam nos Tribunais.
Quanto ao corpo eleitoral, e de acordo com o artigo 34.º da Constituição, podiam votar, para eleger os representantes da Nação (deputados), os varões maiores de 25 anos que soubessem ler e escrever. Eram excluídos de votar as mulheres, os analfabetos, os frades e os criados de servir, entre outros.
II - A CONSTITUIÇÃO DE 1826 EM PORTUGAL
Veio a morte de Dom João em 1826.
Aclamado como rei de Portugal e Imperador do Brasil, Dom Pedro de Bragança, perante o inconveniente e melindre da união pessoal de dois reinos, outorgou, primeiro, uma Carta Constitucional à Monarquia Portuguesa, abdicando a seguir em sua filha, Dona Maria. A abdicação era, porém, condicionada ao casamento desta com o tio, Dom Miguel, e a garantia de vigência da Carta outorgada.
Era o monarca que outorgava uma lei fundamental que, à semelhança ao termo constitucional, como poder constituinte, outorgava uma lei fundamental, a carta constitucional. A monarquia era limitada à Nação, sendo representativa e seu governo, da Nação, era hereditário e representativo.
Com isso veio a chamada Constituição de Portugal de 1826.
Carta Constitucional representou um compromisso entre a doutrina da soberania nacional, adotada sem restrições pela Constituição de 1822, e o desejo de preservar os direitos régios, o que descontentou os vintistas, que eram mais radicais, e os absolutistas, bastante mais conservadores. Acabou, todavia, por ser jurada por todos, incluindo D. Miguel.
A Carta vigorou durante três períodos:
- o primeiro entre Julho de 1826 e Maio de 1828, data em que D. Miguel convocou os três Estados do Reino, que o aclamaram rei e decretaram nula a Carta Constitucional;
- o segundo iniciou-se em Agosto de 1834, com a vitória do Partido Liberal na Guerra Civil e a saída do País de D. Miguel, e termina com a revolução de Setembro de 1836, que proclama de novo a Constituição de 1822 até se elaborar nova Constituição, o que sucedeu em 1838;
- o terceiro período começa com o golpe de Estado de Costa Cabral, em Janeiro de 1842, e só termina em 1910, com a República. Durante este último período sofreu três revisões profundas, em 1852, 1885 e 1896.sobre a restauração da Carta Constitucional, tem-se, na doutrina: Maria M. Tavares Ribeiro(A restauração da Carta Constitucional e a revolta de 1844) e Fernando Carroga(A maçonaria e a restauração da Carta Constitucional).
Não se sabe ao certo quem foi o seu autor, presumindo-se que tenha sido José Joaquim Carneiro de Campos. Quem quer que fosse utilizou como fontes a Constituição do Império do Brasil, a Constituição de 1822 e a Carta Constitucional outorgada por Luís XVIII de França em 1814. Tiveram ainda influência doutrinal as ideias de Benjamin Constant.
As suas características mais importantes são as seguintes:
1) A carta é uma concessão régia, que não só não afirma, ao contrário da Constituição de 1822, o princípio da soberania popular, como concede ao rei um importante papel na ordenação constitucional;
2) estipula o princípio da separação de poderes que, além dos clássicos três, legislativo, executivo e judicial, passa a ter mais um, o moderador. O poder legislativo pertence às Cortes com a sanção do rei e é exercido por duas câmaras: a dos Deputados, eletiva e temporária e a dos Pares, com membros vitalícios, nomeados pelo rei e sem número fixo, sendo os lugares hereditários. O poder moderador, o mais importante, pertence exclusivamente ao rei, que vela pela harmonia dos outros três poderes e não está sujeito a responsabilidade alguma. O poder executivo também pertence ao rei, que o exercita através dos seus ministros. O poder judicial é independente e assenta no sistema de juízes e jurados;
3) a Carta enumera ainda os direitos dos cidadãos, de que os mais importantes são o direito de liberdade de expressão, oral e escrita, o direito de segurança pelo qual ninguém pode ser preso sem culpa formada, e o direito de propriedade. Mas não indica quaisquer deveres, o que é bastante significativo.
Embora liberal, ficou longe do espírito democrático da Constituição de 1822.
Eram seus princípios: o principio monárquico, o princípio de divisão de poderes, mas sem completa divisão de funções, o principio censitário, pois a participação no exercício de poder era constitucionalmente limitada a uma pequena minoria de presidentes. Eram reconhecidos os direitos civis e políticos dos cidadãos portugueses(artigo 145).
Falava-se do Conselho de Estado:
Art. 107º - Haverá um Conselho de Estado, composto de Conselheiros vitalícios nomeados pelo Rei. Art. 108º - Os Estrangeiros não podem ser Conselheiros de Estado posto que sejam naturalizados. Art. 109º - Os Conselheiros de Estado, antes de tomarem posse, prestarão Juramento nas mãos do Rei de manter a Religião Católica, Apostólica Romana; observar a Constituição, e as Leis; serem fiéis ao Rei; aconselhá-lo, segundo suas consciências, atendendo somente ao bem da Nação. Art. 110º - Os Conselheiros serão ouvidos em todos os Negócios graves e Medidas gerais de Pública Administração, principalmente sobre a declaração da Guerra, ajustes de Paz, Negociações com as Nações Estrangeiras; assim como em todas as ocasiões, em que o Rei se proponha exercer qualquer das Atribuições próprias do Poder Moderador, indicadas no Artigo 74.°; à excepção do 5.° §. Art. 111º - São responsáveis os Conselheiros de Estado pelos Conselhos, que derem opostos às Leis, e ao interesse do Estado, manifestamente dolosos. Art. 112º - O Príncipe Real, logo que tiver dezoito anos completos, será de Direito, do Conselho de Estado; os demais Príncipes da Casa real para entrarem no Conselho de Estado ficam dependentes da Nomeação do Rei.
O artigo 145 da Constituição de 1826 garantia aos portugueses direitos fundamentais assim dispostos:
Art. 145º - A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a Propriedade, é garantida pela Constituição do Reino, pela maneira seguinte: § 1.° - Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da Lei. § 2.° - A disposição da Lei não terá efeito retroactivo. § 3.° - Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e publicados pela Imprensa sem dependência de Censura, contanto que hajam de responder pelos abusos, que cometerem no exercício deste direito, nos casos, e pela forma que a Lei determinar. § 4.° - Ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a Moral Pública. § 5.° - Qualquer pode conservar-se, ou sair do Reino, como lhe convenha, levando consigo os seus bens; guardados os Regulamentos policiais, e salvo o prejuízo de terceiro. § 6.° - Todo o Cidadão tem em sua Casa um asilo inviolável. De noite não se poderá entrar nela senão por seu consentimento, ou em caso de reclamação feita de dentro; ou para o defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira que a Lei determinar. § 7.° - Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei, e nestes dentro de vinte e quatro horas, contadas da entrada da prisão, sendo em Cidades, Vilas ou outras Povoações próximas aos lugares da residência do Juiz; e, nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei marcará, atenta a extensão do Território: o Juiz, por uma Nota por ele assinada, fará constar ao Réu o motivo da prisão, os nomes dos acusadores, e os das testemunhas, havendo-as. § 8.° - Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido à prisão, ou nela conservado, estando já preso, se prestar fiança idónea, nos casos, que a Lei a admite: e em geral, nos crimes que não tiverem maior pena do que a de seis meses de prisão, ou desterro para fora da Comarca, poderá o Réu livrar-se solto. § 9.° - À excepção do flagrante delito, a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da Autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o Juiz que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei determinar. O que fica disposto acerca da prisão antes de culpa formada, não compreende as Ordenanças Militares estabelecidas, como necessárias à disciplina, e recrutamento do Exército: nem os casos, que não são puramente criminais, e em que a Lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos Mandados da Justiça, ou não cumprir alguma obrigação dentro de determinado prazo. § 10.° - Ninguém será sentenciado senão pela Autoridade competente, por virtude de Lei anterior, e na forma por ela prescrita. § 11.° - Será mantida a independência do Poder Judicial. Nenhuma Autoridade poderá avocar as Causas pendentes, sustê-las, ou fazer reviver os Processos findos. § 12.° - A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um. § 13.° - Todo o Cidadão pode ser admitido aos Cargos Públicos Civis, Políticos ou Militares, sem outra diferença, que não seja a dos seus talentos e virtudes. § 14.° - Ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado, em proporção dos seus haveres. § 15.° - Ficam abolidos todos os Privilégios, que não forem essencial e inteiramente ligados aos Cargos por utilidade pública. § 16.° - A excepção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juízos particulares, na conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Comissões especiais nas Causas Cíveis, ou Crimes. § 17.° - Organizar-se-á, quanto antes, um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça e Equidade. § 18.° - Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis. § 19.° - Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Portanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infâmia do Réu se transmitirá aos parentes em qualquer grau que seja. § 20.° - As Cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes. § 21.° - É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o Bem Público, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do Cidadão, será ele previamente indemnizado do valor dela. A Lei marcará os casos, em que terá lugar esta única excepção, e dará as regras para se determinar a indemnização. § 22.° - Também fica garantida a Dívida Pública. § 23.° - Nenhum género de trabalho, cultura, indústria ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança e saúde dos Cidadãos. § 24.° - Os Inventores terão a propriedade de suas descobertas, ou das suas produções. A Lei assegurará um Privilégio exclusivo temporário, ou lhes remunerará em ressarcimento da perda que hajam de sofrer pela vulgarização. § 25.° - O segredo das Cartas é inviolável. A Administração do Correio fica rigorosamente responsável por qualquer infracção deste Artigo. § 26.° - Ficam garantidas as recompensas conferidas pelos Serviços feitos ao Estado, quer Civis, quer Militares; assim como o direito adquirido a elas na forma das Leis. § 27.° - Os Empregados Públicos são estritamente responsáveis pelos abusos, e omissões, que praticarem no exercício das suas Funções, e por não fazerem efectivamente responsáveis aos seus subalternos. § 28.° - Todo o Cidadão poderá apresentar por escrito ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas ou petições, e até expor qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a Autoridade a efectiva responsabilidade dos infractores. § 29.° - A Constituição também garante os Socorros Públicos. § 30.° - A Instrução Primária é gratuita a todos os Cidadãos. § 31.° - Garante a Nobreza Hereditária, e suas regalias. § 32.° - Colégios e Universidades, onde serão ensinados os Elementos das Ciências, Belas Letras e Artes. § 33.° - Os Poderes Constitucionais não podem suspender a Constituição, no que diz respeito aos Direitos individuais, salvo nos casos, e circunstâncias especificadas no § seguinte. § 34.° - Nos casos de rebelião, ou invasão de inimigos, pedindo a Segurança do Estado que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades, que garantem a Liberdade individual, poder-se-á fazer por acto especial do Poder Legislativo. Não se achando porém a esse tempo reunidas as Cortes, e correndo a Pátria perigo iminente, poderá o Governo exercer esta mesma providência, como medida provisória, e indispensável, suspendendo-a, imediatamente cesse a necessidade urgente que a motivou, devendo num e noutro caso remeter às Cortes, logo que reunidas forem, uma relação motivada das prisões, e de outras medidas de prevenção tomadas; e quaisquer Autoridades, que tiverem mandado proceder a elas, serão responsáveis pelos abusos, que tiverem praticado a esse respeito.
III - O PODER MODERADOR E O PODER EXECUTIVO
Eram marcantes naquela Constituição de Portugal os traços do poder moderador e do bicameralismo.
A Carta, em seus artigos 11 e 71, introduziu o poder moderador e o sistema bicameral(artigo 14).
A ideia do poder moderador é um produto teórico trabalhado sobretudo por Benjamim Constant. Designado por “povoir royal”, este autor justificava a sua existência pela necessidade de o “poder real” ser um “poder neutro”, a fim de evitar o vício de quase todas as constituições.
O poder moderador era considerado pela aquela Carta como “a chave de toda a organização política” e de competência exclusiva do rei(artigo 71), era uma construção artificial e acabava por entregar ao poder executivo a solução de conflitos que foi logo notado pela doutrina constitucional do século XIX e princípios do século XX, como se lê de José Tavares(O poder governamental no Direito Constitucional português, 1909, pág. 7). No direito brasileiro, à luz da Constituição de 1824, tem-se as palavras sobre a matéria de Paulo Bonavides(História constitucional do Brasil, Nelson Saldanha(A teoria do poder moderador e as origens do direito público brasileiro).
O rei exerce o seu poder moderador:
Art.74º - O Rei exerce o Poder Moderador: § 1.° - Nomeando os Pares sem número fixo. § 2.° - Convocando as Cortes Gerais extraordinariamente nos intervalos das Sessões, quando assim o pede o Bem do Reino. § 3.° - Sancionando os Decretos, e Resoluções das Cortes Gerais, para que tenham força de Lei, Artigo 55.°. § 4.° - Prorrogando, ou adiando as Cortes Gerais, e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado, convocando imediatamente, outra, que a substitua. § 5.° - Nomeando e demitindo livremente os Ministros de Estado. § 6.° - Suspendendo os Magistrados nos casos do Artigo 121.°. § 7.° - Perdoando, e moderando as penas impostas aos Réus condenados por Sentença. § 8.° - Concedendo Amnistia em caso urgente, e quando assim o aconselhem a humanidade, e bem do Estado.
Havia um poder bicameral: A Câmara dos Pares e a Câmara dos Deputados, numa partilha de poder político, satisfazendo setores da nobreza legitimista que tinham ficado marginalizados na Constituição de 1822, representando uma reação ao constitucionalismo diretamente representativo.
Por sua vez, tinha-se o Poder Executivo:
DO PODER EXECUTIVO Art. 75º - O Rei é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São suas principais Atribuições: § 1.° - Convocar as novas Cortes Gerais ordinárias no dia dois de Março do quarto ano da Legislatura existente no Reino de Portugal; e nos Domínios no ano antecedente. § 2.° - Nomear Bispos e prover os Benefícios Eclesiásticos. § 3.° - Nomear Magistrados. § 4.° - Prover os mais Empregos Civis e Políticos. § 5.° - Nomear os Comandantes da Força de terra e mar, e removê-los, quando assim o pedir o Bem do Estado. § 6.° - Nomear Embaixadores, e mais Agentes Diplomáticos e Comerciais. § 7.° - Dirigir as Negociações Políticas com as Nações Estrangeiras. § 8.° - Fazer Tratados de Aliança ofensiva e defensiva, de Subsídio, e Comércio, levando-os depois de concluídos ao conhecimento das Cortes Gerais, quando o interesse e segurança do Estado o permitirem. Se os Tratados concluídos em tempo de paz envolverem cessão, ou troca de Território do Reino, ou de Possessões, a que o Reino tenha direito, não serão ratificados, sem terem sido aprovados pelas Cortes Gerais. § 9.° —Declarar a Guerra, e fazer a Paz, participando à Assembleia as comunicações, que forem compatíveis com os interesses e segurança do Estado. § 10.° - Conceder Cartas de naturalização na forma de Lei. § 11.° - Conceder Títulos, Honras, Ordens Militares, e Distinções em recompensa de Serviços feitos ao Estado, dependendo as mercês pecuniárias da aprovação da Assembleia, quando não estiverem já designadas, e taxadas por Lei. § 12.° - Expedir os Decretos, Instruções e Regulamentos adequados à boa execução das Leis. § 13.° - Decretar a aplicação dos rendimentos destinados pelas Cortes nos vários ramos da Pública Administração. § 14.° - Conceder ou negar o Beneplácito aos Decretos dos Concílios e Letras Apostólicas e quaisquer outras Constituições Eclesiásticas, que se não opuserem à Constituição; e precedendo aprovação das Cortes, se contiverem disposição geral. § 15.° - Prover a tudo que for concernente à segurança interna e externa do Estado, na forma da Constituição. Art. 76º - O Rei, antes de ser aclamado, prestará na mão do Presidente da Câmara dos Pares, reunidas ambas as Câmaras, o seguinte Juramento - Juro Manter a Religião Católica, Apostólica Romana, a integridade do Reino, observar e fazer observar a Constituição Política da Nação Portuguesa, e mais Leis do Reino e prover ao Bem geral da Nação, quanto em Mim Couber. Art. 77º - O Rei não poderá sair do Reino de Portugal sem o consentimento das Cortes Gerais; e, se o fizer, se entenderá que Abdicou a Coroa.
IV - OS CARTISTAS E OS SETEMBRISTAS
Na sociedade portuguesa levantavam duas correntes que se fizeram ouvir em Portugal:
Cartista ou Cartismo é a designação que se deu em Portugal à tendência mais conservadora do liberalismo surgido após a revolução de 1820, centrada em torno da Carta Constitucional de 1826, outorgada por D. Pedro IV numa tentativa de reduzir os conflitos abertos pela revolução, dado o seu carácter menos radicalizante do que a Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822.
Os cartistas, em conjunto com os vintistas, fizeram a guerra a D. Miguel e aos seus miguelistas, naquela que é conhecida por guerras liberais, mas acabaram por se desentender com os seus aliados em 1834, após a Convenção de Évora-Monte que pôs termo às referidas lutas, formando dois agrupamentos políticos cada vez mais distintos, que se foram separando progressivamente da corrente mais à esquerda do pensamento liberal.
Os cartistas estiveram por várias vezes no poder, sob várias designações, e foram os grandes vencedores da guerra civil da Patuleia e de todo o processo de contestação que emergiu após a Revolução da Maria da Fonte. Quando a formação dos partidos políticos se clarificou, na sequência da Regeneração, constituíram, em 1851, o Partido Regenerador, o qual se afirmou até ao advento da República em Portugal como o grande partido conservador de direita da Monarquia Constitucional.
Apesar da semelhança do nome e de alguma comunalidade de objetivos, o cartismo português não é diretamente equacionável com o movimento do cartismo britânico, já que a carta que defendiam era a Carta Constitucional de 1826 que tinha sido outorgada aos portugueses e não a carta genérica de direitos a que aspirava o cartismo britânico. Atente-se que os desideratos do cartismo britânico se situavam mais perto das soluções da Constituição Portuguesa de 1822 do que das soluções consignadas na referida Carta Constitucional portuguesa.
Havia ainda o setembrismo.
Setembrismo é a designação dada à corrente mais à esquerda do movimento liberal.
O setembrismo derivou diretamente do vintismo, recebendo a sua designação do apoio prestado por esta facção à Revolução de Setembro. Por coincidência, a Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822 fora também aprovada em Setembro. O movimento defendia a supremacia da soberania popular, lutando ativamente pela substituição da Carta Constitucional de 1826, outorgada pelo soberano, por uma constituição aprovada por um congresso democraticamente eleito pelo povo.
Face à incipiência do sistema político português de então, sem partidos organizados na acepção moderna do termo, o partido setembrista, isto é a corrente mais à esquerda do liberalismo, assumiu-se como oposição ao cartismo, isto é à facção mais conservadora que apoiava a Carta Constitucional de 1826.
Em pouco tempo o setembrismo dividiu-se em facções: os moderados e os radicais:
- A facção moderada era dominante, tendo como apoiantes Passos Manuel e Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, o 1.º visconde de Sá da Bandeira, os quais tentavam estabelecer um entendimento com o grupo de Silva Carvalho e uma solução de compromisso com D. Maria II, a qual favorecia claramente o partido cartista. Neste contexto, Passos Manuel prometia uma conciliação entre uma nova Constituição, legitimada pelo povo, e a Carta. Após a Revolução de Setembro, conseguiu a aprovação de uma Constituição moderada, a qual foi jurada pelos próprios cartistas.
- A facção radical era dominada pelos clubes maçónicos e pelos arsenalistas e liderada por membros da Maçonaria do Sul, como José Alexandre de Campos e João Gualberto Pina Cabral. Entre os deputados radicais eleitos em 1836 contavam-se José Estêvão, José Liberato, Leonel Tavares Cabral e Costa Cabral.
O setembrismo vigorou de 1836 até ao golpe de estado de 1842, dirigido por Costa Cabral (que entretanto tinha mudado de lado), que restaurou a Carta Constitucional. Triunfo do liberalismo conservador da Regeneração de 1851. De início, o movimento setembrista pautou-se por teorias radicais e por uma retórica de esquerda, características que foram sendo progressivamente atenuadas.
O setembrismo, após a Regeneração e a institucionalização dos partidos políticos, deu origem, primeiro, ao Partido Histórico e, depois do Pacto da Granja, ao Partido Progressista.
A Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1838 foi o terceiro texto constitucional português.
A Revolução Francesa de 1830 trouxe uma corrente defensora de um liberalismo mais purista. Esta pretendia que a Carta não dependesse da vontade do rei, mas que fosse reconhecida pela soberania do povo, representado na Assembleia Nacional e instituído de poderes constituintes.
Esta tendência teve alguma repercussão em Portugal, acabando por resultar na revolta setembrista de 1836, que restabeleceu a Constituição de 1822. As Cortes Gerais reuniram-se para alterar o texto da Constituição, por ação do governo revolucionário, cujos trabalhos foram iniciados em janeiro de 1837. Durante os trabalhos ocorreram tentativas de golpe de Estado e revoltas armadas. Era, ao fim e ao cabo, a continuação de um período de forte instabilidade que se fazia sentir desde 1820 e que se estenderia, ainda, até 1852.
Mas é preciso fazer algumas distinções entre o cartismo e o setembrismo, como expôs J.J. Gomes Canotilho(Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, pág. 148 e seguintes):
a) a dicotomia cartismo-setembrismo não corresponde a dicotomia constitucionalismo(vintistas) e cartistas. Alguns setembristas não consideravam o credo vintista como elemento fundamental das suas reivindicações; alguns cartistas, defensores da Carta não concordavam com a prática de governos cartistas de 1832 - 1836;
b) o setembrismo não constituia uma corrente unitária, a ponto de se poder falar num grande partido setembrista, devendo antes destacar-se três facções cuja ideologia e praxis política diferem sensivelmene: a) o setembrismo moderado(Passos Manuel): b) o setembrismo radical; c) o setembrismo vitalício;
c) o cartismo não era uma corrente unitária, quer quanto à política quer quanto à abertura a reforma da Carta: havia críticos dos governos cartistas anteriores à Revolução de Setembro, mas que eram profundamente hostis à violação de legalidade constitucional cartista(Alexandre Herculano) e havia partidários da Carta, sobretudo pela cristalização aristocrática-burguesa que ela significava, e que recorrerão também a métodos constitucionais para alcançar o poder, como Costa Cabral, oriundo do resto do setembrismo;
d) em termos sociais e econômicos, o cartismo e o setembrismo são hoje considerados pelos historiadores como uma luta não só de organização do poder político, mas de confronto entre várias frações da classe burguesa: a adepta da Carta e a burguesia industrial defensora de um sistema protecionista à indústria(problema pauta), aliada às classes médias e à pequena burguesia(em Lisboa, as classes populares, adeptas do setembrismo);
e) tendo em vista as frações de apoio ao cartismo e ao setembrismo, havia um movimento de confluência entre eles: a) marginalização dos adeptos da "revolução legal" o que iria acontecer definitivamente com a Convenção de Gramido em 1847; b) necessidade de solidificar uma ordem liberal que permitisse o fundamento ou alicerçamento burguês do Estado. A primeira exigência torna-se visivel quando se forma o chamado Partido Regenerador em 1851; aglutinando cartistas moderados e setembristas(progressistas), e quando o Partido Progressista Histórico(que se mantém fiel ao setembrismo) entre no esquema do rotativismo insistindo na reforma da Carta, mas sem programa doutrinário econômico-social substancialmente diferente do Partido Regenerador.
O reforço da ordem liberal e do fundamento burguês do próprio Estado revela-se no movimento da Renegeneração, que, como instrumento do capitalismo, se manifestou como o instrumento de solidificação burguesa do Estado liberal, estabelecendo um movimento de abertura da classe política e estabelecia um modus vivendi entre os defensores do protecionismo e dos sistemas pautais(burguesia industrial) e os adeptos do livre cambismo(burguesia financeira e comercial). Essa luta ideológica entre as facções foi a nota daquela período.
V - A CARTA DE 1838
Após a Revolução de Setembro, em 10 de agosto de 1836, a Carta Constitucional foi abolida e em seu lugar reposta em vigor, a título provisório, a Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822, tendo sido convocadas Cortes Constituintes destinadas a redigir uma nova constituição, a qual viria a ser concluída e jurada em 4 de Abril de 1838 pela rainha D. Maria II.
Foi como que uma síntese dos textos de 1822 e 1826, ocupando um lugar intermédio. Foi influenciada pelos textos anteriores, e ainda pela Constituição belga de 1831 (relativamente à organização do senado) e pela Constituição espanhola de 1837 (pelo seu espírito concíliatório das duas formas extremas de constitucionalismo monárquico).
As suas características fundamentais são o princípio clássico da tripartida dos poderes, o bicameralismo das Cortes (Câmara dos Senadores e Câmara dos Deputados), o veto absoluto do rei e a descentralização administrativa. Define também no art.º 98 a exclusão dinástica definitiva do ex-infante D. Miguel de Bragança e de todos os seus descendentes (ou seja, o ramo Miguelista). Esta Constituição reafirma a soberania nacional, restabelece o sufrágio universal direto e elimina o poder moderador.
Contudo, foi efémera a sua vigência - em 10 de Fevereiro de 1842, Costa Cabral é saudado com vivas à Carta na sua chegada ao Porto, e ao regressar a Lisboa procede a um golpe de Estado e restaura a Carta Constitucional de 1826.